Tarcísio
Vieira, biólogo: "para que o
criacionismo seja um bom modelo, precisa reconhecer que o evolucionismo é uma
boa teoria"
Uma das coisas que eu percebi no debate sobre o
ensino do criacionismo nas escolas confessionais era que praticamente não se
deu espaço aos criacionistas para explicar no que eles realmente acreditam. Por
isso, procurei a Sociedade Criacionista Brasileira (SCB), que intermediou uma
entrevista por e-mail com o biólogo Tarcísio da Silva Vieira, mestre pela
Universidade de Brasília e professor universitário de Química Orgânica. Membro
colaborador da SCB, Vieira expõe uma das vertentes do criacionismo, aponta
compatibilidades com o evolucionismo e se diz contrário ao ensino do
criacionismo nas escolas públicas. Confira a íntegra da entrevista, que teve
trechos publicados na Gazeta do Povo de hoje.
Por Marcio Campos, Gazeta do Povo
Em primeiro
lugar, o que define um criacionista? Basta acreditar que Deus tirou o universo
do nada, ou é preciso acreditar em outras intervenções criadoras de Deus?
Um aspecto de bastante relevância para aqueles
interessados na controvérsia entre criacionismo e evolucionismo, e que não tem
sido mencionado em tudo o que vem sendo veiculado na mídia, é que o termo
"criacionismo" é bastante elástico. Há diversas vertentes intituladas
igualmente como "criacionismo". A Sociedade Criacionista Brasileira,
por exemplo, divulga o criacionismo bíblico, que seria uma tentativa de
associação entre o conhecimento científico e o conhecimento bíblico, desde que
o primeiro não seja confundido com alguns pontos de vista que não são
sustentáveis epistemologicamente dentro do próprio evolucionismo.
Simpatizantes do modelo criacionista que tenham
tido formação acadêmica entendem a importância da teoria da evolução e
reconhecem a grande contribuição dada por Darwin à comunidade científica.
Entendemos que há aspectos no evolucionismo bastante fundamentados, os quais
são indispensáveis para a compreensão de muitos fenômenos naturais, assim como
para a correta interpretação de dados experimentais. A estes aspectos nenhum
criacionista que tenha formação científica se opõe. Porém, como em toda boa
teoria, há alguns pontos no evolucionismo que não são sustentáveis e devem ser
questionados, seja por um bom cientista ou por um bom estudante de ciências.
Também é preciso que se entenda que os
simpatizantes do criacionismo bíblico têm a Bíblia como uma importante fonte de
conhecimento. Diante deste fato, apenas para facilitar a compreensão, podemos
dividir estes simpatizantes em dois grupos. No primeiro estariam aqueles que
frequentam uma igreja e acreditam em Deus, em função do tipo de educação que
receberam, ou por algum tipo de experiência que tiveram em sua vida, ou por
qualquer outro motivo. Para eles, o relato bíblico é suficiente para que
professem sua fé.
No entanto, diversos autores dos textos bíblicos
instruem seus leitores a investigar a natureza – como Paulo, na carta aos
Romanos (1,20) – a fim de que por essa investigação reconheçam a existência de
um Criador. O segundo grupo de simpatizantes é o dos que pertenciam ao primeiro
grupo (ou seja, que tiveram educação religiosa), entenderam o "recado da
natureza" e tiveram a oportunidade de estudar ciências. Aos integrantes
deste segundo grupo o relato bíblico também é suficiente para professarem sua
fé, mas o conhecimento científico que adquiriram lhes permite também argumentar
de maneira mais formal e racional a respeito daquilo em que acreditam, muitas
vezes se contrapondo a alguns pontos de vista que não são sustentáveis
epistemologicamente dentro do evolucionismo. Em qualquer destes grupos,
permanece a convicção de que todos os atos referentes à criação feita por Deus,
assim como o plano de redenção para toda a humanidade, são reais; esses são os
atributos comuns aos proponentes desta vertente do criacionismo.
Quando se
fala de criacionismo, costuma-se remeter à tradição judaico-cristã da narração
da criação segundo o Gênesis. É possível conciliar o criacionismo com outras
tradições religiosas?
Creio que este modo incorreto de associar o
criacionismo unicamente à tradição judaico-cristã é decorrente, em parte, da
constituição religiosa de nossa sociedade. Outro aspecto que conduz a este tipo
errôneo de associação é a falta de conhecimento, tanto por parte da maioria dos
profissionais da imprensa quanto da maioria dos evolucionistas críticos do
criacionismo, com relação à origem de toda esta controvérsia.
É consenso entre a quase totalidade das pessoas (e
isto também infelizmente se aplica àquelas que frequentam uma igreja) que o
confronto entre as ideias evolucionistas e criacionistas é um
"impasse" entre ciência e fé e é algo que surgiu com o advento do
Cristianismo.
Quanto ao primeiro ponto, eu me limitaria a dizer
que os grandes ícones do desenvolvimento científico – dentre eles, só para
citar os mais proeminentes em algumas áreas da Física, como Newton na óptica,
na mecânica e na gravitação universal; Boyle no estudo dos gases; e Faraday e
Maxwell no eletromagnetismo – que nos possibilitaram alcançar o patamar de
conhecimento no qual nos encontramos compartilhavam, em sua quase totalidade, a
fé em um Deus criador e pessoal. Esta fé os inspirava a desenvolver suas
teorias e lhes permitia olhar com mais detalhes para a natureza, o que
possibilitou a eles se tornarem homens e mulheres à frente de seu tempo.
Diante disto fica evidente que a controvérsia entre
criacionismo e evolucionismo não é uma dicotomia entre ciência e fé, como é
grandemente alardeado pela mídia em geral. Aquelas pessoas conciliavam sua fé
em Deus com suas pesquisas referentes aos fenômenos naturais, obtendo
resultados que os destacaram não apenas no contexto em que viviam. O verdadeiro
embate entre as argumentações evolucionistas e criacionistas está centrado na
existência ou não de planejamento e intenção nas coisas existentes. Enquanto o
evolucionismo defende a ideia de acaso e aleatoriedade, buscando explicar a
vida como sendo o resultado de causas puramente naturais, o criacionismo
defende a ideia de propósito e planejamento, buscando explicar a vida como
sendo resultante da ação criadora de um Deus que ainda hoje se relaciona com o
ápice de sua criação: o ser humano.
Este conceito integrado no criacionismo permite ao verdadeiro
interessado nesta controvérsia encontrar evidências do confronto destas ideias
em diversas civilizações, em períodos históricos muito antecedentes ao
surgimento do Cristianismo e do Judaísmo. É propagado erroneamente, tanto pela
imprensa quanto por livros didáticos, que os povos ditos pagãos tiveram contato
com a ideia de um Deus único, criador e redentor apenas após o advento do
Cristianismo. Contudo, um minucioso estudo da mitologia e da literatura
mesopotâmica, egípcia, chinesa, romana e de lendas indígenas, dentre outras,
indica o oposto daquilo que nos é tradicionalmente ensinado. Na Grécia, em
torno de 300 a.C., havia intenso debate entre epicuristas (que dentre outras
ideias defendiam que todas as coisas tiveram origem em causas naturais aleatórias)
e estoicos, defensores de que todas as coisas tiveram origem pela intenção e
propósito de um Deus criador.
O trecho abaixo, originalmente presente na obra de
Cícero De Natura Deorum, citado no livro Depois do Dilúvio (de autoria do
historiador britânico Bill Cooper e publicado em português pela SCB), lança um
breve lampejo sobre a argumentação dos simpatizantes do estoicismo: Se existe
algo na natureza que a mente humana, a Inteligência, a energia e a força
humanas não podem criar, então o criador dessas coisas deve necessariamente ser
um ente superior ao homem. Os corpos celestes em suas órbitas eternas
certamente não podem ser criados pelo homem. Eles, portanto, devem ter sido
criados por um ser superior ao homem. (...) Somente um tolo arrogante imaginaria
que nada houvesse no mundo todo maior do que ele próprio. Logo, deve existir
algo maior do que o ser humano. E esse algo deve ser Deus.
Em nossos dias, o criacionismo formal como o
conhecemos está associado às três grandes religiões monoteístas, Islamismo,
Judaísmo e Cristianismo.
Como o
criacionismo interpreta a narração do Gênesis? Uma interpretação estritamente
literal, ou questões como a dos "seis dias" podem ser vistas como
metáfora?
Para os simpatizantes do criacionismo bíblico, a
Bíblia é literal em todas as suas colocações, exceto em três situações. A
primeira é aquela em que o próprio relato bíblico informa o contrário, como
quando são utilizados metais preciosos para designar reinos poderosos e metais
menos nobres para designar reinos menos poderosos, no livro de Daniel.
A segunda situação ocorre quando transparece que o
escritor não tinha em mente o intuito de transmitir conhecimento científico,
mas sim de descrever um fenômeno na linguagem mais simples possível, de modo
que aquela informação fosse compreensível por todos, e pode ser exemplificada
com a passagem no livro de Josué, no qual o escritor menciona que o Sol se
deteve nos céus, o que é interpretado por muitos, de maneira precipitada, como
sendo uma alusão ao "fato" de que, para aquelas pessoas, o Sol girava
em torno da Terra.
E, finalmente, o terceiro caso é aquele em que os
conceitos que adquirimos em tempos recentes aparentemente contrastam com aquilo
que era aceito popularmente no período em que um determinado texto bíblico foi
escrito, por exemplo no livro de Levítico, em que o morcego é classificado como
ave, e não como mamífero. Acontece que a classificação taxonômica que
utilizamos hoje é muitíssimo recente em comparação com o texto bíblico. Na
época em que aquele livro foi escrito, e refletindo um critério bastante
prático, era suficiente classificar os seres vivos em terrestres, aquáticos e
alados, sendo esta última a classe na qual o morcego evidentemente se
enquadrava.
Salvo estas situações (e obviamente outras que
possam ser incluídas em contextos similares), entendemos a Bíblia sempre como
literal, e isto inclui todo o livro de Gênesis; portanto, para nós os seis dias
da criação são literais, embora existam correntes teológicas que entendam estes
dias como períodos não correspondentes a 24 horas. Outras vertentes do
criacionismo consideram estes dias da criação como longos períodos de tempo,
correspondentes a eras, numa tentativa de associar o relato do livro de Gênesis
aos fatos advindos da sucessão dos fósseis nas rochas sedimentares e as
respectivas idades obtidas pelos métodos de datação radiométrica, associação
esta de forma alguma aceita pelos simpatizantes do criacionismo bíblico.
Que outras
vertentes do Criacionismo podem ser mencionadas?
Dentro das diferentes correntes criacionistas há
pontos que são compatíveis com outras vertentes, e pontos de incompatibilidade.
O fixismo, por exemplo, era utilizado no passado por teólogos no sentido de
deixar claro para as pessoas da época que os seres haviam sido criados por Deus
exatamente como são, ou seja, os seres originalmente criados por Deus não
teriam sofrido nenhuma mudança significativa ao longo do tempo. Infelizmente
esta era a ideia aceita pela sociedade (incluindo os naturalistas, ou seja, os
cientistas daquela época).
A partir das observações e da publicação dos
trabalhos de Darwin, o fixismo foi duramente criticado e caiu por terra, de
forma que hoje nenhuma pessoa que tenha tido o privilégio de estudar ciências
argumenta em favor daquelas ideias. Mesmo as observações cotidianas conduzem um
indivíduo atento à conclusão de que os organismos sofrem modificações ao longo
do tempo. Cientistas e estudantes sérios, simpatizantes do criacionismo
bíblico, reconhecem estas variações e jamais argumentariam contra este fato,
uma vez que, além de verificarem o fenômeno da variação em seus estudos, a
própria Bíblia nos permite chegar a conclusões sobre a variação dos organismos
inicialmente criados por Deus (pena que isto não seja entendido por alguns teólogos
em nossos dias). Contudo, dentro do modelo criacionista, estas variações têm um
limite que abrangem, em alguns casos, desde o taxon Espécie até o taxon Ordem.
A mídia, no entanto, com o intuito de desmoralizar
o modelo criacionista e expor seus simpatizantes ao ridículo, tem procurado
associar o criacionismo ao fixismo, o que é absurdo! Não se pode negar que
alguns indivíduos pertencentes àquele primeiro grupo que eu mencionei no início
realmente argumentem em favor do fixismo, mas é preciso lembrar que se trata de
pessoas que não possuem formação científica. Vincular nos meios de comunicação
que todo criacionista é fixista é no mínimo desonesto.
Também é possível mencionar o pontuísmo ou Teoria
dos Equilíbrios Pontuados, uma argumentação proposta por Stephen Jay Gould e
Niles Eldredge, na tentativa de explicar o aparecimento abrupto de novas
espécies, no registro fóssil, que permanecem praticamente sem nenhuma alteração
até a sua extinção, o que em princípio contrariava a evolução defendida por
Darwin. Para maiores detalhes, indico o amplo livro de Gould The Structure of
Evolutionary Theory, recentemente lançado.
Já o gradualismo, resumidamente, é aplicado pelos
simpatizantes da teoria da evolução que defendem a mudança nos organismos
através da acumulação de pequenas modificações ao longo de várias gerações,
durante intervalos de tempo incomensuráveis, o que é incompatível com os dados
obtidos da observação e da experimentação.
Afirma-se
que o criacionismo, embora efetivamente possa ser considerado uma teoria, não
poderia ser considerado teoria científica por não ser "falseável",
pelos critérios de Karl Popper. Como o senhor avalia essa observação?
Aqui estão em jogo muitos critérios, definições e
conceitos que conduzem a controvérsia entre criacionismo e evolucionismo para o
campo da Filosofia. Vejamos a definição mais aceita daquilo que seja uma
"teoria científica", segundo o próprio Karl Popper: Uma teoria
científica é um modelo matemático que descreve e codifica as observações que
fazemos. Assim, uma boa teoria deverá descrever uma vasta série de fenômenos
com base em alguns postulados simples, como também deverá ser capaz de fazer
previsões claras, as quais poderão ser testadas.
O criacionismo não preenche os critérios definidos
por Popper, ou seja: diante do exposto, o criacionismo não passa nem perto de
ser uma teoria científica! Porém, pode ser qualificado como um bom modelo, que
em muitos pontos é sustentado pelas evidências científicas de que dispomos até
o momento.
Em meu ponto de vista (que compartilho com muitos
cientistas e pesquisadores simpatizantes do criacionismo bíblico), não vejo o
criacionismo nem mesmo como uma teoria. Prefiro vê-lo como um modelo, uma vez
que muitos postulados dentro do criacionismo não podem ser submetidos ao método
científico (da mesma forma que os postulados do evolucionismo). Para
exemplificar, lembremo-nos de dois "passos" importantes integrantes
do método científico: observação e experimentação. Não podemos observar Deus
criando a vida, nem se pode realizar um experimento em que, ao fim da análise
dos dados obtidos, chegue-se à conclusão de que Deus existe ou não existe.
Acontece que muitos pontos dentro das teorias
evolucionistas enfrentam a mesma dificuldade! Não é possível regredir no tempo
e observar o surgimento espontâneo da vida, da mesma forma que não é possível
reproduzir a extinção dos dinossauros. Alguns pontos no evolucionismo são
reproduzíveis, apresentam uma modelagem matemática e é possível fazer boas
previsões com eles, levando, assim, a uma boa teoria científica. Porém, estes
pontos estão circunscritos àquele mesmo limite de variação mencionado
anteriormente, limitando-se desde o taxon Espécie até, em alguns casos, ao
taxon Ordem. Argumentações versando sobre modificações em taxa superiores
(entre os taxa Ordem e Reino), na visão de um cientista criacionista, além de
não se enquadrarem na definição de Popper, são extrapolações daqueles pontos
situados no limite de variação citado acima. As teorias evolucionistas versando
sobre estas modificações, a meu ver (e de muitos cientistas criacionistas),
seriam mais bem definidas como modelo.
Aqui é importante ressaltar que, mesmo que algo não
seja considerado "teoria científica", continua sendo válido o debate
e o confronto de ideias. Há vários exemplos de modelos que foram amplamente
debatidos no passado e foram sendo aperfeiçoados até se tornarem boas teorias
científicas. O contrário também é verdadeiro. Uma teoria já estabelecida
precisa ser debatida, criticada e revista. Há vários exemplos de teorias que receberam
o status de "científicas" e, após algum tempo, precisaram ser
ampliadas ou mesmo reescritas. Um exemplo bem recente, ilustrativo deste tipo
de situação, e que infelizmente foi divulgado em nosso país pela grande mídia,
é o evento de julho de 2008 na cidade de Altenberg, na Áustria, quando
estiveram reunidos 16 categorizados pesquisadores da área de Ciências
Biológicas para propor uma "nova teoria evolutiva". E o que chama
bastante a atenção nesta teoria é que ela não será selecionista! Em outras palavras,
a nova teoria evolutiva não terá como um dos principais mecanismos propelentes
da evolução das espécies a chamada "seleção natural"! Isto é muito
importante para os estudantes de Ciências Biológicas, para os interessados na
controvérsia entre criacionismo e evolucionismo e para o público em geral que
tenha interesse em assuntos científicos.
Qual a
relação entre Criacionismo e Design Inteligente?
Como mencionado anteriormente, o criacionismo
(discorro sobre o criacionismo bíblico) utiliza conhecimento científico,
buscando associá-lo à integridade do texto bíblico, visando a construção de um
modelo coerente tanto com os fatos que ocorrem na natureza, transformados em
conhecimento científico, quanto com o relato bíblico. Para o criacionista, a
Bíblia e a natureza constituem revelações de (e sobre) Deus para o homem, e a
ciência é o instrumento pelo qual buscamos conhecer a respeito da natureza
criada por nosso criador.
No tocante ao Design Inteligente (DI), questões
referentes a qualquer tipo de expressão religiosa ou contida em qualquer
escrito considerado sagrado são excluídas das argumentações de seus
simpatizantes. O DI, ao contrário do criacionismo, reivindica o status de
teoria científica, sendo que os propelentes deste movimento já publicaram trabalhos
versando sobre o assunto em numerosos periódicos, ocasiões nas quais seus
críticos logo buscaram refutar suas argumentações por meio de outras
publicações. Os simpatizantes do DI, numa posição diferente daquela dos
simpatizantes do criacionismo, almejam a inserção de suas teses nos currículos
escolares de nível básico e universitários, levando o debate e as discussões
para dentro da academia.
No tocante à origem da vida, os simpatizantes do DI
argumentam que a mesma não é resultado apenas de causas naturais, mas da ação
de uma entidade inteligente que interveio nos processos naturais. Este agente
inteligente, ao contrário do Deus venerado pelo criacionista bíblico, não é
identificado nas teses do DI, uma vez que não é o seu objeto de estudo.
Contudo, nestes dois distintos conjuntos, há pontos
de intersecção onde tem início uma relação, muito mal interpretada pela mídia.
Alguns simpatizantes do DI acreditam e buscam servir ao mesmo Deus que os
criacionistas. Porém, um número significativo dos propelentes deste movimento é
constituído por agnósticos e mesmo ateus.
Dentro do modelo criacionista, algumas teses
defendidas pelo DI são muito bem vistas e até utilizadas na construção do
modelo, como por exemplo a ideia de complexidade irredutível (segundo a qual há
estruturas biológicas que não poderiam ter evoluído de outras estruturas mais
simples). Outras teses, no entanto, não são bem vistas, como por exemplo a
argumentação em favor da panspermia (que defende a existência de "sementes
de vida" espalhadas pelo universo). Particularmente tenho um bom
relacionamento e um bom diálogo com alguns dos simpatizantes do DI, mas há
criacionistas que são completamente contrários a este tipo de aproximação, e
vice-versa.
Quando a mídia descreve o DI como sendo
criacionismo disfarçado, além de cometer grande desrespeito para com os
integrantes de ambas as correntes, demonstra, pelo menos aos olhos dos
familiarizados com a controvérsia entre criacionismo e evolucionismo, total
ignorância em relação ao assunto. Ao repetir insistentemente este tipo de
raciocínio, fica evidente a total inércia dos repórteres em relação a fazer sua
pesquisa antes de publicar algo sobre um assunto bastante amplo que conhecem
apenas superficialmente, sendo quase sempre unilaterais em relação ao debate.
No início o
senhor afirmou que há pontos da teoria de Darwin que são compatíveis com o
criacionismo. Quais são esses pontos, e como fazer essa compatibilidade?
Darwin fez grandes contribuições ao mundo
científico com suas observações, revolucionando complemente a forma de se
estudar a natureza, após publicar seus trabalhos. Tendo eu formação em Ciências
Biológicas, jamais poderia negar isto. O mesmo acontece com outros
criacionistas que tiveram uma formação em ciências. Junte-se a este fato a
própria definição de criacionismo bíblico e ficará claro que, para que o
criacionismo seja um bom modelo, precisa reconhecer que o evolucionismo é uma
boa teoria!
Essa afirmação causa um certo desconforto aos
simpatizantes do criacionismo que não tiveram formação em ciências. Mas um bom
estudante, um bom pesquisador ou cientista que seja simpatizante do
criacionismo aceita e entende o fato de que as espécies sofrem modificações ao
longo do tempo, de acordo com o ambiente em que se encontram e em função de
diversos outros fatores. Estes profissionais entendem e estudam as mutações e o
poder de transformação que elas carregam, aceitam e estudam a seleção natural
em suas pesquisas, trabalham com programas computacionais que lhes fornecem
dados relativos à flutuação de um dado gene numa certa população, atuam na área
de Química Orgânica e estudam as reações químicas necessárias para o
desenvolvimento e manutenção da vida.
Todos estes pontos e alguns outros fazem parte da
grande contribuição que Darwin deu ao mundo científico; todos eles são
considerados e fazem parte do modelo criacionista. Os palestrantes da SCB
deixam isto evidente no trabalho que vêm realizando em nosso país. Por isto,
quando escritores desprovidos de conhecimento do que realmente é o modelo
criacionista afirmam que as teses defendidas pelos simpatizantes do
criacionismo vão contra o desenvolvimento de vacinas e antibióticos, ou mesmo
contra o desenvolvimento científico, estão sendo desonestos e, permita-me
dizer, jogando sujo!
No entanto, vários cientistas e pesquisadores
simpatizantes do criacionismo, do DI ou mesmo evolucionistas enxergam problemas
com a abrangência das teorias evolucionistas.
E quais são
as principais falhas que o criacionismo aponta nas teorias de Darwin?
Apesar de ter contribuído de forma muito
significativa com o conhecimento científico, as ideias desenvolvidas por Darwin
eram, em sua grande maioria, restritas ao conhecimento que os biólogos tinham
em seu tempo. Ao longo dos anos, novas tecnologias possibilitaram aos
cientistas adquirir novos conhecimentos, como aconteceu com o advento dos
microscópios de alta resolução, que permitiram um olhar muito mais preciso para
as células que constituem os organismos vivos. Informações advindas de campos
de estudos recentes, como a Bioquímica, a Genética e a Biologia Molecular,
deixaram claro aos cientistas que a teoria da evolução, como proposta
inicialmente por Darwin, carecia de ajustes. Em resposta a este anseio surgiu o
Neodarwinismo. Desta forma, não apenas os simpatizantes do criacionismo têm
feito críticas às teorias de Darwin.
Contudo, as teorias da evolução como são
apresentadas hoje, aos olhos não apenas dos simpatizantes do criacionismo, mas
também aos de muitos evolucionistas, ainda apresentam pontos que não são
corroborados pelo conhecimento científico que temos. Apesar disto, esses pontos
são propagados e ensinados em escolas de nível básico e universidades quase de
forma doutrinária, tanto que alunos, professores e pesquisadores que façam
críticas e considerações sobre estes pontos são literalmente ridicularizados!
Por exemplo, dentro das teorias evolucionistas
ainda não há uma explicação satisfatória para a origem da vida.
Independentemente da abordagem que seja feita, todas as explicações dadas
apresentam inconsistências com aquilo que já é bem estabelecido na Química, na
Estatística, na Teoria de Probabilidades, na Termodinâmica ou em muitos outros
campos do conhecimento. Não há dúvida de que moléculas de RNAs apresentam
atividades catalíticas; ou que ácidos graxos originam micelas (estruturas que
supostamente teriam originado as membranas celulares, como aceito por muitos
pesquisadores) sob certas condições; ou ainda, que seja possível obter
compostos orgânicos a partir de matéria orgânica. As falhas apontadas nestas
abordagens, entretanto, vão além destas questões já bem conhecidas. Não tenho
como adentrar aqui em questões técnicas a este respeito, mas qualquer estudante
ou pesquisador interessado neste campo de estudo e que se disponha a fazer uma
pesquisa nas publicações sobre o assunto reconhecerá o que digo acima. Apesar
disto, os livros didáticos que abordam este assunto não mencionam estes pontos;
muito pelo contrário, transmitem a ideia de que esta é uma dificuldade superada
pelas teorias evolucionistas. Dada a superficialidade com que a origem da vida
é tratada nesses livros, aliada ao desinteresse por parte dos acadêmicos em se
aprofundar mais nessa questão, os mesmos são facilmente convencidos desta
"verdade".
Além disso, tempo é um fator fundamental para que
as teorias evolucionistas façam algum sentido, uma vez que os dados de que
dispomos sobre mudanças que observamos em organismos com ciclo de
desenvolvimento muito rápido (como as bactérias) somente serão coerentes quando
extrapolados para organismos pluricelulares, supondo períodos de tempo
demasiadamente longos. Corroborando estas suposições, idades obtidas a partir
de datações radiométricas são apresentadas como "prova irrefutável"
da longa história do desenvolvimento da vida em nosso planeta. Também é constantemente
veiculado pelos meios de comunicação, divulgado em livros e periódicos e
apresentado como fato nas aulas de Ciências que as datações radiométricas são
inquestionáveis, não havendo nenhum real problema com os pressupostos assumidos
para que o método funcione. Mas qualquer análise das publicações a esse
respeito constatará que há sérios questionamentos de eminentes cientistas com
relação aos pressupostos mencionados acima! Como exemplo, posso garantir que há
uma quantidade significativa de trabalhos questionando a constância da taxa de
decaimento radioativo de alguns elementos químicos, levando em conta a
influência do entorno químico nas taxas de decaimento, a influência da
profundidade, da pressão e da temperatura nas taxas de desintegração de
diversos isótopos radioativos, dentre outros itens. Estes fatos deveriam
alertar as pessoas para terem cautela diante de um assunto relativamente
recente como a datação radiométrica.
Mencionei anteriormente que o criacionismo e alguns
pontos dentro das teorias da evolução apresentam compatibilidade. Esta
intersecção abrange aquilo que realmente é comprovado, ou seja, mudanças
(variações) abrangendo do taxon Espécie ao taxon Ordem. Argumentos em favor de
mudanças ao nível de taxa superiores a Ordem (saltos evolutivos) são
extrapolações daquilo que é possível verificar no estudo da natureza. Estas
questões conduzem ao estudo de diferentes campos do conhecimento, dentre eles o
do registro fóssil, no qual há uma gama de questões não esclarecidas, dados mal
interpretados e incertezas propagadas e divulgadas como verdadeiramente
compreendidas. Para exemplificar, vários artigos questionam os princípios da
estratificação e da sedimentologia, os quais são fundamentais para a crença na
qual, numa dada formação geológica, as rochas inferiores teriam sido formadas
primeiro, sendo assim mais antigas que as rochas superiores.
É freqüentemente divulgado pela mídia e
"pregado" por muitos professores nas universidades que os
simpatizantes do criacionismo atribuem todas as coisas aparentemente
inexplicáveis à ação de Deus ou qualquer outra entidade sobrenatural, sendo contra
qualquer tipo de pesquisa que busque uma explicação natural para os fatos. Isto
consiste uma grande inverdade e uma enorme desonestidade, uma vez, que além de
não darem oportunidade para uma contra-argumentação, "implantam" na
mente dos estudantes uma visão totalmente distorcida do criacionismo.
Sem dúvida alguma atribuímos a Deus toda a criação
e complexidade observada no universo e nos seres vivos. Contudo, investigar a
natureza e fazer ciência é uma instrução deixada pelo próprio Deus a todos os
seres dotados de inteligência. Ao observar um fato que aparentemente se oponha
às teses que se acredita estarem corretas, um pesquisador criacionista
simplesmente não fecha os olhos ou procura distorcer os fatos para
"encaixar" a realidade em sua visão de mundo. Uma prova disto é que
temos grandes cientistas criacionistas em importantes universidades no Brasil e
no mundo.
Como ilustração há a seguinte situação: nas teorias
da evolução o oxigênio teria surgido na Terra em um tempo consideravelmente
tardio, após o surgimento do primeiro organismo vivo. No modelo criacionista, a
vida teria surgido num ambiente já rico em oxigênio. Uma análise das rochas
classificadas como pré-cambrianas e datadas como as mais antigas do planeta
indica a presença de íons ferrosos (menor estado de oxidação para este
elemento), ao passo que rochas datadas como sendo mais recentes apresentam um
conteúdo significativo de íons férricos (maior estado de oxidação para o
ferro). Estes fatos, a princípio, corroboram as teorias evolucionistas e não o modelo
criacionista. Um estudante de ciências ou um cientista criacionista jamais
ignoraria este fato, mas buscaria estudá-lo, buscaria respostas na natureza
(utilizando também a Bíblia como fonte de informação) e por fim, como qualquer
pesquisador faz em seus modelos, poderia sustentá-lo ou modificá-lo, conforme
os resultados obtidos em seu estudo. Criacionistas que atuam no meio científico
não são menos curiosos que cientistas evolucionistas (ou vice-versa), como fica
evidente na contribuição dada por criacionistas para o desenvolvimento da
ciência até o patamar em que a encontramos hoje.
Como o
criacionismo avalia a teoria do Big Bang?
Mesmo entre cientistas evolucionistas a teoria de
uma grande explosão inicial é muito discutida, contestada e ainda não há um
consenso sobre o assunto. A teoria do Big Bang é muito controversa também entre
os simpatizantes do criacionismo. Alguns físicos criacionistas que atuam na
área de Cosmologia associam esta teoria à criação feita por Deus de modo muito
defensável, o que, entretanto, deixa alguns criacionistas que não têm formação
nesta área um tanto quanto indecisos.
Em um
domingo de dezembro, o caderno Aliás, de O Estado de S. Paulo, trouxe uma
matéria sobre o criacionismo na escola e uma legenda de foto afirmava que, para
os criacionistas, homens conviveram com dinossauros. Isso é verdade?
Este tipo de afirmação reflete a ignorância (ou a
tentativa de denegrir a imagem dos simpatizantes do modelo criacionista) por
parte de muitos articulistas quanto ao que é criacionismo e quais as teses
propostas por este modelo. Todos os criacionistas que estudaram ciências também
estudaram as teorias evolucionistas, as quais afirmam que o ser humano e os
dinossauros viveram em épocas diferentes. Porém, este é um ponto que não
pertence àquela intersecção entre as idéias evolucionistas e o criacionismo.
A idéia de que grandes répteis e o ser humano
viveram em épocas distintas tem origem em diversos fatos. Por exemplo, as
idades (fornecidas pelas datações radiométricas) das rochas contendo fósseis de
dinossauros são muito mais antigas que as idades das rochas contendo fósseis
humanos; e, também, fósseis de dinossauros sempre são encontrados em camadas
sedimentares inferiores (mais abaixo) em relação às camadas sedimentares (mais
acima) nas quais são encontrados fósseis de seres humanos.
Acontece que, conforme mencionado anteriormente, há
uma quantidade significativa de trabalhos versando sobre diversos problemas
existentes com os pressupostos necessariamente assumidos para que os métodos de
datação radiométrica indiquem realmente idades cronológicas e não "idades
radioativas". Em função disto, os valores obtidos por meio dos diversos
métodos de datação radiométrica, no modelo criacionista, indicam apenas uma
relação entre elementos pais e filhos, não sendo interpretados por seus
simpatizantes necessariamente como idades cronológicas. Além disto, como também
mencionado acima, há vários trabalhos contestando as ideias de que, numa dada
formação geológica, as rochas inferiores seriam sempre mais antigas que as
rochas superiores. Estas informações, associadas a outras advindas de diversas
áreas do conhecimento, permitem que os simpatizantes do modelo criacionista
construam um modelo diferente daquele que é convencionalmente ensinado como
verdade inquestionável nas escolas e universidades. Este modelo, no entanto,
apresenta suas falhas e precisa ser melhorado como qualquer outro modelo
construído no âmbito científico.
Não obstante, há vários fatos observáveis que
apoiam a ideia de que seres humanos e dinossauros foram contemporâneos,
conforme o relato bíblico nos informa. Se a expressão "conviveram" na
referida matéria transmite a ideia de contemporaneidade, eles acertaram neste
aspecto; contudo, dentro do modelo criacionista propomos que dinossauros e
homens foram contemporâneos, mas habitavam diferentes ecossistemas, de modo
que, naquele período, deveria haver um zoneamento ecológico que inviabilizaria
qualquer contato entre ambos que, por exemplo, pudesse lembrar o estilo de vida
dos Flintstones. A disposição de fósseis nas rochas sedimentares é um fato
inquestionável. Considerar que dinossauros e seres humanos eram ou não
contemporâneos é uma interpretação daquele fato. O que se deve fazer é
verificar se as informações disponíveis e o conhecimento que temos, advindo das
diversas áreas acadêmicas, sustentam esta ou aquela interpretação.
Diferentemente daquilo que vem sendo amplamente
difundido pela mídia em geral, os simpatizantes do modelo criacionista não são
pessoas ignorantes, desprovidas de conhecimento científico e que fecham os
olhos para as últimas descobertas científicas. O modelo criacionista foi e está
sendo construído por estudantes, professores, pesquisadores e cientistas
atuando em diferentes áreas do conhecimento.
Diante das
inconsistências apontadas pelo senhor na teoria evolucionista, o criacionismo
também deveria ter espaço nas escolas?
Conhecedores da laicidade de nosso Estado, os
simpatizantes do criacionismo bíblico que estejam realmente familiarizados com
a questão não argumentam em favor da inserção do criacionismo nos currículos
escolares e universitários nas escolas públicas, uma vez que, como discorrido
acima, o criacionismo não é uma teoria científica e está associado ao
conhecimento religioso.
A SCB, por meio de seu presidente, também se
manifesta totalmente contra o ensino do criacionismo nas escolas e
universidades públicas. Além da questão da laicidade do Estado, temos a
escassez de profissionais devidamente versados em criacionismo bíblico advindos
de nossas universidades, pois todos os cursos universitários apresentam em sua
grade curricular propostas para o ensino apenas das teses evolucionistas.
Consequentemente, não há formação de profissionais devidamente conhecedores do
modelo criacionista e muito menos aptos a defender suas teses.
Não existe interesse, ao contrário do que é
divulgado pela mídia, de que as teses defendidas pelo modelo criacionista
substituam a teoria da evolução ensinada nas escolas e universidades; isto é
absurdo! Obviamente, não há nenhuma oposição ao ensino do modelo criacionista
em escolas que se denominam confessionais, uma vez que há abertura
constitucional para isto. Mas as teorias de evolução também devem ser
ensinadas.
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