O APARECIMENTO DE “DEUSES” NA TERRA
Em que criam os primeiros seres humanos que
povoaram o mundo: na existência de um único Deus ou em vários deuses? Para este
tema têm-se voltado centenas de filósofos, etnólogos e historiadores. Ao longo
dos séculos, muitos estudos têm sido feitos para se saber que idéia influenciou
primeiro as populações primitivas: Se o monoteísmo (ou seja, a crença na
existência de um único Deus), ou se o politeísmo (a crença na existência de
vários deuses).
O curioso é que, estando incluído entre os
pensadores que têm debatido sobre este assunto, o filósofo francêsVoltaire,
apesar de sempre ter-se mostrado propenso a apegar-se a idéias anarquistas e
antibíblicas, acreditava plenamente que a forma originária de crença do ser
humano fora a da existência de um único Deus. "O politeísmo surgiu muito
tempo depois, devido à fraqueza humana", concluiu o famoso escritor.
Ora, o interessante é que a posição da maior parte
dos etnólogos modernos (homens que se dedicam ao estudo das práticas religiosas
e dos costumes dos povos primitivos) diante da questão, é a mesma adotada por
Voltaire. Um exame da Bíblia neste sentido nos mostra também que o que houve na
humanidade foi uma degradação: da crença na existência de um único Deus: os
homens passaram pouco a pouco a cultuar e a crer na existência de vários
deuses.
Por esse motivo, a luta antipoliteísta e
anti-idolátrica marca de ponta a ponta as páginas das Sagradas Escrituras, e o
posicionamento dos que nela deixaram os seus registros inspirados é semelhante
ao conteúdo desta afirmação do profeta Jeremias:
Mas o Senhor Deus é o verdadeiro Deus; ele mesmo é
o Deus vivo, o Rei eterno. Do seu furor treme a terra, e as nações não podem
suportar a sua indignação. Assim lhes direis: esses deuses, que não fizeram os
céus e a terra, desaparecerão da terra e de debaixo deste céu (Jeremias
10:10,11).
DESVIOS DA HUMANIDADE
Em todos os locais onde a cultura humana floresceu,
nos grandes ou pequenos redutos onde foram encontrados monumentos religiosos ou
qualquer outro vestígio de práticas religiosas, tem-se verificado que houve uma
decadência no primitivo sentimento de adoração a Deus. A princípio o homem
considerava a Natureza, e tudo o que nela existe de mais belo, como sinais da
existência de um Deus único, individual, invisível e superior ao mundo. Tudo
anunciava a existência de Deus, mas não era visto como o próprio Deus,
concebido como ser total e essencialmente único. Portanto, a crença na
existência de vários deuses, surgida tempos depois, foi uma degeneração, uma
conseqüência da observação supersticiosa da Natureza, e do temor diante dos
diversos fenômenos e seres nela existentes. Mas foi sobretudo resultado da
inegável atuação das hostes malignas de Satanás.
Portanto, várias circunstâncias contribuíram para
desviar a humanidade, através de séculos e milênios, da crença na existência do
verdadeiro Deus. A medida em que a crença em muitos deuses ia se alastrando
entre os povos, os seres humanos passaram a adorar os ídolos da casa, da tribo,
da cidade, da selva, do reino, da nação, do império. Passou-se a adorar e a
servir a criatura em lugar do Criador, caindo-se na abominável confusão
denunciada muito tempo depois pelo apóstolo Paulo em sua carta aos Romanos:
"Mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram a criatura em
lugar do Criador, que é bendito eternamente" (Romanos 1:25).
DEUSES POR TODA PARTE
Assim, a Terra passou a ser adorada pelas religiões
siro-fenícias, como mãe fecunda de todas as outras divindades; o sol passou a
ser cultuado pelos egípcios, e, tempos depois, pelos japoneses; o céu tornou-se
o deus dos chineses; os persas adoravam o fogo, vendo-o como uma gigantesca ave
do céu com asas de ouro, a travar combates tremendos com os "espíritos da
noite". Inventando deuses e mais deuses, a humanidade foi-se distanciando
cada vez mais da crença original de um único Deus soberano. A água, o vento, a
chuva fertilizadora, o sol, o orvalho, o trovão, o relâmpago, as nuvens, os
animais — tudo, tudo passou a ser divinizado. Conforme comentou o orador
francês Bossuet, "tudo era Deus, menos o próprio Deus".
Ora, mas que Deus é este que o espírito humano há
tantos séculos sabe de sua existência, mas não consegue compreender? Por acaso
ele é o mesmo que os deuses informes dos selvagens, o Phtah dos egípcios, o Bel
dos assírios, o Odin dos escandinavos, o Wotan dos tedescos, o Teutates dos
celtas, o Zyus dos brâmanes, o Zeus dos gregos, o Júpiter dos romanos, o Alá
dos maometanos? Não! "Porque o Senhor é o grande Deus, e grande Rei acima
de todos os deuses", declarou o salmista (Salmo 95:3). E o profeta Isaías
acrescentou: "Assim diz o Senhor, Rei de Israel, e seu Redentor, o Senhor
dos Exércitos: Eu sou o primeiro, e eu sou o último, e fora de mim não há
Deus"(Isaías 44:6). "Eu creio no Deus que criou os homens, e não nos
deuses que os homens criaram", declarou energicamente o escritor francês
Alexis Karr.
ISRAEL E A CRENÇA EM UM ÚNICO DEUS
Diante do aparecimento e da propagação de tantos
deuses no mundo antigo, o puro monoteísmo de Israel, que se apresenta como um
acontecimento absoluto e único na história, superando qualquer explicação
psicológica, cultural ou étnica, é verdadeiramente um milagre. Os estudiosos
têm concluído, admirados, que o fato de a religião de Israel ter reclamado para
si, contra todas as religiões politeístas e mais antigas que ela, a adoração de
um único Deus, está completamente fora das leis que regulam a evolução
histórico-cultural da humanidade; é um fato surpreendente e cientificamente
inexplicável.
Sabe-se, através de vários documentos, que a raça
semita de onde se originou o povo de Israel teve originariamente a noção da
existência de uma "Potência suprema". Por outro lado, os documentos
que nos chegaram provenientes dos antigos povos cananeus revelam que, sob a
influência de outros povos que transitavam na Mesopotâmia, os semitas, com a
única exceção do povo hebreu, se degradaram moralmente e caíram no politeísmo.
"Quem não reconhece a Deus por Senhor, terá que submeter-se a muitos
senhores", diz um antigo provérbio.
Porém, apesar de a mentalidade desses povos, tanto
semitas como de outras raças, entre os quais Israel peregrinava, ter sido
totalmente politeísta, não há nenhum vestígio na Bíblia que mostre ter a
influência dessas nações apagado por completo no coração dos israelitas a fé
monoteísta, desviando-os totalmente da crença em um só Deus. Mesmo quando a
nação caía sob a tentação dos cultos idolatras, a crença no Deus único e
verdadeiro persistia na alma do povo, e era isso o que sempre possibilitava o
arrependimento e o retorno de Israel aos cami-nhos do Senhor.
O DEUS DOS PATRIARCAS E DOS PROFETAS
Essa grandiosa solidão e exclusividade de
sentimento religioso experimentado pelo povo hebreu, verdadeira luz nas trevas,
não se manifestou como uma afirmação ou experiência passageira, nem como
resultado de profundas meditações filosóficas da parte dos líderes do povo. Ela
aconteceu tão somente devido à grandiosa intervenção do Senhor, que
graciosamente elegeu Israel, instruiu-o e revelou-se a ele através de homens
chamados e inspirados pelo seu Santo Espírito: os patriarcas e os profetas. Foi
através desses homens que Deus se manifestou plenamente no meio da nação
israelita, e irradiou fulgores que, sem limites de espaço e de tempo, anunciam
a verdade e a salvação a todos os seres humanos, através de todas as gerações.3
Portanto, por intermédio dos patriarcas e dos
profetas, o povo hebreu foi alcançado pela revelação de um Deus que é o mais
elevado, o mais sublime entre todos os deuses, o único e verdadeiro Deus. A
Bíblia é a história dessa revelação. A glória de Israel é, portanto, a de haver
sido o primeiro, entre todos os povos, a receber a verdadeira idéia de Deus.
Foi o único povo que primeiramente conheceu e professou o monoteísmo puro,
apesar da posterior e forte atração que os seus filhos tiveram para o politeísmo
semítico. Porém, no panorama religioso de todos os tempos, jamais existiu um
monoteísmo tão severo e tão zeloso. Sua história, narrada na Bíblia, não é
outra coisa senão a luta pela supremacia absoluta do único e verdadeiro Deus,
superior aos reis vitoriosos, aos povos poderosos e aos seus deuses.
REVELAÇÃO DE DEUS NO MONTE HOREBE
Moisés havia levado o rebanho de ovelhas do seu
sogro Jetro para o lado ocidental do deserto, até chegar aos pés do monte de
Deus, o Horebe. Subitamente, o resplendor de uma sarça em chamas no alto do
monte despertou a atenção do patriarca, e ele resolveu subir para ver de perto
aquela maravilha — o fogo queimava, mas a sarça não se consumia! Ao
aproximar-se, uma voz misteriosa e sublime elevou-se de dentro das chamas:
Moisés, Moisés, não te chegues para cá; tira as
sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa. Eu sou o Deus de
teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó (Êxodo 3:1-6).
Após declarar que vira o sofrimento do seu povo sob
a opressão dos egípcios, o Senhor fez saber a Moisés que o encarregara de
libertar a nação escolhida. Temeroso, o genro de Jetro quis saber qual era o
nome próprio de Deus, nome que lhe serviria para justificar a autoridade
daquela missão. E o Senhor lhe respondeu: "EU SOU O QUE SOU... Assim dirás
aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós outros".
Diante desta revelação, religião alguma alcança
semelhante sublimidade! É difícil explicar o que a conquista dessa tão alta
idéia da natureza de Deus representa para o povo hebreu, 13 séculos antes do
aparecimento do Cristianismo.
Porém, haveria no povo de Israel algum mérito
especial que tivesse determinado sua eleição por parte do Senhor? Não. Para
eleger, Deus não depende das súplicas humanas, nem das qualidades morais que um
homem ou um povo por acaso possua. Essa eleição depende tão-somente do seu amor
e da sua fidelidade:
O Senhor não se afeiçoou de vós, e vos escolheu por
serdes mais numerosos do que todos os outros povos, pois éreis menos em número
do que todos os povos. Mas porque o Senhor vos amava, e para guardar o
juramento que fizera a vossos pais, o Senhor vos tirou com mão forte, e vos
resgatou da casa da servidão, da mão de Faraó, rei do Egito (Deuteronômio 7:7,
8).
Esse amor misterioso do Pai celestial é
absolutamente livre: não está sujeito aos critérios humanos de julgamento.
Essa eleição é recíproca. Da mesma forma como Deus
escolhe seus fiéis no meio da multidão de homens, assim também os eleitos devem
escolher a Deus, excluindo totalmente os falsos deuses. Esta reciprocidade, em
que está encerrado todo o insondável mistério do amor divino e do regresso do
pecador ao seio do Sumo Bem, é simbolizada e expressada como "pacto"
ou "aliança": "Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a
tua descendência depois de ti em suas gerações, como aliança perpétua, para ser
o teu Deus, e da tua descendência depois de ti" (Gênesis 17:7). Abraão
reconheceu o Altíssimo, o Deus do Céu e da Criação, e só a ele dedicou o seu
culto. E Deus honrou a fé e a integridade do seu servo.
NÃO NOS É LÍCITO REPRESENTAR A DEUS
Portanto, além de haver inundado a Natureza e a
consciência coletiva e individual de todos os povos com as provas de sua
existência, Deus elegeu um povo e revelou-se a ele de forma especial, para,
através desse povo, abençoar todas as nações da Terra, estabelecendo assim um
caminho de salvação que conduz a Cristo, o Salvador da humanidade, surgido em
meio à confusão que os falsos deuses haviam causado.
"No evangelho de Jesus se consuma com
perfeição a aspiração de tornar racional e de humanizar a idéia de Deus, que
palpitava já desde os tempos mais remotos da tradição israelita, sobretudo nos
profetas e nos salmos, e que enriquecera e engrandecera o sentimento do
sagrado... Assim, chegou-se à forma insuperável da crença em Deus Pai, tal como
existe no Cristianismo, com Jesus Cristo", comentou oportunamente o
escritor alemão Rudolf Otto.
Além de combater o politeísmo (a idéia da
existência de outros deuses), a Bíblia também combate a idolatria (culto
prestado a ídolos, geralmente representados por imagens de escultura dos falsos
deuses ou do verdadeiro Deus):"Não farás para ti imagem de escultura, nem
semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas
águas debaixo da terra. Não te encurvarás a elas nem a elas servirás; pois eu,
o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso..." (Êxodo 20:4, 5). Porém, não podendo
vê-lo pessoalmente, e sentindo-se irresistivelmente atraído pela curiosidade de
saber "como ele é", o ser humano sempre carregou dentro de si um
imenso desejo de representar a Deus através de figuras e símbolos.
A Bíblia combate esse desejo idolatra, por ele ser
a negação da unidade e da transcendente invisibilidade de Deus. Além disso, a
idolatria é uma tentativa de rebaixar o Criador à condição de uma obra feita
por homens. O Ser Eterno e Supremo, origem da Vida, ficaria reduzido a um
pedaço de madeira ou pedra inanimados, simples produto fabricado pelas mãos de
um artífice. E isto sempre foi um ultraje, uma abominação à sua santa, digna e
perfeitíssima Pessoa.
O culto das imagens de Deus, entre o povo de
Israel, sempre constituiu-se em gravíssima transgressão da "aliança":
"Guardai-vos de vos esquecer da aliança que o Senhor vosso Deus fez
convosco, fazendo alguma imagem de escultura, figura de alguma coisa que o
Senhor vosso Deus vos proibiu" (Deuteronômio 4:23). Só em Jesus Cristo a
humanidade encontra a única representação verdadeira e completa de Deus. Ele
está revelado nas páginas da Bíblia, e se revela dentro de nós. Em Jesus, temos
Deus humanamente revelado, pois ele "é o resplendor da sua glória, e a
expressa imagem da sua pessoa" (Hebreus 1:3). E foi o próprio Jesus quem
disse que "Deus é espírito, e importa que os que o adoram o adorem em
espírito e em verdade" (João 4:24).
UM SÓ DEUS, E NÃO VÁRIOS DEUSES
"Temos deuses demais para serem
verdadeiros", disse certa vez um antigo politeísta, desconfiado e
incrédulo diante da adoração de tantos deuses. Ora, as mitologias antigas, as histórias
lendárias dos primeiros povos mostravam o mundo sacudido e visitado por
milhares de deuses, em sua maioria inimigos dos homens e inimigos uns dos
outros, que se destronavam, que se digladiavam, que se despedaçavam. Porém, à
medida em que as pessoas foram reaprendendo a observar o mundo, notaram que a
Natureza tem as suas leis, e essas leis são fixas. O Universo pareceu-lhes
então uma obra-prima, criado e governado por um ser dotado de infinita
sabedoria. A Bíblia foi a principal responsável por essa concepção da soberana
posição de Deus diante de todas as coisas. A mensagem que ela trouxe aos homens
(inicialmente aos judeus, e depois ao mundo todo) abalou as bases da crença
politeísta.
Portanto, as fictícias narrações de guerras
ocorridas entre os deuses mitológicos passaram a impressionar cada vez menos o
ser humano. A atuação e a existência desses deuses seriam confirmadas se o sol
interrompesse o seu deslizar cotidiano no céu, se os astros se chocassem uns
com os outros, se os rios corressem para as nascentes, se os mares e oceanos
avançassem e cobrissem toda a Terra. Mas nada disso era visto. Ora, por acaso
não haveria motivos para se pensar que existe um só Deus, que estabeleceu leis
fixas e as mantém? Sim, pois se existissem muitos deuses, todos os dias os
homens contemplariam o resultado de suas vontades em discórdia, a confusão
estaria estabelecida no mundo, e os fenômenos da Natureza seriam irregulares e
descontrolados: Porque assim diz o Senhor que criou os céus, o único Deus, que
formou a terra, que a fez e a estabeleceu; que não a fez para ser um caos, mas
para ser habitada: Eu sou o Senhor e não há outro (Isaías 45:18. ARA).
Portanto, além de ter-se revelado na consciência
coletiva dos povos, na natureza e na consciência de cada indivíduo, Deus
revelou-se na Bíblia, destronando os falsos deuses. Através das Sagradas
Escrituras, a humanidade tem recebido o testemunho da existência do Deus único
e verdadeiro, que é Rei, Pai e Criador dos céus e da Terra. Ele opera
maravilhas entre os homens e detém em suas mãos o domínio do Universo. "Surgem
e se vão novas formas, novas circunstâncias históricas e sociais, mas sempre e
sempre, atrás e por debaixo delas todas, está a revelação de um Deus que não
muda e que é eterno", escreveu o apologista Allan Richardson.
BIBLIOGRAFIA
1. Segundo citação de Jean Claude Barreau, in Quem
é Deus. Tradução de Almir Ribeiro Guimarães, Petrópolis, Vozes, 1971, p. 59.
2. J. Pantaleão dos Santos. Op. Cit. p. 127.
3. O leitor poderá encontrar uma excelente análise
do relacionamento de Deus com o povo de Israel e com o Homem como indivíduo no
livro de Martin Buber: Eu e Tu. Traduzido do alemão por Newton Aquiles von
Zuben, São Paulo, Cortez e Morais, 1977, 170 páginas.
4. Rudolff Otto. Lo Santo, Io Racional y Io
Irracional em Ia Idéia de Dios. Traduzido do alemão por Fernando Vera. Madri,
Revista de Occidente, 1925, p. 110.
5. Allan Richardson. Apologética Cristã. 2- edição,
Tradução de Waldemar W. Wey, Rio de Janeiro, JUERP, 1978, p. 68.
Fonte:
"Provas da Existência de Deus"; Jefferson
Magno Costa; editora Vida; pg.45-53.
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