Tradução: Marcelo N. Motta
Pergunta:
Dr. Craig,
Obrigado por sua ajuda em tudo que você faz para
mostrar a verdade que está em Cristo.
Na verdade eu só tenho uma pergunta, e, para ser
franco, ela me frustra inúmeras vezes. Acontece quase todas as vezes que eu
debato cristianismo com alguém.
A pergunta, “Jesus é um mito copiado ou uma pessoal
real?” é a fonte de objeção que eu recebo a maioria das vezes. Eles listam
todas as similaridades entre Jesus e outros deuses e constelações mitológicas e
dizem “Vê como são parecidos?”
Parece que não importa como eu refuto certa
similaridade entre Cristo e outra crença mitológica, eles não levam muito a
sério o que digo, porque respondem que “eu tenho trabalhado muito duro para
salvar minha religião.”
Esses argumentos são sólidos? Eles sequer são
debatidos nos altos níveis acadêmicos ainda?
Eu realmente gostaria de saber sua visão nesse
ponto, pois continuo trombando nisso e francamente estou cansado de tentar
refutar cada similaridade.
Obrigado por tudo que você tem feito. Eu já fui um
ateu, mas o argumento a favor de valores e deveres morais objetivos foi o que
me levou a Cristo.
Kevin
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Dr. William Lane Craig responde:
O falecido Robert Funk, fundador do radical
Seminário Jesus, reclamava amargamente do abismo que existe entre os principais
estudos e as crenças populares sobre Jesus. Funk pensava principalmente sobre a
distância entre o pietismo popular e o conhecimento histórico sobre Jesus; mas
em lugar algum o abismo é tão grande como entre a irreligiosidade popular e os
estudos sobre o Jesus histórico.
O movimento do Pensamento Livre, que alimenta a
objeção popular que as crenças cristãs sobre Jesus são derivadas da mitologia
pagã, está empacado entre os estudos do final do século XIX. De certa forma
isso é impressionante, já que existem muitos estudiosos contemporâneos céticos,
como os do Seminário Jesus, cuja obra os livre pensadores poderiam utilizar a
fim de justificar seu ceticismo sobre a compreensão tradicional de Jesus. Mas
isso só serve para mostrar como esses popularizadores não têm contato com o
trabalho de estudiosos sobre Jesus. Eles estão um século desatualizados.
Voltando à época da chamada escola de História de
Religiões, estudiosos em religiões comparadas encontraram paralelos a crenças
cristãs em outras religiões, e alguns pensaram em explicar que essas crenças
(incluindo a na ressurreição de Jesus) foram influenciadas por esses mitos.
Hoje, no entanto, raramente algum estudioso pensa em mitos como uma categoria
importante para se interpretar os Evangelhos. Os estudiosos perceberam que a
mitologia pagã é simplesmente o contexto interpretativo errado para se
compreender Jesus de Nazaré.
Craig Evans chama essa mudança de o “Eclipse da
Mitologia” na pesquisa sobre a vida de Jesus (veja seu artigo excelente
“Life-of-Jesus Research and the Eclipse of Mythology,” Thelogical Studies 54
[1993]: 3-36). James D. G. Dunn começa assim seu artigo sobre “Mitos” no
Dicionário de Jesus e dos Evangelhos (IVP, 1993) com a clara rejeição, “Mito é
um termo de, pelo menos, relevância duvidosa para o estudo de Jesus e dos
Evangelhos."
Algumas vezes essa mudança é referida como a
“rejudaização de Jesus.” Pois Jesus e seus discípulos eram judeus do primeiro
século, e é contra esse pano de fundo que devem ser compreendidos. A
rejudaização de Jesus tem ajudado a tornar injustificado qualquer compreensão
do retrato dEle nos Evangelhos como influenciado significativamente pela
mitologia.
Essa mudança é proferida em relação à historicidade
dos milagres e exorcismos de Jesus. Estudiosos contemporâneos podem não estar
mais preparados para acreditar no caráter sobrenatural dos milagres e
exorcismos de Jesus do que os estudiosos de gerações anteriores. Mas eles não
estão mais dispostos a atribuir essas histórias à influência dos mitos gregos
do homem-divino (theios aner). Antes, os milagres e exorcismos de Jesus devem
ser interpretados no contexto das crenças e práticas judaicas do primeiro
século. O estudioso judeu Geza Vermes, por exemplo, tem chamado a atenção aos
ministérios dos realizadores de milagres e/ou exorcistas carismáticos Honi “o
desenhista de círculos” (primeiro séc. a.C.) e Hanina ben Dosa (primeiro séc.
d.C.) e interpreta Jesus de Nazaré como um judeu hassídico ou um santo. Hoje o
consenso dos estudos sustenta que a realização de milagres e exorcismos
(apoiando a questão de seu caráter sobrenatural) pertence, sem sombra de
dúvida, a qualquer reconstrução historicamente aceitável do ministério de
Jesus.
O colapso da antiga escola da História de Religiões
ocorreu por principalmente dois motivos. Primeiro, estudiosos perceberam que os
paralelos alegados eram ilegítimos. O mundo antigo era um lugar cheio de mitos
de deuses e heróis. Estudos comparativos na religião e literatura requerem
sensibilidade às suas similaridades e diferenças, ou o resultado será
inevitavelmente distorção e confusão. Infelizmente, aqueles que apresentaram
paralelos às crenças cristãs falharam em exercer essa sensibilidade. Veja, por
exemplo, a história do nascimento virginal, ou, mais precisamente, a concepção
virginal de Jesus.
Os paralelos pagãos alegados a essa história são
sobre lendas de deuses que se materializaram e tiveram relações sexuais com
mulheres humanas para gerar uma prole humano-divina (como Hércules). Assim como
esta, essas histórias são exatamente o contrário dos relatos dos Evangelhos,
nos quais Maria concebeu Jesus sem ter tido nenhuma relação sexual. As
histórias dos Evangelhos sobre a concepção virginal de Jesus são, na verdade,
únicas no Oriente Próximo antigo.
Ou considere o evento dos Evangelhos que eu acho
mais interessante: a ressurreição de Jesus dentre os mortos. Muitas das
alegadas similaridades a esse evento são na verdade histórias apoteóticas, a
divinização e assunção do herói ao céu (Hércules, Rômulo). Outras são sobre
desaparecimentos, afirmando que o herói foi-se para um plano superior (Apolônio
de Tiana, Empédocles). Outras ainda são símbolos sazonais do ciclo das
colheitas, conforme a vegetação morre na estação seca e volta à vida na estação
chuvosa (Tamuz, Osíris, Adônis). Algumas são expressões políticas de adoração
aos imperadores (Júlio César, César Augusto). Nenhuma delas é similar à idéia
judaica de ressurreição dos mortos. David Aune, especialista em literatura
comparada do antigo Oriente Próximo, conclui, “nenhum paralelo a elas
[tradições da ressurreição] é encontrado nos escritos greco-romanos” (“The
Genre of the Gospels,” em Gospel Perspectives II, ed. R. T. France and David
Wenham [Sheffield: JSOT Press, 1981], pg 48).
Na verdade, a maioria dos estudiosos chegaram a
duvidar se, apropriadamente falando, houve realmente algum mito de deuses que
morriam e ressurgiam! No mito de Osíris, um dos mitos sazonais mais conhecidos,
ele nem chega a voltar à vida, mas simplesmente continua a existir exilado no
sub-mundo. Numa revisão recente da evidência, T. N. D. Mettinger informa: “A
partir da década de 30… um consenso se desenvolveu ao significado que os
deuses, “que morriam e ressurgiam”, morreram, mas não voltaram a viver
novamente… Aqueles que continuam a pensar diferente são vistos como
sobreviventes de uma espécie quase extinta.” (Tryggve N. D. Mettinger, The
Riddle of Resurrection: “Dying and Rising Gods” in the Ancient Near East
[Stockholm, Sweden: Almquist & Wiksell International, 2001], pg 4, 7).
O próprio Mettinger acredita que mitos de deuses
que morriam e ressurgiam existiram nos casos de Dumuzi, Baal e Melqart; mas
reconhece que tais símbolos são bem diferentes da antiga crença cristã na
ressurreição de Jesus:
“Os deuses que morriam e ressurgiam estavam muito
ligados ao ciclo sazonal. Sua morte e retorno eram vistos como refletidas nas
mudanças nas plantas. A morte e ressurreição de Jesus é um evento único, não se
repete, e não está ligado às mudanças sazonais… Não existe, pelo o que eu sei,
nenhuma evidência clara que a morte e ressurreição de Jesus são uma construção
mitológica, baseada nos mitos e ritos dos deuses sazonais das nações vizinhas.
Enquanto for estudada com proveito contra o pano de fundo da crença da
ressurreição judaica, a fé na morte e ressurreição de Jesus mantém seu caráter
único na história das religiões. O mistério continua (Ibidem, pg 221).”
Repare no comentário de Mettinger, que a crença na
ressurreição de Jesus pode ser proveitosamente estudada contra o pano de fundo
das crenças judaicas da ressurreição (não mitologia pagã). Aqui vemos aquela
mudança nos estudos no Novo Testamento que eu apontei acima como a rejudaização
de Jesus. A ilegitimidade das similaridades alegadas é apenas uma indicação que
a mitologia pagã é o esquema interpretativo errado para compreender a crença
dos discípulos na ressurreição de Jesus.
Segundo, a escola da História de Religiões sucumbiu
como uma explicação para a origem das crenças cristãs sobre Jesus, porque não
houve nenhuma conexão causal entre os mitos pagãos e a origem das crenças
cristãs sobre Jesus. Veja, por exemplo, a ressurreição. Os judeus conheciam os
deuses sazonais mencionados acima (Ez 37.1-14) e os acharam repugnantes. Por
isso, não há traços de culto a deuses sazonais na Palestina do primeiro século.
Para os judeus, a ressurreição à glória e imortalidade não aconteceria antes da
ressurreição geral de todos os mortos no fim do mundo. É inacreditável pensar
que os discípulos originais teriam súbita e sinceramente acreditado que Jesus
de Nazaré ressuscitou dentre os mortos apenas porque ouviram sobre mitos pagãos
de deuses que morriam e ressurgiam.
Mas, de certo modo, tudo isso é irrelevante à sua
pergunta principal, Kevin. Pois, como você mostrou, as pessoas com que você
conversa não têm acesso aos estudos. Quando você mostra a elas a ilegitimidade
das similaridades alegadas, então é acusado de “ter trabalhado muito duro para
salvar sua religião.” Essa é uma situação que você não pode vencer. Então,
estou inclinado a dizer-lhe que você não deveria ocupar-se em “tentar refutar
cada similaridade.” Antes, eu acho que uma atitude mais genérica e
desinteressada de sua parte pode ser mais eficaz.
Quando eles disserem que as crenças cristãs sobre
Jesus vieram da mitologia pagã, eu acho que você deveria rir. Então olhe para
eles com os olhos arregalados e um grande sorriso e diga, “Vocês realmente
acreditam nisso?” Aja como se tivesse acabado de conhecer alguém que acredite
na terra plana ou na conspiração de Roswell. Você podia dizer algo do tipo,
“Cara, essas velhas teorias estão mortas há mais de cem anos! Da onde você está
tirando isso?” Diga-lhes que isso é apenas lixo sensacionalista e não estudos
sérios. Caso insistam, então peça a eles que lhe mostrem as próprias passagens
que narram a suposta similaridade. São eles que estão nadando contra o consenso
dos estudos, então faça-os trabalhar duro para salvar a religião deles. Eu acho
que você descobrirá que eles nem se quer leram as fontes originais.
Se eles chegarem a citar um trecho de uma fonte, eu
acho que você ficará surpreso com o que verá. Por exemplo, no meu debate sobre
a ressurreição com Robert Prince, ele dizia que as curas que Jesus fez vieram
dos relatos mitológicos de curas, como as de Esculápio. Eu insisti que ele
lesse a todos uma passagem das fontes originais mostrando a suposta
similaridade. Quando ele leu, o que alegava não tinha nada a ver com as
histórias dos Evangelhos sobre as curas de Jesus! Essa foi a melhor prova que a
origem das histórias não estava relacionada.
Lembre-se: qualquer um que insiste nessa objeção
tem de suportar o ônus da prova. Ele precisa mostrar que as narrativas são
paralelas e, além disso, que são causalmente ligadas. Insista que eles suportem
esse ônus, caso você leve as objeções deles a sério.
Fonte: www.apologia.com.br
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