OU Uma perspectiva totalmente nova sobre o líder
dos neo ateus
Por Luciano Ayan
Um artigo do Daily Mail, ingenuamente, tem o
seguinte título: “Richard Dawkins: como um homem de QI tão alto possui
perspectivas tão baixas?”. Nesse artigo, o articulista mostra incômodo com
algumas posições ideológicas de Dawkins, como a ideia de que “se os cristãos
realmente lessem a Bíblia, deixariam de ser cristãos”.
Afirmações como esta seriam um indício de
contradição entre o suposto alto QI de Dawkins em relação às suas idéias, que
seriam contraditórias, carentes de evidências e intolerantes.
O grande problema é que o articulista tem uma
perspectiva diferente do que está ocorrendo na questão. Ele não consegue pensar
politicamente (ao passo que esta é a perspectiva deste blog). Ao contrário, seu
pensamento é aristotélico. (Esse tipo de pensamento era característico também
no início deste blog, o que mudou após os estudos sobre dinâmica social junto
com ciência política).
Avaliando sob uma nova ótica, Dawkins não demonstra
burrice, mas bastante inteligência (ao passo que a maioria de seus leitores,
esses sim, são incapazes). A postura de Dawkins demonstra um altíssimo grau de
inteligência política.
Sei que reconhecer isso pode ser incômodo para
alguns leitores, que talvez gostassem de me ver chamando Dawkins de néscio. Mas
essa não é minha opinião. Respeito Dawkins por seu estilo esgrimista (embora
não o respeite pelo uso recorrente de mentiras). O fato é que Dawkins é
extremamente hábil ao criar frases de efeito, transformar seus oponentes em
bodes expiatórios, e gerar o efeito “recall” sobre suas ideias.
Ademais, muitos leitores de Dawkins ficam de fato
indignados com a mera existência de religiosos tradicionais. Praticamente
transformados em uma bomba relógio de ira anti-religiosa, todos seus leitores
tornam-se motivadíssimos para a luta. Também tornam-se hábeis ridicularizadores
do oponente, capazes de lançar seus inimigos na espiral do silêncio com grande
facilidade. Mesmo que muitos deles se tornem meros repetidores de slogans, o
fato inegável é que esses slogans foram fabricados em sua maioria por Dawkins.
Ou seja, Dawkins foi capaz de formar um exército com arsenal verbal poderoso.
Se eu fosse elencar as principais qualidades que
mostram extrema habilidade política do biólogo neo ateu, eu poderia citar:
- capacidade de inserir sentimentos de raiva nos
que estão ao seu lado: esse sentimento é um fortíssimo motivador para a luta;
- capacidade de criar slogans e frases de efeito
com alto potencial de ridicularização do oponente, o que já facilita muito o
trabalho dos que estão ao seu lado;
- executar a briga de lama de forma impecável, sem
se identificar como adepto da esquerda ou da direita (embora ele tenha
cometidos alguns atos falhos que nos permitem identificá-lo como da esquerda
humanista) – note que dificilmente você o verá associado a algum candidato da
esquerda;
- capacidade de “recall” de suas ideias por seus
seguidores, pois seus slogans são de fácil motivação e reutilização – isso é
especialmente positivo, pois seus adeptos não precisam pensar muito para reproduzir
os slogans;
- habilidade para criar motivação para a
militância, e também transformar sua ação política em causa;
- extrema capacidade de aliança com grupos que
lutarão ao seu lado, como exemplo, gayzistas (nota-se que muitos adeptos da
direita precisam melhorar essa habilidade, como, por exemplo, de fazer alianças
com esquerdistas moderados e libertários, mas por conveniência);
- maestria no jogo de rótulos e, em última
instância, no controle de frame.
Note que todas essas qualidades são independentes dele
ser um mitômano que pode facilmente ser qualificado de sociopata. Entretanto,
todas essas qualidades podem ser assimiladas e treinadas por debatedores dos
dois lados, independente de dizerem a verdade ou não. São todos indicadores não
só de um alto Q.I., como uma alta inteligência política.
Por isso, o questionamento do articulista é
ingênuo. Enquanto ele diz “Richard Dawkins: como um homem de QI tão alto possui
perspectivas tão baixas?”, eu digo: “Richard Dawkins: seu alto Q.I. talvez
tenha lhe trazido perspectivas extremamente altas no jogo político. E talvez
por isso jogue tão bem”.
Ora, se a única característica de Dawkins que eu
não poderia elogiar é a extrema mitomania, devo dizer o contrário em relação às
outras. São todas qualidades que podem e devem ser desenvolvidas, pois, no
fundo, são apenas execuções de técnicas, além do desenvolvimento daquilo que
defino por inteligência política.
Portanto, ao invés de menosprezar o adversário,
deve-se elogiar suas boas qualidades (aquelas a serem assimiladas e que
teríamos orgulho de fazê-lo). Se eu defendo a arte do jogo político, é justo
desenvolver o “fair play”. E isso envolve reconhecer qualidades que porventura
o inimigo tenha.
Entretanto, tal reconhecimento é inútil (também em
termos políticos) caso o conhecimento resultante não seja usado a nosso favor.
Por isso, sejamos esportistas, oras. Que se reconheça os méritos do adversário,
mas sem esquecer de absorver tais méritos.
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