O julgamento de Deus será mais tolerante para com
os ateus do que para com os criacionistas da Terra Jovem?
Tradução: Marcelo N. Motta
Pergunta: Dr. Craig, eu gostaria de saber de você
se eu, como um ateu, serei julgado por Deus por não acreditar nEle. Se eu, após
buscar objetivamente por toda a evidência, chegar à conclusão que não cheguei
aqui como resultado de um plano divino, mas simplesmente como consequência de
processos físicos, ainda assim merecerei ser privado do dom da vida eterna? Se
quando ver Deus face a face após a morte, eu disser que essa foi uma posição
que eu honestamente cheguei depois de muita investigação e de realmente tentar
compreender a natureza?
Eu realmente não consigo ver como Deus me puniria,
se eu viver uma vida boa, honesta e compassiva, mas apenas sentir que essa é a
única posição que faz sentido no mundo à minha volta e o que eu entendo sobre
ele. Para mim isso não parece digno de condenação, quando comparo minha atitude
aos padrões de evidência e investigação à de alguns cristãos, especialmente
aqueles que mantêm posições dogmáticas extremamente irracionais. Se eu aceitar
as descobertas da ciência, Deus me punirá, mas recompensará aqueles que
rejeitam toda a evidência científica e aderem apenas a posições cientificamente
insustentáveis, como uma interpretação literal de Gênesis, onde todo o universo
foi criado entre seis e dez mil anos atrás?
Eu acrescentaria a isso ao dizer que muitos do que
defendem esta posição, chamados de criacionistas da Terra Jovem, disseminam
completas mentiras e desinformações e tudo mais, seja na astronomia à geologia
e biologia, qualquer campo científico que não apóie sua leitura do que eles
consideram como escritura divinamente inspirada.
Isso tirando o fato que quase todos eles são
completamente desqualificados para falar das áreas que falam; se alguém não
possui um doutorado em paleontologia e não é um membro ativo da comunidade
paleontológica, então na verdade não tem direito nenhum de falar sobre o estado
do registro fóssil em público a uma audiência que é igualmente desqualificada
para avaliar a veracidade das afirmações que são feitas. No entanto eu respeito
a autoridade das pessoas que trabalham nas áreas; quando eu li Evolution: What
the Fossils Say and Why It Matters [Evolução: O que Os Fósseis Dizem e Porquê
Importam] de Donald Prothero, eu respeito as visões dele sobre o registro
fóssil já que ele trabalha na área há trinta anos e examinou pessoalmente
muitos dos fósseis que ele fala. Da mesma forma, quando Sean Carroll explica
como a evidência do DNA apóia a evolução em The Making of the Fittest [A
Criação dos Mais Adaptados], eu respeito a opinião dele já que ele está linha
de frente da biologia moderna.
Na verdade, quando eu leio livros sobre história
bíblica e comparo a evidência para a evolução biológica, segundo os cientistas
de hoje, com a evidência para um evento histórico como o Êxodo, segundo os
arqueólogos e historiadores de hoje, então vejo que é óbvio que há um padrão
duplo sendo mostrado por alguns cristãos, considerando o respeito pelas
evidências e pela autoridade das pessoas que sabem do que estão falando. Eu
tenho certeza que muito mais cristãos aceitariam o Êxodo como um evento
histórico do que aceitariam a ocorrência da evolução biológica.
Eu realmente não vejo por que essas pessoas que
mantêm crenças irracionais e inflexíveis merecem ser recompensadas por seu
aparente anti-intelectualismo e relutância em examinar criticamente as
evidências e aplicar níveis apropriados de pesquisa a vários assuntos.
Deus realmente vai recompensar aqueles que
continuam a divulgar absurdos, mesmo quando cientistas apontam seus erros, e
restringem a educação de crianças? Pessoas como Ken Ham constroem museus para
mostrar às crianças como os dinossauros viverem com os homens e todos os
“tipos”, os quais, seja lá como é definido, abrangem uma quantidade enorme de
animais, que de alguma forma foram amontoados num barco. Isso é impossível por
inúmeras razões, mas mesmo assim continua sendo ensinado a criancinhas. Ele
também ‘ensina’ as crianças a perguntarem ao professor de ciências a seguinte
pergunta altamente imbecil: ‘Você estava lá?’ Como se a pesquisa e investigação
científicas empreendidas pelo homem não tivessem a menor chance de competir com
a “verdade revelada”.
As atitudes dessas pessoas aumentam ainda mais a
indisposição de minha parte de me associar com eles em qualquer sentido, e
apenas reforça minha convicção que eles merecem condenação eterna muito mais do
que eu.
Grato,
Adam.
Dr. William
Lane Craig responde:
Existem algumas questões diferentes na sua
pergunta, Adam, que ficaram embaralhadas e precisam ser separadas para que eu
possa respondê-las claramente. Por favor, seja paciente comigo, e preste
atenção enquanto tento lidar com suas preocupações que são claramente
profundas.
A primeira e principal pergunta é: baseado em que
Deus julgará as pessoas? Enquanto lia sua pergunta, Adam, eu pensei, “Ele não
compreende a doutrina cristã da salvação!” Você pode ficar surpreso ao saber
que a maioria dos criacionistas da Terra Jovem CONCORDARIAM com você que eles
merecem a condenação eterna, na mesma proporção, se não mais que você. Como
pode ser? Porque no centro da doutrina cristã da salvação está a imerecida
Graça de Deus.
Esse ensinamento é obscurecido hoje por um tipo de
cristianismo cultural que tem moldado a cultura americana. O cristianismo
cultural ensina que se suas boas ações superarem suas más ações, então Deus
perdoará suas más ações e lhe recompensará com a vida eterna no céu. (Como
Jesus Cristo se encaixa nesse quadro não está claro – talvez como uma
ilustração viva de como Deus é). Ao contrário disso, o cristianismo bíblico
ensina que ninguém é bom o bastante para ir ao céu. Ser julgado baseado em
nossas ações seria a pior coisa possível que poderia nos acontecer, pois nenhum
de nós é aceitável perante a lei moral de Deus (perfeição). O filósofo Immanuel
Kant disse corretamente que levaria uma infinidade de tempo para o homem
alinhar perfeitamente sua vontade com o padrão moral de Deus – e, então, mesmo
se de alguma forma conseguisse, ele continuaria culpado pelos resíduos
infinitos de pecado que cometeu até ali.
Portanto, nós precisamos desesperadamente de um
Salvador, alguém que nos livre da terrível condição moral em que nos
encontramos. Jesus é a provisão de Deus para nosso pecado. Ele foi chamado de o
Cordeiro de Deus, não porque ele era dócil e meigo, mas porque ofereceu Sua
vida a Deus como um sacrifício por nós.
Ele morreu em nosso lugar, carregando a punição por
nossas iniquidades e maldades, e assim satisfez as exigências da lei moral de
Deus e liberou o perdão de Deus a nós.
Por isso, a salvação só pode ser obtida como um
presente da Graça de Deus; não há nada que possamos fazer para obtê-la. É por
isso que a linguagem de “recompensa” é totalmente inapropriada em relação à
salvação. Você está absolutamente correto que os criacionistas não “merecem ser
recompensados por seu aparente anti-intelectualismo” ou por qualquer outra
coisa, nessa questão. Se eles são salvos, é apenas porque eles aceitaram
humildemente e em contrição o dom da Graça de Deus, sem mérito ou esforço.
Agora o que acontece com você se você rejeitar a
Graça de Deus? Você volta à Sua Justiça. Você realmente acha que você é
aceitável? Quando diz, “Eu realmente não consigo ver como Deus me puniria, se
eu viver uma vida boa, honesta e compassiva,” o problema é com este “se”. Adam,
acorde! Quanta compaixão você sentiu quando escreveu essa última frase de sua
carta? Eu me lembro quando não era cristão e ouvi o Evangelho pela primeira
vez. Eu vivia uma boa vida, moralmente correta – externamente ao menos, e ainda
assim descobri que, segundo a Bíblia, eu era culpado diante de Deus e por isso
estava indo direto para o inferno, eu não tinha nenhum problema em acreditar
nisso. Quando eu olhei dentro do meu coração, eu vi as trevas lá dentro, como
tudo que fiz era manchado pelo egoísmo. Eu soube quão miserável eu realmente
era.
Eu suspeito que muitas pessoas hoje não sentem sua
necessidade de um Salvador porque elas têm crescido tão moralmente satisfeitas
que nem mesmo percebem quão moralmente caídas são. C. S. Lewis uma vez observou
que você nunca sabe quão mal está até que tenha verdadeiramente tentado ser
bom. Assim que você tentar, séria e constantemente, então perceberá quão rápido
você cai.
É por isso que o filósofo dinamarquês Soren
Kierkegaard, em sua profunda análise da condição humana, viu que a vida ética,
buscada com seriedade, acaba levando à culpa e desespero e deve ser
transcendida pelo nível espiritual no qual a Graça de Deus é descoberta.
Então esqueça os criacionistas da Terra Jovem,
Adam! Por que deixá-los ficar entre você e Deus? Por que não receber a Graça
transformadora de Deus e então ser melhor do que eles? Você sabe que eu não
tenho as visões deles sobre a idade do universo. E nem a maioria dos cristãos evangélicos,
apesar da grande presença de seu movimento nas igrejas. Então por que não se
tornar um cristão e assim ser um pensador melhor do que eles? (Na verdade, você
pode justamente descobrir que Deus fará uma obra transformadora em seu coração,
substituindo o que parece ser ódio e ressentimento a essas pessoas por uma
compaixão genuína por elas.)
Isso leva à segunda pergunta, que está apegada à
primeira: Deus me condenará por minha descrença se eu, após buscar
objetivamente por toda a evidência, chegar à conclusão que não cheguei aqui
como resultado de um plano divino, mas simplesmente como consequência de
processos físicos?
Essa é uma pergunta estranha, já que o que você
está perguntando é, em efeito: serei condenado por Deus baseado em um argumento
ruim? Pois seu motivo para rejeitar Deus é realmente um argumento ruim. Você
parece pensar que a crença na teoria da evolução é incompatível com a crença em
Deus. (Apenas ocorreu-me, Adam, que você está na verdade muito mais perto das
visões dos criacionistas da Terra jovem do que você pensa! Que ironia!) Mas não
há nada sobre a teoria da evolução que implica ateísmo. (Veja o meu artigo
“Naturalismo e Design Inteligente,” em Intelligent Design, Ed. R. Stewart
[Minneapolis: Fortress Press, 2007], pp. 58-71.) Suponha que o plano divino
seja que você tenha chegado aqui através do processo evolucionário?
Então como a evidência científica para a evolução
da vida faria algo para provar que isso não foi o resultado do plano de Deus?
Sua dificuldade não é que você tem boas objeções contra o teísmo, Adam, mas que
você não está pensando tão profundamente sobre essas questões.
Ainda assim a pergunta permanece, suponha que eu
falhe em acreditar em Deus, porque fui enganado por um argumento ruim. Deus me
condenará? A pergunta que você na verdade está colocando aqui é se existe algo
como uma descrença inculpável.
Eu vejo que, em última análise, não existe essa
coisa de descrença inculpável. Pois, primeiro, existem boas evidências para o
teísmo que são de fácil acesso a todos, como as que eu compartilho em “A
Veracidade da Fé Cristã” [Editora Vida Nova], e não há nenhum bom argumento à
altura para o ateísmo. Eu convido você a ouvir a algum de meus debates com
ateus influentes e apenas se pergunte objetivamente: para que lado a evidência
aponta? Segundo e mais importante, Deus não nos abandonou para descobrir com a
nossa própria genialidade e inteligência se Ele existe ou não. Antes, Seu
Espírito Santo fala ao coração de todo homem, convencendo-o do pecado e
levando-o até Deus. Se nossos corações estão dispostos a buscar a Deus, então
nós O encontraremos. Isso pode levar tempo. É por isso que eu disse que em
última análise a descrença é culpável. Quando uma pessoa chega à hora da morte,
ela terá tido oportunidades suficientes para responder ao Espírito de Deus e
ser salva. O fato de Deus lhe ter trazido até este site para ter sua pergunta
respondida e, espero, esclarecida, é um passo nesse processo. A pergunta agora
é, onde está seu coração? Você quer conhecer a Deus se Ele existir? Que passos
concretos você está tomando para buscá-Lo?
Fonte: Reasonable Faith
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