Edições Cristo Rei
O filósofo Quentin Smith, defensor muito mais sério
e admirável do ateísmo do que qualquer um dos ditos “neoateus”, lamentou a
espantosa falta de conhecimento que muitos dos seus colegas pensadores
secularistas manifestam quando tentam criticar a crença religiosa. Pois eles
geralmente mostram desconhecer os sofisticados argumentos apresentados por
filósofos de inclinação religiosa, preferindo, em lugar disso, atacar
espantalhos e apresentar simplórias caricaturas jornalísticas da religião.
Segundo Smith, a conclusão é que, com exceção dos poucos filósofos secularistas
especialistas nos argumentos dos pensadores religiosos sérios e em responder a
eles, como ele próprio, “a grande maioria dos filósofos naturalistas têm uma
crença injustificada de que o naturalismo é verdadeiro e de que o teísmo (ou
sobrenaturalismo) é falso”. O filósofo político Jeremy Waldron, que ninguém
pode acusar de ser membro da “direita religiosa”, faz juízo semelhante das
atitudes dos secularistas em relação ao emprego do discurso religioso na
política:
“Teóricos secularistas costumam supor que sabem
como o discurso religioso funciona: apresentam-no como uma prescrição divina
rudimentar, sustentada pela ameaça de condenação ao Inferno e derivada de uma
revelação geral ou particular e o contrastam com a elegante complexidade de um
argumento filosófico de Rawls (digamos) ou Dworkin. Com tal imagem em mente,
acham uma obviedade que o discurso religioso deva ser excluído da vida pública.
Mas aqueles que se deram ao trabalho de conhecer bem os argumentos de fundo
religioso existentes na teoria política moderna sabem que isso é em grande
parte uma farsa.”
Além disso, mesmo quando os intelectuais
secularistas se dão ao trabalho de considerar as visões dos pensadores
religiosos sérios, eles têm uma tendência peculiar de aplicar a elas um padrão
que não aplicam a outros argumentos controversos. Secularistas podem argumentar
a favor das conclusões mais ofensivas e intuitivamente absurdas — que não há
nada intrinsecamente errado com o bestialismo, a necrofilia ou, digamos, o
infanticídio, como sugere Peter Singer, professor de ética de Universidade de
Princeton —, e mesmo os filósofos que discordam dessas conclusões estão
dispostos a tratá-las com a maior das seriedades, insistindo que tais visões
devem ser pelo menos, ainda que implausíveis à primeira vista, recebidas com
respeito. Em todas as outras áreas de controvérsia, virtualmente nenhum
argumento é considerado definitivamente refutado: a atitude comum é a de que é
sempre possível a um defensor de determinada posição responder às objeções
usuais a ela, de modo que essa posição deve ser considerada “ainda na mesa”.
Não obstante, quando se trata, digamos, de um argumento a favor da existência
de Deus, o mero fato de alguém algum dia ter levantado uma objeção a ele é
tratado como prova afirmativa de que o religioso simplesmente não “soube
justificar-se” e de que não se deve prestar atenção adicional a seu argumento.
Contanto que aquele que as defende possua o mínimo de capacidade argumentativa
e retórica, é certo que se dará atenção às ideias secularistas. Por mais
especulativas, intuitivamente implausíveis ou mesmo mirabolantes que sejam,
elas são valorizadas como modos de “nos fazer pensar”, de “fazer o debate
progredir” e de “olhar as coisas de um jeito diferente” e ganham um lugar na
lista de leituras dos acadêmicos e no currículo universitário. Tratam-se as
ideias religiosas, em contraste, como se apenas algo tão incontroverso quanto
uma prova geométrica em sua defesa pudesse torná-las dignas de um momento de
atenção.
Que os secularistas, os quais se orgulham de
supostamente ter mais conhecimento e ser mais razoáveis, com tanta frequência
condenem os religiosos com douta ignorância daquilo em que estes acreditam de
fato e sem aplicar a eles os critérios pelos quais julgam as próprias ideias,
indica que outro fator, em geral atribuído aos religiosos, está em jogo aqui, a
saber, o wishful thinking [“pensamento desejoso”], um desejo tão forte de que uma
afirmação seja verdadeira que triunfa sobre a análise racional dos indícios
existentes a favor disso. Pois o caso é que as pessoas que acreditam em Deus
não são, de modo algum, as únicas que podem ter possíveis interesses escusos na
questão da existência dEle. O filósofo Thomas Nagel reconhece que é comum haver
um “medo da religião” subjacente aos trabalhos dos seus colegas intelectuais
secularistas e que isso trouxe “consequências vastas e muitas vezes perniciosas
para a vida intelectual contemporânea”:
“Falo por experiência própria, estando eu mesmo
fortemente sujeito a esse medo: quero que o ateísmo seja verdadeiro e fico
incomodado com o fato de que algumas das pessoas mais inteligentes e bem
informadas que conheço são religiosas. Não é só que eu não acredite em Deus e,
naturalmente, espere estar certo em minha crença. É que eu torço para que não
haja Deus nenhum! Não quero que haja um Deus; não quero que o universo seja
assim. Minha hipótese é que esse problema de autoridade cósmica não é uma condição
rara e que ele é responsável por grande parte do cientificismo e do
reducionismo da nossa época. Uma das tendências que ele intensifica é o
ridículo abuso da biologia evolutiva para explicar tudo que diz respeito à vida
humana, incluindo tudo que diz respeito à mente humana.”
É verdade que o medo da morte, a ânsia por justiça
cósmica e o desejo de encarar as nossas vidas como dotadas de sentido podem nos
levar a querer acreditar que temos almas imortais criadas especialmente por um
Deus que nos recompensará ou nos punirá por nossas ações nesta vida. Porém, não
é menos verdade que o desejo de libertar-se dos padrões morais tradicionais e o
medo de certas consequências políticas e sociais (reais ou imaginárias) da
veracidade da crença religiosa também podem nos levar a querer acreditar que
somos apenas animais engenhosos sem nenhum propósito para as nossas vidas a não
ser aqueles que escolhemos estabelecer para elas e que não há nenhum juiz
cósmico que nos punirá por desobedecermos a uma lei moral objetiva. Assim como
a religião, o ateísmo muitas vezes se apoia mais numa vontade de crer do que em
argumentos racionais desapaixonados.