Além da consciência, há o fenômeno do pensamento,
da compreensão. Cada uso da linguagem revela uma condição do ser que é, por
natureza, intangível. Na base de todo nosso pensamento, comunicação e uso da
linguagem, está um poder miraculoso. É o poder de notar diferenças e
similaridades, de generalizar e universalizar — o que os filósofos chamam de
conceitos ou idéias universais. Isso é natural nos humanos, é único e
simplesmente misterioso. Como é que, ainda criança, você conseguia pensar, sem
nenhum esforço, tanto em seu cachorro Caesar como em cachorros em geral?
Podemos pensar em vermelhidão sem pensar em uma específica coisa vermelha.
Abstraímos, distinguimos e unificamos sem pensar na capacidade que temos de
fazer essas coisas. E podemos até refletir sobre coisas que não têm
características físicas, como a idéia de liberdade ou a atividade dos anjos.
Esse poder de pensar em conceitos é, por sua própria natureza, algo que
transcende a matéria.
Se há aqueles que refutam isso, a coerência pede que
parem de falar e pensar. Cada vez que usam a linguagem, estão ilustrando o
papel, em nossa vida, dos significados, conceitos, intenções e raciocínio. É
simplesmente absurdo dizer que a intelecção tem um correspondente físico, pois
não há nenhum órgão que desempenhe a função de compreender, embora,
naturalmente, os dados fornecidos pelos sentidos ofereçam um pouco da
matéria-prima utilizada pelo pensamento. Se alguém pensar nisso por alguns
minutos, saberá instantaneamente que é totalmente absurda a idéia de que o
pensamento sobre alguma coisa é, em qualquer sentido, algo físico. Digamos que
você pense em um piquenique que está planejando fazer com a família e os
amigos. Pensa em vários locais possíveis, nas pessoas que quer convidar, nas
coisas que vai levar, no veículo que vai usar, e assim por diante. É coerente
supor que qualquer um desses pensamentos é, em algum sentido, fisicamente
constituído?
Falando estritamente, nosso cérebro não compreende.
Nós compreendemos. O cérebro nos capacita a compreender, mas não porque nossos
pensamentos ocorram nele, ou porque fazemos com que certos neurônios entrem em
ação. O ato de compreender que acabar com a pobreza é algo bom, por exemplo, é
um processo holístico que é suprafísico em essência — significado — e físico na
execução — palavras e neurônios. O ato não pode ser dividido em suprafísico e
físico porque é o ato indivisível de um agente intrinsecamente físico e
suprafísico. Existe uma estrutura para o físico e uma para o suprafísico, mas
sua integração é tão completa que não faz sentido perguntar se nossos atos são
físicos ou suprafísicos, ou mesmo híbridos.
Muitas idéias errôneas sobre a natureza dos
pensamentos vêm de idéias errôneas sobre computadores. Di¬gamos que você esteja
lidando com um supercomputador que faz mais de duzentos trilhões de cálculos
por segundo. Nosso primeiro erro é presumir que computador é "algo",
como uma bactéria, mas, no caso da bactéria, estamos lidando com um agente, um
centro de ação que é organicamente unificado, um organismo. Todas as suas ações
são incentivadas pela meta de mantê-la existindo e se reproduzindo. O
computador é uma porção de peças que, juntas ou separadamente, desempenham
funções "implantadas" e dirigidas pelos criadores do conjunto.
Essa coleção de peças não sabe o que o
"algo" está fazendo quando executa uma operação. Os cálculos e
operações executados por esse supercomputador em reação a dados e instruções
são simplesmente uma questão de pulsos elétricos, circuitos e transistores. Os
mesmos cálculos e operações feitos por uma pessoa envolvem o mecanismo do
cérebro, mas são executados por um centro de consciência que está consciente do
que está acontecendo, compreende o que está sendo feito e intencionalmente os
executa. Não há percepção, compreensão, sentido, intenção ou pessoa, quando um
computador faz as mesmas ações, mesmo que tenha múltiplos processadores
operando ,em velocidades sobre-humanas. O que é produzido pelo computador tem
"sentido" para nós — a previsão do tempo, ou o saldo bancário —, mas,
no que se refere ao conjunto de peças chamado computador, são só dígitos
binários que ativam certas atividades mecânicas. Sugerir que o computador
compreende o que está fazendo é como dizer que uma linha de força pode meditar
sobre a questão de livre-arbítrio e determinismo, ou que as substâncias
químicas em um tubo de ensaio podem aplicar o princípio da não contradição para
a solução de um problema, ou que um aparelho de DVD compreende e aprecia a
música que toca.
Fonte: Um
Ateu Garante: Deus Existe"/ ed. Ediouro; pg.162-165.
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