Uma recente conferência em Oxford reuniu
cientistas-teólogos para discutir a obra de John Polkinghorne (foto).
A análise é do escritor e jornalista inglês Mark
Vernon, autor de "After Atheism: Science, Religion and the Meaning of
Life" [Depois do ateísmo: Ciência, religião e o sentido da vida] (Palgrave
Macmillan, 2008). O artigo foi publicado no sítio Religion Dispatches,
29-07-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto:
O Departamento de Física da Universidade de Oxford
é uma mistura de edifícios novos e antigos. Em um labirinto de salas, seus
cientistas vão atrás de interesses desde a computação quântica até a cosmologia
teórica. A diversidade diz muito. Como uma árvore de conhecimento, a física
moderna tem galhos que vão para todas as direções.
Exatamente do outro lado do departamento, está um
edifício muito diferente: oKeble College. Sua estrutura unificada e gótica é
inesquecível – construída em tijolos policromados, às vezes referido como
estilo "santa zebra". O "santa" refere-se ao fundador do
colégio vitoriano, John Keble, famoso por liderar o renascimento católico na
Igreja da Inglaterra.
Hoje, o Keble College parece olhar para o seu
vizinho do outro lado da rua como se estivesse refletindo sobre o que a ciência
fez com a religião. Assim, os auditórios de aula do departamento de física
foram um excelente lugar para acolher uma conferência justamente sobre esse
assunto, celebrando e criticando o trabalho de John Polkinghorne, um dos
cientistas-teólogos mais conhecidos do nosso tempo.
Na primeira parte de sua carreira, Polkinghorne foi
um físico matemático, chegando à posição de professor da Universidade de
Cambridge. Então, em 1979, renunciou à sua cátedra e estudou para se tornar
sacerdote anglicano. No quarto de século seguinte, ele escreveu cerca de duas
dezenas de livros sobre a relação entre ciência e religião. Um homem encantador
para se conhecer, entre papéis e apresentações, ele fala tão comodamente com
humildes jornalistas quanto com seus ilustres colegas.
Polkinghorne se descreve como um teólogo "de
baixo" [bottom-up]. Ele está preocupado em mostrar não só que a ciência
moderna é compatível com a crença cristã ortodoxa, mas também que o crente em
Deus pode ter uma base tão racional para o seu compromisso quanto o cientista
tem para o seu. Ele toma emprestada uma noção apresentada pelo filósofo Michael
Polanyi, de crença bem motivada, que procura: "um estado de espírito em
que eu possa manter com firmeza o que eu acredito ser verdade, embora saiba que
possa ser concebivelmente falso".
Isso torna a versão de Polkinghorne acerca da
teologia natural – aquela parte da teologia que olha para a razão e a natureza
ao invés da revelação – mais atraente do que a de seus contemporâneos Alister
McGrath e Richard Swinburne. Assim argumentou um colaborador, Rodney Holder.
Por exemplo, McGrath insiste que a teologia natural
deve ser incorporada à revelação de Deus: ela fala aos cristãos acerca do Deus
que eles já conhecem como Trindade. Mas McGrath também diz que a teologia
natural pode levar os não crentes a Deus. Por isso, ele emprega a razão e a
natureza contra seus oponentes ateus, não apenas em seu livro "The Dawkins
Delusion" [A ilusão de Dawkins]. Coloque as duas afirmações junto, porém,
e parece haver uma inconsistência, ressaltou Holder.
Por outro lado, a teologia natural de Richard
Swinburne utiliza a teoria da probabilidade para argumentar que Deus é a
explicação mais provável para os fenômenos naturais, da experiência religiosa à
afinação cósmica. Mas essa abordagem é problemática, continua Holder, em parte
porque as probabilidades sempre podem ser questionadas, e em parte porque ela
só leva a um Deus racionalista, e portanto sereno, dos filósofos.
Polkinghorne é diferente. Ele acredita que a
teologia natural nos mostra coisas sobre Deus que não podem ser apreendidas por
meio da revelação apenas. Ela não oferece provas de Deus, mas oferece sim
insights. Por exemplo, a ciência sugere não só que Deus criou o tempo a partir
da eternidade, a doutrina tradicional, mas também que Deus realmente
experimenta a temporalidade e não sabe o futuro. A teologia natural de
Polkinghorne pode ser resumida no comentário do teólogo Bernard Lonergan:
"Deus é a explicação totalmente suficiente, o êxtase eterno, vislumbrado
em cada grito de `Eureka` arquimediano". Isso é, concluiu Holder,
profundamente gratificante.
Fraser Watts, o cátedra Starbridge em ciências e
teologia naturais na Universidade de Cambridge, não foi tão otimista. Ele fez
críticas a Polkinghorne, embora em um espírito de respeito. Tomemos a aparente
sintonia fina do universo, disse ele. Os crentes em Deus precisam ser
cautelosos para não fazer uma confusão teológica com aquilo que também é
conhecido como o "princípio antrópico", que basicamente afirma que o
universo é como é porque, de outra forma, os seres humanos não estariam aqui
para observá-lo. Por um lado, os físicos poderão um dia ser capazes de explicar
isso dentro do domínio da ciência. Por outro, reivindicar isso como evidência
de desígnio de Deus requer uma habilidade epistemológica – um movimento da
ciência, que concebe o cosmos como falta de ação, à religião, que concebe o
cosmos como repleto de propósito e intenção.
Enquanto isso acontece, os físicos podem estar no
meio do caminho rumo à explicação da sintonia fina, por intermédio da chamada
teoria do multiverso. Esta apresenta o nosso universo como apenas um dentre
muitos, e assim mostra que não é nenhuma surpresa que o nosso seja
"finamente sintonizado", pois não estaríamos aqui para perceber isso
se não existíssemos. Assim, é melhor, argumenta Watts, não fazer sua teologia
afirmando vantagens em relação à ciência. Os cristãos podem chegar a um acordo
com os multiversos também, concluiu.
Talvez o artigo mais impressionante da conferência
foi dado pela filósofa da ciência e não-crente, Nancy Cartwright. Ela é bem
conhecida por sua ideia de que a ciência não é tão unificada como disciplina
quanto os cientistas tendem a pensar que seja. Observando cuidadosamente como a
ciência realmente procede, ela concluiu que ela faz uso de uma variada gama de
princípios e teorias para descrever os fenômenos que descreve, e que estes não
podem ser reduzidos a algumas poucas e simples leis que poderiam ser fundidas
em uma "teoria de tudo".
O que isso pode significar para os crentes em Deus,
sugeriu ela (meio em tom de gozação) é que Deus não é um legislador, mas sim um
engenheiro. Uma divindade compatível com a ciência moderna seria aquela que
pega o material bruto da natureza e o molda nisto, e depois naquilo. Uma
semente seria um exemplo dessa engenharia divina, porque, mantidas inalteradas
todas as outras condições, ela produz uma planta. Em geral, se o livro da ciência
parece estar escrito em várias linguagens, isso talvez seja porque o livro da
natureza também o é.
Para o pensamento de Cartwright, isso na verdade
levaria a uma noção mais atraente da divindade do que a tradicional com a qual
ela foi criada, já que é um Deus que ama a bagunça! "Glória a Deus pelas
coisas malhadas" [Glory be to God for dappled things], escreveu Gerard
Manly Hopkins. Exatamente, ela concordou.
Sua plateia de teólogos-cientistas escutava
nervosamente, talvez como o Keble College faz com os laboratórios de física.
Alguns temiam que ela pudesse ser interpretada como defensora do Design
Inteligente. E o próprio Polkinghorne não engolia isso. E as leis de
conservação da física, perguntava ele, de energia, momentum e carga? Elas são
claramente universais.
E elas apontam para a unidade da verdade e da
beleza da ordem cósmica, que leva esse notável pensador para o Deus no qual ele
acredita estar embaixo, em cima e por todas as partes.
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