A Descontinuidade de Mohorovicic Ilude os
Pesquisadores
Dr. Raul Esperante
Grande parte da informação que possuímos sobre o
interior da Terra deriva do estudo das ondas sísmicas que são produzidas
durante os terremotos.
No começo do século XX, os dados colhidos pelos
sismólogos indicaram que essas ondas se propagavam a partir do ponto de origem
do terremoto (o hipocentro) em todas as direções, chegando até a crosta
exterior (epicentro) e se deslocando também no interior do planeta, sendo
possível serem detectadas em sismógrafos distantes e até mesmo em pontos
opostos do planeta.
Essas ondas pareciam ser capazes de se propagar no
material rochoso terrestre. Descobriu-se que as ondas sísmicas se refratam
mudando de direção em diversas profundidades da Terra, o que se atribuiu à
natureza heterogênea do interior do planeta. Foi sugerido que as ondas sísmicas
se propagam mais rapidamente através das rochas em estado sólido com alta
densidade, e com menor velocidade pelas camadas da Terra em que as rochas estão
em estado de fusão. As mudanças bruscas de velocidade das ondas sísmicas fez que
os geofísicos sugerissem que a Terra se assemelhasse a uma enorme cebola com
várias camadas diferenciadas em seu interior: o núcleo interior de composição
metálica (principalmente ferro e níquel) em estado de fusão; o manto terrestre
circundando o núcleo, com composição rochosa em estado de fusão em determinadas
profundidades; e a litosfera exterior composta de materiais mais leves e
sólidos.
O limite entre uma camada e outra foi chamado de
descontinuidade. A descontinuidade que separa a litosfera exterior do manto
adjacente foi chamada de descontinuidade de Mohorovicic, ou simplesmente de
continuidade Moho, em homenagem ao seu descobridor, o geofísico croata Andrija
Mohorovicic (1857-1936).
Descobriu-se que o Moho se acha a maior
profundidade sob os continentes do que sob a litosfera oceânica onde se
encontra a menos de 10 km abaixo do assoalho oceânico e, alguns lugares como na
chamada Zona de Fratura do Atlântico Norte, está a simplesmente 700 metros de
profundidade rochosa, isso com base nos perfis sísmicos obtidos por sismógrafos
colocados no fundo do oceano.
A possibilidade de perfurar até chegar à
descontinuidade Moho sempre fascinou aos geofísicos que tratam de encontrar
respostas ao comportamento das ondas sísmicas e às questões que derivam da estrutura
da Terra. Com esse intuito, foram efetuadas numerosas perfurações tanto nos
continente como nos oceanos, porém, até muito recentemente não existia a
tecnologia apropriada para se chegar à profundidade indicada sob os oceanos.
Só recentemente os cientistas foram capazes de
ultrapassar aquilo que supõem ser o limite da descontinuidade Moho sob o
Atlântico Norte. (1)
Uma dúzia de perfurações conseguiu chegar até 1.415
metros de profundidade, bem dentro do que se supõe ser o manto terrestre, e os
resultados foram surpreendentes: nada se encontrou que pudesse ser o manto.
Os geofísicos agora se perguntam se pesquisaram no
lugar correto, apesar de se terem orienta o pelos perfis obtidos pelos
sismólogos,e novas perfurações vão ser realizadas nos próximos meses para
tratar de encontrar o manto terrestre.
Entretanto, os resultados preliminares dessas
primeiras perfurações deveriam levar os geofísicos à reflexão, especialmente no
que diz respeito aos postulados inerentes à ciência e à fidelidade dos modelos
criados a partir dos dados.
Uma vez mais se demonstra que a obtenção de muitos
dados de natureza diversa não assegura um modelo preciso ou a explicação exata
dos processos.
As Ciências da Terra, que incluem a Geologia, a
Geofísica, e a Paleontologia, baseiam-se em dados de processos que ocorreram há
muito tempo, que não são reprodutíveis e cujos resultados estão, em muitos casos,
fora do alcance do estudo físico direto.
Em especial, os cientistas deveriam ser muito
cuidadosos ao propor modelos e explicações sobre eventos do passado, incluindo
extinções, catástrofes, tectônica de placas, deriva continental, etc.
A existência da descontinuidade de Moho estava
firmemente estabelecida mediante múltiplas observações indiretas e seu
funcionamento havia sido testado em modelos com a atividade sísmica, entretanto
isto não indicava que sua existência fosse real.
É previsível que as novas perfurações descubram a
descontinuidade de Moho abaixo da crosta oceânica, porém a sua ausência nos
vários lugares aonde ela foi procurada constitui uma luz vermelha que adverte
que os modelos e teorias a respeito da Terra se assentam sobre terreno movediço.
Referências:
1. Kerr, R. 2005. Pursued for 40 years, the Moho
evades ocean drillers once again. Science, 307:1707.
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