Por Rivelino V. D. Montenegro
À medida que se aprofunda o conhecimento científico
sobre as estruturas e mecanismos dos seres vivos, encantamonos cada vez mais
com a complexidade e a funcionalidade de tais sistemas biológicos, mesmo entre
aqueles considerados “simples” ou “primitivos”.
O termo Biomimética se tornou comum nos meios
científicos, e se refere ao trabalho de diversos cientistas (engenheiros,
químicos, físicos, biólogos, etc.) que tentam copiar os processos biológicos e
aplicá-los em diferentes áreas tecnológicas e científicas.
Introdução
A história está repleta de exemplos de engenheiros,
cientistas e artistas que se inspiraram na natureza. Dentre eles, podemos citar
os irmãos Wright, que voaram após observar o vôo rasante dos abutres. Inspirado
na estrutura dos ossos, Eiffel projetou a famosa torre que leva o seu nome, e
que suporta seu enorme peso em suas curvas presas de cobras, e o velcro, que
foi baseado no campo. E mais recentemente, tintas que elegantes (1).
Outros exemplos são as pontas o mesmo princípio
daqueles carrapichos que imitam a superfície da flor de Lótus, sendo de agulhas
hipodérmicas moldadas como grudam nas meias durante uma caminhada dessa forma
tintas auto-limpantes.
Neste campo científico, um dos produtos naturais
que mais chamam a atenção é a teia de aranha. Inúmeros cientistas em todo o
mundo tentam copiar as propriedades da seda que a aranha produz e, de maneira
muito mais interessante ainda, tentam reproduzir o método que as aranhas
utilizam para fabricar a teia.
A tenacidade, a resistência e a elasticidade desta
seda continua a intrigar os cientistas, que se perguntam o que dá a este
material natural suas qualidades inusitadas. Mais fina que um fio de cabelo,
mais leve que o algodão, e (nas mesmas dimensões) mais forte que o aço, a teia
”atormenta” os cientistas que tentam copiar suas propriedades, ou sintetizá-la,
para produção em larga escala. Várias aplicações desse novo material surgem na
mente dos pesquisadores, tais como roupas e sapatos à prova d’água, cabos e
cordas, cintos de segurança e pára-quedas mais resistentes, revestimento
anti-ferrugem, pára-choques para automóveis, tendões e ligamentos artificiais,
coletes à prova de balas, etc (2).
Um fio comum da seda de teia de aranha é capaz de
estender-se por até 70 km sem se quebrar sob seu próprio peso, e pode ser
esticado até 30 ou 40 % além de seu comprimento inicial, sem se romper,
enquanto o nylon suporta apenas 20 % de estiramento (3). A seda que a aranha
produz tem tal resistência que se chegou à hipótese de que, caso fosse possível
construir uma teia com a espessura do fio equivalente ao de uma caneta
esferográfica, tal teia seria capaz de parar um Boeing 747 em pleno vôo! (3, 4)
Os fios de seda da teia de aranha já foram usados
antigamente nos retículos de lunetas astronômicas, micrômetros e outros
instrumentos ópticos.Algumas tribos da América do Sul empregaram as teias de
aranha como hemostático em feridas. Pescadores da Polinésia usam o fio da
aranha Nephila, que é exímia tecedeira, como linha de pescar. Em Madagascar,
nativos capturavam as aranhas Nephila, e obtinham rolos de fios, que eram
usados para fabricar tecidos de cor amarelo-dourada (3). Algumas tribos na Nova
Guiné usam teias de aranha como chapéu para se protegerem da chuva.
Muitas fibras sintéticas, tais como o kevlar e
fibras de polietileno de altíssima densidade, atingem módulos de elasticidade
(Young) e tensões de estiramento elevadíssimos, devido a
cristalinidades muito altas. Em virtude da alta
cristalinidade, estas fibras tendem a ser quebradiças, não sendo assim muito resistentes
quando sob compressão. O fio da teia de aranha, entretanto, apesar de não
atingir os módulos de elasticidade (Young) extremamente altos de algumas fibras
sintéticas, possui um alto alongamento de ruptura, e é mais forte sob
compressão (5).
Há várias glândulas localizadas no abdômen da
aranha, as quais produzem os fios de seda. Cada glândula produz um fio para
propósitos específicos. São conhecidas sete diferentes glândulas. Cada aranha,
entretanto, possui apenas algumas dessas glândulas e não todas ao mesmo tempo.
As glândulas conhecidas como Ampullaceae (Maior e
Menor), são usadas para produzir os fios por onde a aranha anda. A glândula
Pyriformes é usada para produção dos fios conectivos. A glândula Aciniformes
produz fios para o encapsulamento da presa. A glândula Tubiliformes produz fios
para os casulos. A glândula Coronatae é usada para produção de fios adesivos
(6). Normalmente, a aranha tem três pares de órgãos (equivalentes a “máquinas
de fiar”) que produzem os fios. Mas há aranhas que possuem apenas um par ou
mesmo quatro pares destes órgãos. Há pequenos tubos, que são conectados às
glândulas. O número de tubos pode variar entre 2 e 50.000. A seda da teia de
aranha é constituída principalmente de uma proteína que tem peso molecular de
30.000 Daltons, enquanto dentro da glândula. Fora da glândula, ela se
polimeriza para dar origem à fibroína, que tem peso molecular em torno de
300.000 Daltons (6, 3). Muitas aranhas tecedeiras reciclam suas teias. Isso
acontece porque a teia tem que ser renovada freqüentemente e, como na sua
fabricação é gasta uma grande quantidade de nitrogênio, a aranha se alimenta da
teia para reaproveitar o nitrogênio(3).
As aranhas produzem uma série de diferentes fibras,
nas quais a seqüência de aminoácidos das proteínas componentes são precisamente
controladas a fim de ajustar as propriedades mecânicas de cada teia para sua
função específica (7).
A matéria prima inicial que as aranhas usam para
tecer a teia é uma solução líqüida cristalina, contendo proteínas, que flui facilmente
pelas tubulações presentes no abdômen da aranha. A solução contém 50% de
proteína, concentração que normalmente acarreta altíssima viscosidade, fazendo
que o processo de tecer a teia em laboratório se torne inviável. Entretanto, as
aranhas conseguem resolver este problema mantendo as proteínas numa conformação
enrolada enquanto estão tecendo a teia, e só em seguida é que as proteínas
deixam essa conformação enrolada, esticando-se e arranjando-se para produzir a
a elasticidade final do fio (8).
Os fios de seda da teia da aranha são compósitos
macromoleculares de domínios deproteínasamorfas,quepossuemligações cruzadas e
são reforçadas por microcristais (ß-sheets). A quantidade de ligações cruzadas
e de reforços de microcristais determina importantes propriedades mecânicas (9,
10). Por exemplo, os primeiros fios a serem tecidos, que são utilizados como
bases de sustentação da teia, contêm de 20 a 30 % de cristal por volume (10,
11), formando uma fibra que é rígida (módulo de Young inicial igual a 10 GPa),
forte e dura (energia para rompimento igual a 150 MJ/m3). O fio adesivo
utilizado para tecer a espiral contém 5% ou menos de cristal por volume e é
mecanicamente semelhante a borracha bem flexível, com baixa rigidez (módulo de
Young inicial igual a 3 MPa) e alta extensibilidade (10).
Muitas companhias de biotecnologia estão
interessadas no desenvolvimento de proteínas transgênicas da teia de aranha
para incorporação em novos materiais (8).
A construção da teia (12)
Como a
aranha constrói a sua teia?
A parte mais difícil parece ser o primeiro fio. Mas
a solução é simples. A aranha produz um fio que fica preso por uma das
extremidades a um ponto inicial, e a outra extremidade é levada pelo vento para
então prender-se em algum outro ponto (exemplos: galho de árvores, parede,
etc). Neste estágio a aranha conta com a ajuda do vento (em locais sem vento a
aranha precisa carregar o fio até encontrar outro ponto de fixação). Assim,
forma-se a primeira ponte. A aranha, cautelosamente, cruza o fio inicial
reforçando-o com um segundo fio. O processo é repetido até que o fio esteja
forte o suficiente. Depois deste fio, a aranha constrói um fio folgado e em
seguida, a partir deste fio, tece um terceiro formando um Y. Estes são os
primeiros 3 raios da teia. Uma armação é então construída para conectar os
outros raios. Os raios da teia são então terminados. A distância entre os raios
nunca é maior que o alcance da aranha. Agora o fio adesivo é traçado entre os
raios a partir do centro da teia, formando a espiral.
Há muitas variações (13) na maneira das aranhas
construírem suas teias; o exemplo mostrado é um dos mais simples. A forma como
se constrói a teia está sujeita a vários fatores, desde a espécie de aranha até
as condições do ambiente onde a teia será construída.
Há vários estudos na literatura científica sobre
fatores que influenciam a construção da teia. Um dos estudos mais
interessantes, realizado por cientistas da NASA, mostrou que é possível
detectar a toxicidade de substâncias químicas injetando-as em aranhas e verificando
como a teia é então construída. Os resultados mostraram uma relação direta
entre a toxicidade das substâncias e a desorganização na construção da teia, ou
seja, quanto mais tóxica a substância, mais deformada será a teia. Foram
testadas drogas como maconha, cafeína e outras. No caso da cafeína, por
exemplo, a aranha só conseguiu tecer alguns fios e de forma bastante aleatória.
A partir destes resultados, os pesquisadores acham
ser possível, com a ajuda de um programa de computador, quantificar estes
efeitos e produzir assim um novo mecanismo para teste de toxicidade (14).
Por que a aranha não fica grudada na própria teia?
(15)
A aranha coloca-se no centro de sua teia e ali
espera imóvel que algum inseto fique preso nela. Assim que isto acontece, a
aranha orienta-se na direção do inseto e move-se sem hesitar ao longo de algum
dos fios radiais, afastando-se do centro da teia para rapidamente segurar a
presa. Esta ação da aranha não constitui nenhum risco para si mesma, visto que
toda a seda utilizada para construir o centro, os fios radiais, e os fortes
fios de sustentação, não é adesiva. Somente a seda produzida para construir a
espiral que conecta os fios radiais, é coberta com uma forte cola. Contudo,
quando observamos a aranha andando rapidamente ao longo dos fios radiais, ela
regularmente toca a espiral adesiva com suas pernas, ao se aproximar da vítima
o mais próximo possível a fim de imobilizá-la, envolvendo-a com a teia e
dando-lhe uma mordida venenosa fatal.
Evidentemente, a aranha não teme ficar grudada em
sua própria teia, e caminha facilmente ao longo dos fios não adesivos, bem com
sobre os adesivos. Como, porém, ela é capaz disso? Para responder tal pergunta
somos forçados a examinar em alta resolução as pernas de uma aranha.
O que vemos num primeiro relance são duas garras
escuras e serrilhadas. Elas são usadas para se ter um bom controle sobre a
superfície lisa dos galhos e folhas de árvores, entre as quais a aranha
constrói a teia, e também para mover-se sobre o solo. Em frente destas garras
há uma garra menor, fortemente fixada, que é cercada por um certo número de
pêlos encurvados. A impressionante diferença entre estes pêlos e os demais
presentes em outras partes das pernas da aranha não é apenas o fato de serem
encurvados, mas também deles serem providos de um considerável número de
pequenos ”espinhos”. Estes pêlos e a terceira garra exercem juntos uma função
crucial na capacidade das aranhas se locomoverem em suas próprias teias.
Quando a aranha coloca a ponta de uma de suas
pernas contra um fio a terceira garra é inclinada para trás e sua ponta aguda
direciona-se obliquamente. O fio é empurrado contra os pêlos elásticos. Então a
terceira garra gira para frente, o gancho agarra o fio, forçando o fio e os
pêlos para trás. Agora a perna da aranha está segurando o fio bem firme comum a
área de superfície mínima do fio em contato com os ”espinhos” dos pêlos e com a
margem interna da terceira garra. Para soltar o fio, o gancho da terceira garra
é simplesmente levantado e os pêlos retornam para sua posição original,
empurrando o fio para longe da perna. Deste modo, mesmo um fio adesivo torna-se
facilmente desprendível.
Embora este dispositivo mecânico sozinho possa ser
suficiente para uma aranha de jardim mover-se livremente por sua teia sem
correr o risco de ficar presa nela, pode existir ainda outro mecanismo. Em
alguns livros se menciona que uma secreção oleosa cobre as pernas da aranha,
impedindo-a de ficar presa nos fios adesivos. Embora esta possibilidade pareça
plausível, até agora nenhuma publicação científica apoiou tal afirmação. Por
enquanto, a única explicação para o fato da aranha não ficar presa à sua
própria teia é o formato muito especial das extremidades de suas pernas.
Considerações
Finais
As propriedades mecânicas da seda da teia de aranha
são superiores à maioria das fibras sintéticas. Além do mais, a teia exibe um
comportamento não usual no qual a tensão necessária para romper a teia aumenta
com o aumento da deformação(16).
Associada à verdadeira engenharia aplicada na
construção da teia, a complexidade com que a aranha tece e controla a
composição química da teia (processos ainda longe de serem copiados) para cada
finalidade bem específica, mostra o quanto tais sistemas biológicos requerem um
planejamento e, portanto, um planejador.
Segundo os evolucionistas, as aranhas surgiram há
aproximadamente 125 milhões de anos, porém estudos recentes mostram que a teia
parece ter sofrido pouquíssimas modificações durante todas essas eras(17,18),
ou seja, parece que as aranhas já surgiram com um sistema extremamente
desenvolvido para solucionar o problema da sobrevivência da espécie(19), o que
parece ser bastante paradoxal para a teoria da evolução!
Sim senhor! É impressionante a complexidade de uma
teia de aranha. Mais impressionante ainda é alguém ter fé que surgiu por acaso
este complexo.
A TEIA DE ARANHA MAIS ANTIGA CONSERVADA EM ÂMBAR?
Em um pedaço de âmbar achado no Líbano foi
encontrado o tesouro mais antigo da aranha – um filamento sedoso de uma teia.
Segundo os cálculos evolucionistas teria 130 milhões de anos – 90 milhões de
anos mais velho que os restos paleontológicos conhecidos até agora. A teia tem
4 milímetros de comprimento e é do tipo de seda viscosa similar às fibras
pegajosas que algumas aranhas modernas usam para caçar suas presas. O biólogo
que o estudou, Samuel Zschokke, da Universidade de Basel, na Suíça, disse que,
apesar de sua idade, tem todas as semelhanças com a teia de aranha moderna.
Zschokke descreve este delicado fóssil na revista Nature de 7 de agosto. Indica
que sem dúvida pertence a um ancestral das aranhas de “patas de pente” que são
os aracnídeos que produzem teias viscosas sobre as árvores, e assim a teia foi
englobada pela resina que exsuda da árvore. (Sc.N.Ag. 30-03).
Bibliográficas
1. Ball, P. Nature 2001, 413-416.
2. Vide o site: www.sciencenews.org/sn_edpik/ps_5.htm
3. Vide o site:
www.geocities.com/~esabio/aranha/teia_e_a_seda.htm
4. Vide o site:
www.xs4all.nl/~ednieuw/spiders/info/spindraad.htm
5. Valluzzi, R.; Szela, S.; Autges, P.;Kirshner,
D.; Kaplan, D. J. Phys. Chem.B 1999, 103, 11382-11392.
6. Vide o site:
www.xs4all.nl/~ednieuw/spiders/infoned/webthread.html
7. Zhou, Y.; Wu, S.; Conticello, V.
P.Biomacromolecule 2001, 2, 111-125.
8. Mckay, D.; Davies, M. J. Trends in Biotechnology
2001, 19, 204.
9. Denny, M., The mechanical properties of
biological materials, Cambrige Univ. Press 1980, 475-559.
10. Gosline, J. M. et al., Biomimetics, A/P Press.
1995, 237-261.
11. Simmons, A. H.; Michael, C. A.; Jelinski, L. W.
Science 1996, 271, 84.
12. Vide o site: www.xs4all.nl/~edni…/spiders/info/construction_of_a_web.html
13. Vide o site:
www.unibas.ch/dib/nlu/staff/sz/webconstructbd.html
14. Bonner, J. New Scientist 1995, 1975, 5. 17.
Gatesy, J.; Hayashi, C.; Motriuk, D.;
15. Vide o site: http://www.microscopy- Woods, J.;
Lewis, R. Science 2001, 077spidersilk uk.org.uk/mag/art97b/benspid.html 291,
2603.
16. Kaplan, D. American Chemical Society 18.
Selden, P. Palaeontology 1990, 33, Symposium 1994, 544, 176-184.
17. Gatesy, J.; Hayashi, C; Motriuk, D.; Woods, J.;
Lewis, R. Science 2001, 291, 2603.
18. Selden, P. Palaeontology 1990, 33, 257.
19. Vide o site:
http://whyfiles.org/shorties/077spidersilk
Nenhum comentário:
Postar um comentário