Alvin
Plantinga
Alvin Plantinga é o filósofo da religião mais
importante da atualidade. Nesse artigo, Plantinga combate a idéia de que o
teísta que não tem sua crença apoiada sobre evidências seria, de alguma forma,
irracional ou estaria violando seus deveres epistêmicos. Para Plantinga, tal
objeção é infundada, podendo ser perfeitamente revertida contra o ateísmo.
Tradução: Vitor Grando
Objeções ateológicas à crença de que há uma pessoa
como Deus existem em muitas variedades. Existem, por exemplo, as objeções, que
já nos são familiares, de que o teísmo é de alguma forma incoerente, que é
inconsistente com a existência do mal, que é uma hipótese pouco corroborada ou
até refutada pelas evidências, que a ciência moderna, de alguma forma, lançou
dúvidas sobre essa crença, e por aí vai.
Outro tipo de objetor alega, não que o teísmo é
incoerente ou falso ou provavelmente falso (até por que, há pouco há ser dito
sobre isso de forma irrefutável com argumentos) mas que, de alguma forma, não é
razoável ou é irracional, mesmo se tal crença for verdadeira. Aqui nós temos,
como peça central, a objeção evidencialista à crença teísta. A alegação é que
nenhum dos argumentos teístas - dedutivos, indutivos ou abdutivos - são bem
sucedidos; assim há no máximo evidências insuficientes para a existência de
Deus. Mas então a crença de que há tal pessoa como Deus é, de alguma forma,
intelectualmente imprópria - tola ou irracional. Uma pessoa que acredita sem
evidências que existe um número par de patos estaria crendo de maneira tola ou
irracional.; o mesmo vale para a pessoa que acredita em Deus sem evidências.
Nessa visão, alguém que aceita a crença em Deus, mas não tem nenhuma evidência
para tal crença não está, intelectualmente falando, apto para o debate.
Entre aqueles que apresentaram essa objeção estão
Antony Flew, Brand Blanshard e Michael Scriven. Talvez mais importante seja a
enorme tradição oral: encontra-se essa objeção ao teísmo espalhada por todos os
grandes campus universitários do mundo.
A objeção em questão também foi endossada por Bertrand
Russell, que uma vez após ser perguntado o que diria se, após a morte, ele se
deparasse com Deus e este o perguntasse por que ele não acreditou. Russell
respondeu “Eu diria, não há evidências suficientes, Deus! Não há evidências
suficientes!” Eu não sei como essa resposta seria recebida; mas meu ponto é
somente que Russell, como muitos outros, endossaram a objeção evidencialista à
crença teísta.
Agora, qual é, exatamente, a alegação do objetor
aqui? Ele afirma que o teísta sem evidências é irracional ou não é razoável.
qual é a propriedade com a qual ele está creditando tal teísta quando ele assim
o descreve? O que, exatamente, ou aproximadamente, ele quer dizer quando diz
que o teísta sem evidências é irracional? Qual é, na visão dele, o problema com
tal teísta? A objeção pode ser vista tomando pelo menos duas formas; e há pelo
menos dois sentidos ou concepções correspondentes de racionalidade envolvidas.
De acordo com a primeira, o teísta que não tem
evidências violou um dever intelectual ou cognitivo de algum tipo. Ele
contrariou uma obrigação colocada sobre ele pela sociedade ou talvez pela sua
própria natureza como criatura capaz de compreender proposições e ter crenças.
Há uma obrigação ou algo como uma obrigação para proporcionar à crença de alguém
a força da evidência. Assim, de acordo com John Locke, a marca de uma pessoa
racional é “não aceitar uma proposição com mais segurança do que a prova sobre
a qual ela está apoiada pode garantir,” e de acordo com David Hume, “Um homem
sábio conforma suas crenças às evidências.”
No século dezenove nós temos W.K. Clifford, o
“adorável enfant terrible” como William James o chamou, insistindo que é
monstruoso, imoral, e talvez até indelicado aceitar uma crença para a qual você
tem insuficientes evidências:
Qualquer um que merecer o bem de seu companheiro
neste assunto irá guardar a pureza de suas crenças com um fanatismo de zeloso
cuidado, para que não se apóiem, a qualquer momento, em um objeto indigno, e
peguem uma mancha que não poderá ser limpada nunca. [1]
Ele acrescenta que se uma Crença foi aceita sobre
evidências insuficientes, o prazer é roubado. Não apenas isso nos engana nos
dando um sentimento de poder que na verdade nós não temos, mas é pecaminoso,
roubando em rebeldia nosso dever para com a raça humana. Esse dever é de
guardar nós mesmos de tais crenças como de uma pestilência, que pode
rapidamente se espalhar pelos nossos corpos e pelo resto da cidade [2]
E finalmente:
Somando tudo: é sempre errado, a todo lugar, para
qualquer um acreditar em algo com insuficientes evidências [3]
(Não é difícil detectar, nessas citações, o “tom de
robusta simpatia” com a qual James credita à Clifford.) Nessa visão os teístas
sem evidências - minha falecida avó, por exemplo - estão desobedecendo seus
deveres epistêmicos e merecem nossa desaprovação. Madre Teresa, por exemplo, se
ela não teve argumentos para sua crença em Deus, então ela é algum tipo de
libertina intelectual - alguém que contrariou suas obrigações intelectuais e
merece desaprovação ou até ação disciplinadora.
Agora a idéia de que existem deveres ou obrigações
intelectuais é complicada, mas não implausível, e eu não quero questionar isso
aqui. É menos plausível, entretanto, sugerir que eu estaria ou poderia estar
contrariando meus deveres intelectuais em acreditar, sem evidência, que há tal
pessoa como Deus. Primeiro, minhas crenças não estão, na sua maior parte, sob o
meu controle.
Se, por exemplo, você me oferece $1.000.000 para
deixar de acreditar que Marte é menor do que Vênus, não há nenhuma forma de que
isso aconteça. Mas o mesmo vale para minha crença em Deus: mesmo se eu
quisesse, eu não poderia - sem medidas heróicas como drogas que induzem ao coma
- simplesmente abandonar tal crença. (Não há nada que eu possa fazer
diretamente; talvez haja algum tipo de regime que se seguido religiosamente
resulte, a longo prazo, no abandono da minha crença em Deus). Mas, segundo, não
parece haver nenhuma razão para pensar que eu tenho tal obrigação. Claramente
eu não estou sob obrigação de ter evidências para tudo que eu creio; isso seria
impossível. Mas porque, então, supor que eu tenho uma obrigação de aceitar
minha crença em Deus somente se eu aceitar outras proposições que sirvam de
evidências para isso? Isso de maneira alguma é auto-evidente ou simplesmente óbvio,
e é extremamente difícil encontrar um argumento persuasivo para isso.
Em qualquer evento, eu penso que o objetor
evidencialista pode seguir uma linha mais promissora. Ele pode afirmar, não que
o teísta sem evidência violou algum dever epistêmico - afinal, talvez ele não
possa ajudar a si mesmo - mas que ele é de alguma forma intelectualmente falho
ou desfigurado. Considere alguém que crê que Vênus é menor do que Mercúrio -
não porque ele tem evidência, mas porque ele leu numa revista em quadrinhos e sempre
acredita em tudo que lê em revistas em quadrinhos - ou considere alguém que
afirma uma crença sobre as bases de um argumento totalmente ruim. Talvez não
haja nenhuma obrigação que ele tenha falhado em cumprir; todavia sua condição
intelectual é defeituosa de alguma forma. Ele apresenta algum tipo de
deficiência, falha, uma disfunção intelectual de algum tipo. Talvez ele é como
alguém que tem astigmatismo, ou é excessivamente desajeitado, ou sofre de
artrite.
E talvez a objeção do evidenciaista deve ser
construída, não como a alegação de que o teísta sem evidências violou alguma
obrigação intelectual, mas que ele sofre de algum tipo de deficiência
intelectual. O teísta sem evidência, poderíamos dizer, é um manco intelectual.
Alternativamente, mas similarmente, a idéia pode
ser que o teísta sem evidência está sob algum tipo de ilusão, um tipo de ilusão
difundida que aflige a maior parte da raça humana a maior parte do tempo até
então. Dessa formaFreud via a crença religiosa como “ilusões, satisfação dos mais
antigos, fortes, e insistentes desejos da raça humana.”[4] Ele vê a crença
teísta como uma questão de satisfação de desejo. Os homens estão paralisados e
aterrorizados pelo espetáculo das imponentes e impessoais forças que controlam
nosso destino, mas não se dão conta disso, não compreendem a nós e nossos
desejos e necessidades; eles, portanto, inventam um pai celeste de proporções
cósmicas, que excede nosso pai terreno em bondade e amor como também em poder.
A religião, diz Freud, é “a neurose obsessiva universal da humanidade”, e está
destinada a desaparecer quando os seres humanos encararem a realidade como ela
é, resistindo à tendência de editá-la para comportar nossos anseios.
Um sentimento similar é apresentado por Karl Marx:
Religião… é a auto-consciência e o auto-sentimento
do homem que ou ainda não se encontrou, ou (após ter se encontrado) se perdeu
novamente. Mas o homem não é um ser abstrato… O Homem é o mundo dos homens, o
Estado, a sociedade. Esse Estado, essa sociedade, produzem religião, produzem
uma consciência mundial pervertida, porque eles são um mundo pervertido… A
religião é o suspiro da criatura oprimida, os sentimentos de um mundo sem
coração, assim como é o espírito de condições não espirituais. É o ópio do
povo. A abolição da religião como felicidade ilusória do povo é necessária para
sua felicidade real. A necessidade de abrir mão das ilusões sobre sua condição
é a necessidade de abrir mão de uma condição que precisa de ilusões [5]
Observe que Marx fala de uma consciência mundial pervertida
produzida por um mundo pervertido. Essa é uma perversão de uma condição
natural, direita ou correta, trazida à tona por uma ordem social pervertida e
doente. Do ponto de vista de Marx e Freud, o teísta está sujeito à um tipo de
disfunção cognitiva, uma certa falta de saúde cognitiva e emocional. Poderíamos
colocar dessa forma: o teísta acredita como acredita somente devido ao poder
dessa ilusão, dessa condição neurótica pervertida. Ele é insano, no sentido
etimológico do termo: ele não é saudável. Seu equipamento cognitivo, pode-se
dizer, não funciona apropriadamente; não funciona como deveria. Se seu
equipamento cognitivo estivesse funcionando apropriadamente, funcionando da
forma que deveria funcionar, ele não deveria estar sob o encanto de tal ilusão.
Ao invés, ele encararia o mundo com a noção de que estamos sozinhos aqui, e que
qualquer conforto e ajuda que ele tiver deve partir de nós mesmos. Não há
nenhum Pai no céu para nos confortar, e nenhuma perspectiva de nada, depois da
morte, apenas dissolução. (”Quando morremos, apodrecemos”, diz Michael Scriven,
em uma de suas falas memoráveis.)
Agora é claro que o teísta não mostrará muito
entusiasmo com a idéia de que sofre de uma deficiência cognitiva, está sob
algum tipo de ilusão coletiva endêmica à condição humana. É no máximo um ou
dois teólogos liberais, interessados em novidades e ansiosos em se abrir tanto
quanto possível ao secularismo contemporâneo, que abraçariam tal idéia. O
teísta não se vê sofrendo de uma deficiência cognitiva. De fato, ele pode estar
propenso a ver a coisa de maneira inversa; ele pode estar propenso a ver o ateu
como quem está sofrendo de alguma ilusão, de algum defeito noético, de uma
condição não natural, infeliz e desgraçada com consequências noéticas
deploráveis. Ele verá o ateu como, de alguma forma, vitíma do pecado desse
mundo - seu próprio pecado ou o pecado dos outros. De acordo com o livro de
Romanos, a descrença é resultado do pecado; ela se origina num esforço de
“suprimir a verdade em injustiça”. De acordo com João Calvino, Deus nos criou
com uma tendência a ver Sua mão no mundo ao nosso redor; “um sentimento de
divindade”, ele diz, “está escrito no coração de todos”. Ele continua:
De fato, a perversidade do ímpio, que embora se
debata furiosamente não consegue se livrar do temor de Deus, é testemunho
abundante de sua convicção de que há um Deus, essa convicção é inata a todos e
fixada profundamente em nós, como se estivesse na nossa essência… Disso nós
concluímos que isso não é uma doutrina que deve ser primeiro aprendida no
colégio, mas uma que cada um de nós traz desde o ventre materno e que a
natureza não permite com que esqueçamos. [6]
Se não fosse pela existência do pecado no mundo,
diz Calvino, os seres humanos acreditariam em Deus todos da mesma forma e com a
mesma espontaneidade natural demonstrada na nossa crença na existência de
outras pessoas, ou de um mundo externo, ou do passado. Essa é a condição
natural do homem; é devido a nossa presente condição pecaminosa não natural que
muitos de nós achamos a crença em Deus difícil ou absurda.
O fato é, Calvino acredita, que alguém que não crê
em Deus está numa posição epistemicamente defeituosa - como alguém que não
acredita que sua esposa existe, ou pensa que ela é um robô construído que não
tem pensamentos, sentimentos, ou consciência. Assim o crente reverte Freud e
Marx, alegando que o que eles vêm como doença na verdade é saúde e o que eles
vêm como saúde na verdade é doença.
Obviamente, a disputa aqui é ultimamente
ontológica, ou teológica, ou metafísica; aqui vemos as raízes religiosas e
ontológicas de discussões epistemológicas sobre a realidade. O que você crê ser
racional depende de sua posição metafísica e religiosa. Depende de sua
antropologia filosófica. Sua visão sobre que tipo de criatura é um ser humano
vai determinar, no todo ou em parte, suas visões sobre o que é racional ou
irracional para os seres humanos crerem; essa visão vai determinar o que você
acha ser natural ou normal ou saudável em relação à crença. Então a disputa
sobre quem é racional e quem é irracional aqui não pode ser resolvida com
considerações epistemológicas; não é uma disputa fundamentalmente
epistemológica, mas sim ontológica ou teológica. Como podemos dizer o que é
saudável para os seres humanos crerem a menos que saibamos ou tenhamos alguma
idéia sobre que tipo de criatura nós somos? Se você acha que ele é criado por
Deus à imagem de Deus, e criado com uma tendência natural de ver a mão de Deus
no mundo ao nosso redor, uma tendência natural de reconhecer que ele foi criado
e é observado pelo seu criador, devendo à Ele adoração e obediência, então é
claro que você não vai ver a crença em Deus como manifestação de satisfação de
desejo ou como algum tipo de defeito. É muito mais como memória ou percepção
sensorial, embora de algumas formas muito mais importantes.
Por outro lado, se você vê os seres humanos como
produto de forças evolucionistas cegas, se você acha que não há Deus e que os
seres humanos são parte de um universo sem divindade, então você estará
propenso a aceitar a visão de acordo com a qual a crença em Deus é algum tipo
de doença ou disfunção, devido talvez, à algum tipo de problema cerebral.
Então a disputa sobre quem é saudável e quem é
doente tem raízes teológicas ou ontológicas, e deve ser estabelecida nesse
nível. E aqui eu gostaria de apresentar uma consideração que, eu penso que
favorece a forma teísta de encarar a questão. Como eu tenho falado, tanto
teístas quanto ateístas falam de alguma forma de disfunção, de faculdades
cognitivas ou equipamentos cognitivos que não funcionam apropriadamente, não
funcionam como deveriam. Mas como deveríamos entender isso? O que é funcionar
apropriadamente? Não é um tanto quanto problemática essa idéia de funcionamento
apropriado? O que é para as faculdades cognitivas um funcionamento apropriado?
O que é para um organismo natural - uma árvore, por exemplo - funcionamento
apropriado? Funcionamento apropriado não é algo relativo aos nossos objetivos e
interesses? Uma vaca está funcionando apropriadamente quando dá leite; um
jardim está como deve estar quando apresenta uma preponderância exuberante do
tipo de vegetação que nós nos propomos a desenvolver. Mas então parece evidente
que o que constitui funcionamento apropriado depende de nossos objetivos e
interesses. Até onde a natureza em si segue o seu curso, um peixe que se
decompõe em uma montanha de salmoura não está funcionando tão apropriadamente,
de maneira tão excelente, quanto um peixe que esteja nadando feliz ao redor
caçando peixinhos? Mas então o que significa falar de “funcionamento
apropriado” em relação às nossas faculdades cognitivas?
Uma parte da realidade - um organismo, parte de um
organismo, um ecossistema, um jardim - “funciona apropriadamente” somente em
relação à algum tipo de regra que nós impomos sobre a natureza - uma regra que
incorpora nossos objetivos e desejos.
Mas de um ponto de vista teísta, a idéia de
funcionamento apropriado, aplicada à nós e ao nosso equipamento cognitivo, não
é mais problemática do que, vamos dizer, a idéia do funcionamento apropriado de
um Boeing 747. Algo que construímos - um sistema de aquecimento, uma corda, um
acelerador linear - está funcionando apropriadamente quando está funcionando na
maneira que foi projetado para funcionar. Meu carro funciona apropriadamente se
funciona do jeito que foi projetado para funcionar. Meu refrigerador está
funcionando apropriadamente quando refrigera, se faz o que um refrigerador foi
projetado para fazer. Isso, eu penso, é a raiz da idéia de funcionamento
apropriado. Mas de acordo com o teísmo, os seres humanos, como cordas e
aceleradores lineares, foram projetados; eles foram criados e projetados por
Deus. Assim, ele tem uma resposta fácil para um conjunto relevante de
perguntas: O que é funcionamento apropriado? O que é para minhas faculdades
cognitivas o funcionamento apropriado? O que é disfunção cognitiva? O que é
funcionamento natural? Minhas faculdades cognitivas estão funcionando
naturalmente, quando estão funcionando da maneira que Deus as projetou para
funcionar.
Por outro lado, se o objetor evidencialista
ateológico alega que o teísta sem evidência é irracional, e se ele constrói a
irracionalidade em termos de defeito ou disfunção, então ele nos deve uma
explicação dessa noção. Por que ele alega que o teísta é disfuncional, pelo
menos nessa área da vida? Mais importante, como ele compreende a disfunção?
Como ele vê a disfunção e seu oposto? Como ele explica a idéia do funcionamento
apropriado de um organismo, ou de algum sistema orgânico ou parte de um
organismo? Que explicação ele dá?
Presumivelmente, ele não pode ver o funcionamento
apropriado do meu equipamento noético como este foi projetado para funcionar;
então como ele pode dizer que é disfuncional?
Duas
possibilidades vêm à mente.
Primeiro, ele pode estar pensando o funcionamento
apropriado como funcionamento na maneira que nos ajuda a alcançar nossos fins.
Dessa forma, ele pode dizer, nós pensamos que nossos corpos estão funcionando
apropriadamente e sendo saudáveis quando eles funcionam de uma maneira tal que
nos permita fazer o tipo de coisas que queremos fazer. Mas, é claro, isso não
será muito promissor no contexto presente; pois apesar de o objetor ateológico
preferir ver o funcionamento de nossas faculdades cognitivas de uma maneira que
não produza a crença em Deus, o mesmo não pode ser dito, naturalmente, para o
teísta. Encarada desta forma, a objeção ateológica do evidencialista não passa
da sugestão de que o ateólogo preferiria que as pessoas não acreditassem em
Deus sem evidências. Isso seria uma observação autobiográfica da parte dele,
tendo o interesse que tais observações têm em contextos filosóficos.
Uma segunda possibilidade: funcionamento apropriado
e noções similares devem ser explicadas em termos de aptidão para promover
sobrevivência, seja no nível individual ou de espécies. Não há tempo para dizer
muito sobre isso aqui; mas é no mínimo e imediatamente evidente que o objetor
ateológico nos deveria um argumento para a conclusão de que a crença em Deus é,
de fato, menos adequada para contribuir à nossa sobrevivência individual, ou à
sobrevivência de nossas espécies do que é o ateísmo ou agnosticismo. Mas como
seria tal argumento?
Certamente a expectativa de um argumento
não-circular é, de fato, desanimadora. Pois se o teísmo - teísmo Cristão, por
exemplo - é verdadeiro, então parece totalmente implausível pensar que a
disseminação do ateísmo, por exemplo, seria mais adequada para promover a
sobrevivência de nossa raça do que a disseminação do teísmo.
Conclusão:
Para concluir: uma forma natural de compreender
tais noções como racionalidade e irracionalidade é em termos de funcionamento
apropriado do equipamento cognitivo relevante. Visto desta perspectiva, a
questão de se é racional acreditar em Deus sem suporte evidencialista de outras
proposições é uma disputa metafísica ou teológica. O teísta tem facilidade em
explicar a noção de funcionamento apropriado de nosso equipamento cognitivo:
nosso equipamento cognitivo funciona apropriadamente quando funciona da maneira
que Deus projetou para funcionar. O objetor evidencialista ateísta, entretanto,
nos deve uma explicação dessa noção. O que ele quer dizer quando reclama que o
teísta sem evidência apresenta um defeito cognitivo de algum tipo? Como ele
entende a noção de mal funcionamento cognitivo?
NOTAS
[1]W.K. Clifford, “The Ethics of Belief,” in
Lectures and Essays (London: Macmillan, 1879), p. 183.
[2]Ibid, p. 184.
[3]Ibid, p. 186.
[4]Sigmund Freud, The Future of an Illusion (New
York: Norton, 1961), p. 30.
[5]K. Marx and F. Engels, Collected Works, vol. 3:
Introduction to a Critique of the Hegelian Philosophy of Right, by Karl Marx
(London: Lawrence & Wishart, 1975).
[6]John Calvin, Institutes of the Christian
Religion, trans. Ford Lewis Battles (Philadelphia: Westminster Press, 1960),
1.3 (p. 43- 44).
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