Wolfhart Pannenberg é um dos maiores teólogos
protestantes do mundo. Professor de Teologia Sistemática na Universidade de
Munique. Nesse artigo ele fala sobre como se deve pensar a questão do
secularismo. Ferrenho defensor da aliança entre fé cristã e razão e opositor
dos teólogos que desprezam o valor da história para a fé cristã. Ele afirma,
entre outras coisas, que o cristão não deve temer a investigação crítica mas
sim incentivá-la, visto que se a fé cristã é verdadeira nenhuma investigação
crítica poderá derrubá-la a não ser por visões de mundo que pressupõe
príncipios necessariamente hostis à fé Cristã que muitos teólogos adotam.
Excelente artigo não só para teólogos mas para qualquer cristão culturalmente
engajado.
Tradução: Vitor Grando
O que quer que se queira dizer com secularização,
poucos questionariam que nesse século a cultura pública se tornou menos
religiosa. Isso não é apenas, como alguns sugerem, simplesmente o resultado da
separação entre igreja e estado que aconteceu primeiramente há aproximadamente
dois séculos antes. Tal separação não acarretou a alienação da cultura de suas
raízes religiosas. Na América, por exemplo, o fim da religião estabelecida pelo
estado não significou o fim do caráter predominantemente Cristão e Protestante
da cultura Americana. Em outras sociedades Ocidentais, a relação entre o estado
e uma outra Igreja Cristã continuou a ser efetiva até este século. Ainda assim
nessas sociedades, também, nós vemos evidência de secularização, tipicamente
bem mais avançada do que nos Estados Unidos. Secularização não é causada pela
separação entre igreja e estado. As raízes do processo de secularização, que
fez com que a cultura pública se alienasse da religião, e especialmente do
Cristianismo, estão enraizadas no século dezessete.
O clima público de secularimo enfraquece a
confiança dos Cristãos na verdade do que eles crêem. Em A Rumour of Angels
(1969), Peter L. Berger descreve os crentes como uma “minoria cognitiva” cujos
padrões de conhecimento se desviam do que é publicamente aceito. Berger
escreveu sobre “estruturas de plausibilidade”. As pessoas precisam do apoio
social para se assegurar que um certo relato da realidade é plausível. Quando
tal apoio é enfraquecido, as pessoas precisam reunir uma forte determinação
pessoal para que possa manter crenças que estão em desacordo com as crenças dos
outros ao seu redor. “É possível, é claro, ir contra o consenso social que nos
cerca,” Berger nota, “mas existem poderosas pressões sociais (que se manifestam
como pressões psicológicas dentro de nossas consciências) que nos fazem nos
conformar com as visões e crenças de nossos próximos.” Essa é precisamente a
experiência de Cristãos vivendo numa cultura dominantemente secular.
Num ambiente secular, mesmo um conhecimento
elementar do Cristianismo – sua história, ensinamentos, textos sagrados, e
figuras formativas – se enfraquece. Não é mais uma questão de rejeitar os
ensinamentos Cristãos; um enorme número de pessoas sequer tem o mais vago
conhecimento de quais ensinos são esses. Isso é uma desenvolvimento notório
quando considera-se quão fundamental o Cristianismo é para toda a história da
cultura Ocidental. Quanto mais ampla for a ignorância em relação ao
Cristianismo, maior será o preconceito contra o Cristianismo. Assim, pessoas
que não sabem nem a diferença em Saulo de Tarso e João Calvino acham que tem
toda certeza de que o Cristianismo foi provado como uma religião de opressão.
Quando tais pessoas se interessam por religião ou “espiritualidade” – sendo
esse interesse uma reação natural à superficialidade da cultura secular – elas
frequentemente não se voltarão para o Cristianismo, mas sim para “religiões
alternativas”.
Nessa circunstância cultural, não é fácil comunicar
a mensagem Cristã. A dificuldade é exacerbada pela relativização cultural da
própria idéia de verdade. Isso difere significativamente do secularismo
Iluminista. Os pensadores secularistas do Iluminismo desafiaram os Cristãos a
justificar suas afirmações de verdade por meio de argumentos racionais ao invés
de simplesmente apelar para a autoridade religiosa. Mas ambos, Cristãos e seus
oponentes criam que havia uma verdade sobre as questões em disputa. Isso não é
mais crido hoje. Na visão de muitos, incluindo muitos Cristãos, as doutrinas
Cristãs são mera questão de opinião que podem ou não ser afirmadas de acordo
com as preferências do indivíduo, ou dependendo de se elas falam diretamente a
desejos pessoais.
A dissolução da ideia de verdade – de verdade que
não precisa da minha aprovação para ser verdade – debilita severamente o
entendimento Cristão de evangelização ou missão. Proclamação missionária
antigamente era entendida como levar a verdade aos outros, e era tanto legitima
como extremamente importante. Para muitos hoje, a empreitada missionária é uma
questão de impor nossas preferências pessoas e preconceitos culturalmente
condicionados sobre os outros, e é, portanto não só ilegítima como moralmente
ofensiva. Além das questões de missões, devemos nos perguntar por que as
pessoas deveriam aceitar a fé Cristã a menos que elas acreditem que o
ensinamento apostólico é verdadeiro. Mais precisamente, hoje a questão é se tem
sentido afirmar que o ensinamento Cristão é verdadeiro. A ideia de verdade é
absolutamente vital para a fé Cristã. A destruição dessa ideia é a chave para
legitimação da cultura secular, visto que a ideia da verdade toca na maior
vulnerabilidade do secularismo.
Fontes:
How To Think About Secularism - Wolfhart Pannenberg
– LeaderU
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