por Vincent Cheung
INTRODUÇÃO
Alguém recentemente me escreveu e me perguntou
sobre a linguagem áspera que eu algumas vezes uso, quando me referindo aos
não-cristãos. Especificamente, ele perguntou sobre a propriedade de se dirigir
a um incrédulo com injúrias bíblicas. Embora eu já tenha tratado deste tópico
em vários lugares nos meus escritos, eu penso que será útil compartilhar com
meus leitores a minha resposta a este inquiridor.
Visto que meu propósito é ajudar no entendimento e
não preservar a pergunta e resposta em sua forma original, eu editei a pergunta
e expandi a resposta. [1] A pergunta serve para fornecer um contexto com o qual
a resposta possa interagir. E, visto que a pergunta e a resposta não mais
possuem sua forma original, observe que o “você” na porção da resposta não mais
se dirige ao inquiridor original.
PERGUNTA
Eu li algumas de suas obras e tenho que confessar
que eu nunca tinha considerado verdadeiramente a apologética e a mente de
Cristo desta forma –– que a “sabedoria” dos incrédulos é totalmente imbecil e
tola, e completamente irracional. Eu concordo totalmente com todas suas
conclusões. Contudo, esta é a melhor maneira de lhes dizer isto, com palavras
como “idiota”, “fezes intelectuais” e assim por diante? Eu queria entender como
você interpreta 1 Pedro 3:15 e Colossenses 4:5-6 à luz da forma como você
debate com os não-crentes.
RESPOSTA
Primeiro, devemos considerar se as descrições são
bíblicas. Você disse que já concorda comigo nisto, assim, não preciso gastar
tempo estabelecendo isto aqui, embora eu ainda darei alguma atenção à várias
palavras específicas abaixo.
Então, sua pergunta torna-se se devemos contar aos
incrédulos o que a Bíblia diz sobre eles. Mas a pergunta mais apropriada é se
temos qualquer justificação bíblica para dizer que devemos ocultar certas verdades
dos incrédulos. Minha posição é que, ao invés de esconder qualquer verdade
bíblica dos incrédulos, devemos perfeitamente desvelar, expor e aplicar a eles
tudo o que a Escritura ensina.
Considere os profetas, os apóstolos e o próprio
Cristo. Todos eles usaram palavras muito pesadas e até mesmo injuriosas para
criticar os pecadores endurecidos. Provavelmente o único contra-argumento que
eu já tenha ouvido sobre este ponto é que eles foram as exceções infalíveis.
Bem! Certamente isto é conveniente. Mas, por que eles foram as exceções nesta
área? Por que se requer infabilidade para usar palavras duras? E, por que eles
foram as exceções somente quando se trata de palavras duras e não quando se
trata de palavras agradáveis? Não, eu me recuso a aceitar a mera opinião ou
especulação sobre isto; eu exijo uma resposta bíblica e exegética.
O princípio deles parece ser que, sempre que você
encontrar certas coisas na Bíblia que você não aprove, ou que você não deseje
praticar, chame-as simplesmente de “exceções”. O elemento grosseiramente
anti-cristão em seu uso da Escritura é que, não somente eles dizem que os
profetas, os apóstolos e Cristo foram exceções no sentido de que eu não tenho o
direito de criar estas injúrias, mas que eu nem mesmo tenho o direito de aplicar
ou repetir as mesmas injúrias que eles usaram ao mesmo tipo de pessoas a quem
eles usaram.
1 Pedro 3:15
Certamente, 1 Pedro 3:15 é frequentemente usado
para afirmar que devemos ser “legais” quando fazendo apologética. O verso diz,
“Antes, santifiquem Cristo como Senhor em seu coração. Estejam sempre
preparados para responder a qualquer pessoa que lhes pedir a razão da esperança
que há em vocês. Contudo, façam isso com mansidão e respeito...” [NVI]. Mas, o
que significa fazer apologética com “mansidão e respeito”? Significa o que os
incrédulos nos dizem que significa? Significa ser não-ofensivo,
não-confrontante, não-ameaçador e falar de uma maneira suave e tímida? Ou
significa explicar e demonstrar infalivelmente, através das palavras e exemplos
dos profetas, dos apóstolos e do próprio Cristo? Não deveríamos assumir que o
apóstolo está se referindo ao que os incrédulos consideram ser mansidão e
respeito; antes, devemos prestar muita atenção ao contexto do versículo.
O contexto deste verso é principalmente sobre
cristãos que estão enfrentando perseguição e interrogação pelas autoridades
(oficiais do governo, senhores, etc.); ele não trata diretamente da pregação
pública ou do discurso ordinário entre pessoas. Matthew Henry escreve que o
verso está se referindo ao “temor de Deus” e a “reverência aos nossos
superiores”. [2] Realmente, quando lemos os Atos dos Apóstolos, vemos que os
discípulos eram frequentemente mais delicados quando se defendendo diante dos
oficiais do governo. Mesmo assim, Jesus chamou Herodes de “aquela raposa”
(Lucas 13:32). Há um exemplo mais detalhado a partir de Paulo, em
Atos 23:
(3) Então Paulo lhe disse: “Deus te ferirá, parede
branqueada! Estás aí sentado para me julgar conforme a lei, mas contra a lei me
mandas ferir?
(4) Os que estavam perto de Paulo disseram: “Você
ousa insultar o sumo sacerdote de Deus?”
(5) Paulo respondeu, “Irmãos, eu não sabia que ele
era o sumo sacerdote, pois está escrito: 'Não fale mal de autoridade do seu
povo'”.
Observe que Paulo disse, “Deus te ferirá” e “parede
branqueada”. Ele essencialmente amaldiçoou a pessoa em nome de Deus e a chamou
de hipócrita e um quebrador da lei, na sua cara. Mas então, em relação ao que
eu disse sobre o contexto de 1 Pedro 3:15, quando Paulo descobre que ele estava
falando com o sumo sacerdote, ele implica que não teria dito o que disse se
soubesse (v. 5).
Assim, o verso 3 ilustra que minha atitude para com
os incrédulos é similar a de Paulo, e os versos 4-5 ilustram que meu
entendimento de 1 Pedro 3:15 é consistente com Pedro e Paulo. O modo como meus
críticos e muitos outros crentes distorcem 1 Pedro 3:15 faz com que Pedro
condene Paulo sobre o verso 3 [de Atos 23]. Por outro lado, meu entendimento de
1 Pedro 3:15 significa que Paulo não contradiz necessariamente 1 Pedro 3:15 no
verso 3 (visto que ele não sabia que estava falando com o sumo sacerdote), e
ele mesmo indica que concorda com 1 Pedro 3:15 nos versos 4 e 5.
Agora, suponho que meus críticos me desaprovarão se
eu for alguém que diga algo semelhante ao que Paulo disse no verso 3. Todavia,
aqui está ele –– o próprio Paulo o fez. Mas, certamente, Paulo era uma exceção,
não era? Mas a exceção ao que? A exceção à “mansidão e respeito”? Se meus
críticos devem usar 1 Pedro 3:15 contra mim, e então chamar aos profetas, aos apóstolos
e a Cristo de exceções, então, eles devem afirmar também que os profetas, os
apóstolos e o próprio Cristo foram exceções à mansidão e respeito em numerosas
ocasiões, e que naqueles casos, eles não mostraram nenhuma mansidão e nenhum
respeito.
Colossenses
4:5-6
Com respeito a Colossenses 4:5-6, não há nada sobre
estes versos que contradiga a minha atitude. Lemos os versos da seguinte forma:
“Sejam sábios no procedimento para com os de fora; aproveitem ao máximo todas
as oportunidades. O seu falar seja sempre cheio de graça e temperado com sal,
para que saibam como responder a cada um” [NVI].
Meus críticos falsamente aplicam estes versos
contra minha atitude. Eles assumem que usar injúrias contra os incrédulos não é
agir sabiamente para com os de fora, e é falar sem graça e sem sal. Mas, qual é
a “sabedoria” a qual eles se referem aqui? Qual é a “graça” e qual é o “sal”?
Por que estas coisas significam o que os meus críticos dizem que significam ––
isto é, ser “legal”, falar suavemente, delicadamente, sem insultos, sem
ofensas, sem críticas e assim por diante? O que a Bíblia quer dizer por estas
palavras, e neste contexto?
Matthew Henry escreve, “Graça é o sal que tempera o
nosso discurso, o faz saboroso, e o guarda da corrupção” [3] Ele parece pensar
que a passagem está enfatizando a qualidade ou pureza moral das nossas
conversas, mesmo que outras coisas estejam implicadas. Assim, antes de apenas
assumir que Paulo está dizendo aqui o que eles querem que ele diga, meus
críticos deveriam oferecer ao menos um argumento exegético básico antes de
fazerem acusações.
Em todo caso, se a instrução para “ser sábio” e
falar com “graça” e “sal” contradiz minha atitude, então, ela também contradiz
os profetas, os apóstolos e o próprio Cristo. Certamente, meus críticos dirão
que eles foram as exceções. Mas, as exceções ao que? As exceções à “graça” e
“sal”? As exceções para “serem sábios”? Assim, eles estão dizendo que Cristo
falava algumas vezes sem graça e sem sal? E, eles estão chamando Cristo de
estúpido, que Ele algumas vezes se comportava tolamente para com os de fora? Eu
exijo que eles olhem para o céu e repitam esta blasfêmia diante da face de
Deus, antes de aplicar estes versos contra mim.
Em contraste, eu não blasfemo e nem desejo fazê-lo.
Eu afirmo que Cristo foi consistentemente sábio em Sua conduta e conversa, e
que Ele sempre falava com graça e sal, e que Ele sempre manteve uma atitude que
era agradável a Deus. Eu diria que meus críticos têm imposto sobre a Escritura
suas próprias definições anti-bíblicas destas palavras e conceitos, e então, ao
menos indiretamente, blasfemam contra Cristo e diretamente me difamam. [3] Por
isso, eu os acuso de pecado e urgo que se arrependam. Eu pleiteio com eles para
que parem de desafiar a Palavra de Deus, e condeno aqueles que os seguem,
adotando o método e o tom bíblico na proclamação e defesa do evangelho contra
os incrédulos.
Idiotas e
Fezes
Com respeito a “idiota” e “fezes”, até estas são
palavras bíblicas. A palavra “idiota” é derivada da palavra grega moros. Paulo
usa-a em Romanos 1:22. Ali a palavra é traduzida por “loucos”, mas certamente
significa a mesma coisa que “idiotas”, e deveras poderia ter sido traduzida
facilmente e corretamente por tal. Com respeito a “fezes”, Paulo usa a palavra
que é traduzida por “estrume” ou “refugo” para se referir a sua vida anterior
como um incrédulo, em Filipenses 3:8. O léxico de Thayer explica que a palavra
pode se referir a “qualquer refugo, como o excremento dos animais”. Tanto o
significado desta palavra como os contextos nos quais ela aparece, concordam
com o modo como a uso contra os incrédulos.
Em adição, se “idiota” e “fezes” são tão ruins,
porque chamamos os incrédulos de “pecadores”, e os chamamos de “pecaminosos” e
“ímpios”? Mesmo meus críticos usam estas palavras quando pregam o evangelho e
quando falam aos incrédulos. As passagens bíblicas de 1 Pedro 3:15 e
Colossenses 4:5-6 subitamente deixaram de ser aplicadas? Os meus críticos são
exceções infalíveis também? E o que dizer da palavra “depravação” e
“adultério”? São estas palavras cheias de “graça” e “sal”? E sobre dizer a
alguém que o aborto é “assassinato”? Você pensa que estas palavras não são
ofensivas aos incrédulos? Você pensa que eles preferem ser chamados de
“assassinos” do que de “idiotas”?
Aqui chegamos à questão real –– alguns cristãos
discordam do meu uso de injúrias principalmente porque elas as ofendem, e não
porque elas são anti-bíblicas (eu já mostrei que elas são bíblicas) e nem mesmo
porque elas ofendem os incrédulos (todos os ensinamentos bíblicos ofendem aos
incrédulos, de qualquer jeito). E estes cristãos são ofendidos porque suas
mentes não foram ensinadas e renovadas nesta área, de forma que seus padrões
ainda são muito parecidos com aqueles dos incrédulos; portanto, eles ficam
ofendidos pelas mesmas coisas que ofendem os incrédulos. Outra possibilidade é
que pelo menos alguns destes críticos ainda são inconversos, e visto que sua
prioridade ainda é a dignidade do homem e não a glória de Deus, então,
certamente, eles ficam ofendidos.
Porque meus críticos têm imposto suas próprias
definições destas palavras na Escritura, eles têm criado para si mesmos
numerosos problemas e contradições teológicas, e nós já mencionamos suas
difamações e blasfêmias. Por outro lado, eu tenho reverência suficiente a Deus
para permitir que a Escritura interprete a si mesma; portanto, afirmo que usar
estas palavras bíblicas (idiotas, fezes, pecadores, adúlteros, assassinos,
etc.) nos contextos similares àqueles nos quais elas aparecem na Escritura,
está de completo acordo com 1 Pedro 3:15, Colossenses 4:5-6, e todas as outras
passagens relacionadas.
De acordo com a Escritura, um incrédulo não é nada
além de uma matéria fecal espiritual e intelectual. Por que você acha que eles
precisam se converter? Por que você acha que eles são impotentes aparte da
graça soberana de Deus?
CONCLUSÃO
Sob condições biblicamente aprovadas, estamos
autorizados, e algumas vezes até mesmos sob obrigação, a usar injúrias bíblicas
contra incrédulos e heréticos. Nós não os chamamos de “idiotas” ou “fezes” a
partir de rancores pessoais, mas para proclamar o que a Escritura diz sobre
eles, e para declarar-lhes que eles não são as pessoas racionais e decentes que
eles imaginam ser.
Um idiota com um outro nome ainda é um idiota, e
não há realmente razão para usar outras palavras e expressões, a menos para
esconder nosso verdadeiro propósito e reduzir a ofensa da mensagem bíblica.
Mas, que razão perversa é obscurecer os ensinamentos bíblicos! A verdade é que
os críticos desta atitude são pobres intérpretes da Escritura, compromissados
com o mundo, e traidores de Cristo e de Sua causa. Eles desprezam o que Cristo
aprovou e praticou. Eu não ouso e nem desejo desprezar o meu Senhor, mas um dia
eu esmagarei os Seus críticos.
Meus críticos selecionam passagens bíblicas
contendo palavras que eles pensam concordar com o que eles já consideraram como
a atitude correta na apologética (isto é, não ofensiva, discurso socialmente
polido), arrancam-nas dos seus contextos originais, e tentam me sobrepujar com
elas. Seu ensino nesta área está deveras muito impregnado no pensamento de
muitos crentes, e exigirá algum esforço deliberado para muitos redescobrirem o
modo bíblico de pensar e falar. Em dias em que tudo sobre Cristianismo está
sendo diluído a nada, eu apelo para todos os crentes redescobrirem os usos
apropriados das injúrias bíblicas, e a aprenderem como integrá-las num sistema
fiel e eficaz de teologia e apologética bíblica.
Eu entendo que minha posição sobre este assunto é
impopular, mas é deveras bíblica, e o que é bíblico frequentemente é impopular.
Embora eu seja frequentemente criticado sobre isto, não me envergonho das
expressões e descrições bíblicas, e rejeitaria absolutamente me mover, nem que
seja uma só polegada, neste assunto. É o dever do crente examinar
cuidadosamente o que lhe tem sido ensinado sobre este assunto, e reconsiderar
os contextos dos versos tradicionalmente usados para se opor às injúrias
empregadas pelos profetas, pelos apóstolos, pelo Senhor Jesus, pelos
Reformadores, as quais eu agora uso.
Além do mais, é importante notar que eu tento usar
palavras e insultos ásperos somente em contextos similares nos quais a
Escritura as usam. Mas, ao aceitar o padrão não-cristão de propriedade social e
ao distorcer várias passagens bíblicas, muitos cristãos chegaram à conclusão
que esta atitude nunca deve ser usada sob qualquer contexto, e, então, eles
indiretamente (mas certamente) condenam os profetas, os apóstolos, e o próprio
Cristo, e em assim fazendo, eles realmente se condenam.
A verdade é que, quando eu chamo alguém de idiota,
eu ao menos o poupo momentaneamente do pior insulto de todos, um insulto que
representa tudo o que é estúpido, mal, imundo e vil, e que fala de alguém que
não tem esperança de melhorar e nenhuma chance de escapar do fogo eterno do
inferno, exceto pela graça soberana de Deus. Certamente estou me referindo ao
nome “não-cristão”. E, uma vez que já usamos o maior de todos os insultos, o
resto são apenas cumprimentos.
NOTAS:
[1] - Todavia, a resposta não representa uma
exposição bíblica completa sobre o assunto. Para maior informação, veja Vincent
Cheung, Systematic Theology, Ultimate Questions, Presuppositional
Confrontations, Apologetics in Conversation, Commentary on Ephesians, e
“Professional Morons”; Douglas Wilson, The Serrated Edge: A Brief Defense of
Biblical Satire and Trinitarian Skylarking (Canon Press, 2003); Robert A.
Morey, “And God Mocked Them” (audio); e James E. Adams, War Psalms of the
Prince of Peace: Lessons From the Imprecatory Psalms (Presbyterian and Reformed
Publishing Company, 1991). [voltar]
[2] - Matthew Henry, Matthew Henry's Commentary on
the Whole Bible (Hendrickson Publishers, Inc., 1991). [voltar]
[3] - Ibid. [voltar]
[4] - Estes críticos também difamam os
Reformadores, os quais, à serviço de Deus e da Igreja, tão fielmente e
eficazmente empregaram injúrias contra incrédulos e heréticos. Você pensa que
eles eram ignorantes com respeito a 1 Pedro 3:15 e Colossenses 4:5-6? Não, eles
conheciam essas passagens, e escreveram sermões e exposições sobre estes
versos. Mas, diferentemente dos meus críticos, eles também conheciam os contextos
e as aplicações apropriadas destes versos, e eles conheciam também o restante
da Bíblia.
Nota sobre o autor: Vincent Cheung é o presidente
da Reformation Ministries International [Ministério Reformado Internacional].
Ele é o autor de mais de vinte livros e centenas de palestras sobre uma vasta
gama de tópicos na teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através
dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender,
proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica como um sistema de
pensamento compreensivo e coerente, revelado por Deus na Escritura. Ele e sua
esposa, Denise, residem em Boston, Massachusetts.
Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
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