sábado, 3 de outubro de 2015

A ciência vai matar Deus?

Este é o título estampado em letras garrafais vermelhas sobre fundo preto na capa da última edição da revista Época (13/11). Mais sensacionalista impossível. Mais vendedor, difícil (eu mesmo comprei um exemplar, quando vinha de São Paulo para Tatuí, sábado à noite). Mas a matéria até me trouxe certa surpresa, pelo fato de, em certos momentos, apresentar argumentos contra o ateísmo militante, que é o foco da reportagem de Alexandre Mansur e Luciana Vicária.

A matéria intitulada “A igreja dos novos ateus” trata da cruzada de um grupo de cientistas contra a fé e a influência de Deus na vida moderna – o maior objetivo desse pessoal é fazer os agnósticos, gente que alimenta dúvidas sobre Deus, assumir o ateísmo. Isso é que é proselitismo!

“Os novos ateus condenam não apenas a crença em Deus, mas também o respeito pela crença em Deus. Segundo eles, a religião não está apenas errada. Ela é perversa.” Esse acesso de sentimento antidemocrático e intolerante é também fortemente falto de memória. Há ateus que argumentam que a religião foi responsável pela morte de muitas pessoas, como ocorreu de fato nos tempos da Inquisição católica. No entanto, é bom destacar que enquanto os tribunais do “Santo” Ofício levaram à morte cerca de três mil pessoas, ideologias materialistas promovidas por Hitler, Stalin, Pol Pot e outros foram responsáveis pelo extermínio de mais de 100 milhões.

De acordo com a Associação Americana dos Livreiros, em 2005 as obras que se enquadram na categoria “céticos e ateus” registraram o maior crescimento da História e o segundo maior entre os gêneros catalogados. Grande impulso a essa avalanche atéia tem sido dado por três autores em especial: o zoólogo Richard Dawkins (aquele que se recusa a debater com criacionistas), o neurocientista Sam Harris e o filósofo Daniel Dennett. Segundo Época, cientistas como eles comparam os ateus de hoje aos homossexuais na década de 70. “Havia muitos, mas eles não ‘saíam do armário’, por medo do preconceito.”

Que bom que Época menciona o preconceito, assim se pode recordar outra ação discriminatória ocorrida em 1990. Naquele ano, a revista Scientific American pediu a um divulgador científico, Forrest Mims, que escrevesse vários artigos para a coluna “Cientista amador”. A “Cientista amador” trata de tópicos tais como medição do comprimento de raios de tempestade, construção de observatórios solares portáteis e fabricação de sismômetros caseiros para registrar movimentos telúricos – projetos divertidos para pessoas que têm a ciência como hobby. O acordo foi que, se editores e leitores gostassem dos artigos, Mims seria contratado como colaborador permanente. Os artigos experimentais foram um sucesso. Mas quando foi a Nova Iorque para uma entrevista final, perguntaram a Mims se ele acreditava na evolução. Ele respondeu que não. Acreditava mesmo era na explicação bíblica da Criação. Resultado: a revista desistiu de contratá-lo. (Cf. A Caixa Preta de Darwin, editora Jorge Zahar.)

De quem é o preconceito? Sei de muitos pesquisadores criacionistas ou que defendem veladamente a teoria do design inteligente que preferem permanecer “no armário” para não perder o emprego ou bolsas de pesquisa.

A matéria de Época aponta outro dado que, a princípio, parece promissor para os que crêem, mas que, na verdade, é preocupante: o ateísmo militante está em retrocesso – apesar dos esforços de Dawkins et al –, mas a indiferença religiosa e a ausência de Deus na vida privada estão em crescimento, o que me faz lembrar das palavras de Jesus Cristo, proferidas há quase 2 mil anos: “Quando vier o Filho do homem, achará, porventura, fé na terra?” (Lucas 18:8)


Alguns entrevistados dão seu parecer descrente sobre questões como a morte. É o caso da dentista paulista Simone Bogis, de 41 anos, que diz ter perdido a fé há quatro anos. “Quando o avô [do meu filho] morreu, muitos familiares disseram que tinha ido para o céu”, afirma. “Eu não brigo se meu filho acreditar nisso, mas preferi dizer a ele que o corpo do avô foi comido por bactérias, virou pó e que eles nunca mais se verão. Meu filho não pode ser privado da realidade”, diz.

Realidade? Como ela sabe disso? Lembre-se: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (I Coríntios 15:19).

Mais à frente, o texto afirma que a teoria darwinista “foi criticada pelos religiosos desde o início, por tirar do homem o status de ‘criado à imagem e semelhança’ de Deus, ‘rebaixando-o’ a um macaco aperfeiçoado. Nos últimos 150 anos, foi comprovada [quando?] e aprimorada. Pesquisas genéticas recentes revelam que 98,5% do DNA humano é igual ao do chimpanzé”.

Aqui Época presta um desserviço ao leitor mal informado. Pesquisas recentes, na verdade, provaram outra coisa. Artigo publicado por Mike Gene afirma que “a capacidade de ‘grudar’ dos neurônios humanos pode ter sido um fator importante porque o cérebro humano evoluiu [sic] além dos cérebros de nossos parentes [sic] primatas. Numa pesquisa comparando os genomas de humanos, chimpanzés, ratos e outros vertebrados, pesquisadores no U.S. Department of Energy’s Lawrence Berkeley National Laboratory (Berkeley Lab) e Joint Genome Institute (JGI) descobriram alto grau de diferenças genéticas incomum nas seqüências de DNA que parecem regular os genes envolvidos nas moléculas de adesão de células nervosas. A adesão celular controla muitos aspectos do desenvolvimento do cérebro, inclusive o crescimento e a estrutura, e capacita os neurônios a se conectarem com outros neurônios e proteínas apoiadoras. As diferenças nas conexões moleculares de neurônios humanos comparadas aos neurônios dos chimpanzés, ratos e outros animais, poderia ajudar a explicar por que o cérebro humano é capaz de muito mais funções cognitivas complexas.”

Num artigo publicado na edição de 3 de novembro da revista Science, Edward Rubin, diretor dos dois institutos – JGI e o Laboratório da Divisão de Genômica de Berkeley –, afirma que “uma das maiores questões em genética é quais são as seqüências de DNA nos humanos responsáveis pelas capacidades que nos distinguem do resto do reino animal”.

Bem, “então como é que fica a tal de 98,5% de semelhança entre os genomas humanos e de chimpanzés, quando o cérebro humano é capaz de capacidades cognitivas muito mais complexas?”, pergunta Enézio de Almeida Filho, coordenador do Núcleo Brasileiro de Design Inteligente. Ele diz que essa informação é“muito propalada, mas muito mal explicada cientificamente para os leigos. A menos que uma ideologia esteja imbricada nos relatos das descobertas científicas. Se for assim, não temos mais ciência qua ciência, mas naturalismo filosófico travestido de ciência. No planeta dos macacos, o homem ainda é superior! Afinal de contas, somos a única espécie a ponderar sobre a origem e evolução do Universo e das espécies.”

O texto principal da Época termina mostrando um fato irônico e interessante: “O biólogo inglês Francis Crick, que descobriu a estrutura do DNA, parecia crer que o fim das religiões seria iminente. Tanto que, em 1963, ofereceu 100 libras na Universidade de Cambridge para um concurso de ensaios. O tema: ‘O que fazer com as capelas do campus?’ O vencedor sugeria que fossem transformadas em piscinas. A resposta dos capelães foi criar outro concurso com o tema: ‘O que fazer com o Dr. Crick?’ O biólogo morreu em 2004, a tempo de ver completado o seqüenciamento do genoma humano. Mas as capelas do campus continuam lá. E Francis Collins, o cientista que coordenou o Projeto Genoma, é um dos maiores defensores da fé.”

No entanto, para mim, o que mais valeu a pena na matéria foram as “questões dos ateus” e o box com a opinião de Marcelo Cavallari. As questões são: (1) Deus existe? (2) Qual a origem da fé? (3) Como seria o mundo sem religião? Alguns comentários da reportagem:

“Os religiosos – inclusive vários cientistas – lembram que não seria possível pretender que a ciência, limitada a observar fenômenos materiais, fosse o instrumento adequado para avaliar a existência de Deus.” Fazer isso é como querer medir estrelas com fita métrica.

“Segundo Dennett, a fé cresceu e se transformou em religião porque seria útil ao homem. Por causa dela, a humanidade teria conseguido enfrentar doenças, criar colaboração e estruturar a própria sociedade.” Ah, ta... Então a religião também é resultado de um processo evolutivo. Mas eu gostaria de saber em que momento um amontoado de moléculas sem sentimentos desenvolveu o senso moral e a intuição espiritual. De onde vêm a consciência e a moral?

Época prossegue, questionando: “Outro complicador é a falta de experimentos práticos para confirmar as teses. Como provar que as religiões tradicionais eram úteis às tribos? Além disso, os cientistas sabem pouco sobre a origem e a difusão das religiões antes do advento da escrita. ... Os ossos e sítios arqueológicos não dizem muito. A história natural da religião proposta por Dennett e Dawkins também exige ainda uma dose de fé.” Entre a fé deles e a minha, fico com a minha.

Finalmente, o texto de Cavallari – “O provincianismo neo-ateu” –, na página 97 da revista, termina de forma perfeita. Nota dez para ele!

“Dawkins e Dennett descartam atabalhoadamente as provas medievais da existência de Deus sob o argumento de que não são aceitáveis como provas científicas. É claro que não. São provas metafísicas. Foram descartadas por causa de filósofos, como Hume e Kant, que o fizeram ao preço de estabelecer limites estreitos para a razão humana. Dawkins, Dennett e os neo-ateus querem o melhor de dois mundos: reivindicam para a ciência uma capacidade quase ilimitada da razão humana. Para a religião, admitem no máximo o papel de uma consoladora ilusão para o vulgo.

“Se os neo-ateus são sérios em sua tentativa de tirar a religião do cenário, vão precisar discutir mais a fundo, mais informadamente e com menos provincianismo. Há muito mais entre o céu e a terra que o limitado método científico pode tomar consideração.”

Voltaire e Nietzsche já tentaram matar Deus. Lembra? Mas os dois morreram e Deus está aí. O que faz Dawkins, Dennett e outros acharem que terão êxito? Só pode ser a arrogância de um ser que se comporta como o vaso recém-saído das mãos do oleiro e que nega a existência de seu artífice, conforme a comparação de Isaías (29:16).

Michelson Borges

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