quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Vendo o Invisível


Philip Yancey

Naturalismo: Como você continua a crer em algo que não pode ver, tocar, cheirar ou provar?
Já encontrei cristãos estranhos — realmente estranhos, especialmente quando estava na faculdade. Um cara chamado Samuel (ele nunca deixaria que você o chamasse Sam) era um jogador de tênis fantástico. Ele achava o tênis algo um tanto carnal, por isso era necessário persuadi-lo a jogar. Na quadra ele era um capeta (ele também nunca o deixaria chamá-lo assim): executava com perfeição todas as jogadas do tênis.

Em vez de xingar, Samuel reservava uma palavra cristã retumbante para gritar antes de bater na bola. A cada quatro serviços, as costas se inclinavam mais acentuadamente que o normal, ele jogava a bola ainda mais para cima e os pés se desprendiam do chão. Antes de curvar o braço para atingir a bola, ele gemia bem alto, "Aleluia!!"

Ainda estremeço quando penso nessa palavra, "Aleluia". Talvez Samuel quisesse comunicar uma expressão de sua fé em Deus, mas para mim era uma advertência para eu me esquivar de um míssil que vinha zunindo por sobre a rede para atingir-me o rosto em cheio.

Embora fosse muito estranho, Samuel ganhou o respeito de quase todas as platéias por conta de seu jogo inspirado. Brian era o contrário — o alvo de todas as piadas. Seus 59 quilos eram distribuídos ao longo de 1,95 m de altura e, talvez por não ter força suficiente para se sustentar, ele caminhava o tempo todo curvado, como se tivesse carregado uma mochila pesada durante todos os anos de crescimento.

Brian falava macia e timidamente, tinha o rosto tão pálido e frágil que era impossível não imaginá-lo como um fantasma.

Como se isso não bastasse, Brian tinha o hábito peculiar de andar para trás, na ponta dos pés, decorando versículos da Bíblia. É verdade. Toda noite ele vestia um agasalho branco, corria uns mil e quinhentos metros e depois relaxava caminhando em círculos ao redor de um poste de iluminação, de costas. Era uma cena estranha: o corpo inclinado de Brian sacudindo para trás dentro do raio de alcance do poste de iluminação com a cabeça abaixada, lutando para enxergar o versículo que havia escrito no cartão, resmungando consigo.

Admito que nem todos os cristãos que conheci eram tão estranhos quanto Samuel e Brian. Mas esses dois conquistaram um nível especial de respeito entre os cristãos, como se seus "luias" e seus métodos de memorização da Bíblia os elevassem ao patamar de classe especial. Na faculdade cristã que freqüentei, a maioria das pessoas os considerava mais "espirituais" que outros. Conhecendo-os, eu ficava me perguntando: "será isso que Deus quer?"

Todos os cristãos, no entanto, desde Debbie, a loira estonteante, até George, o especialista em matemática, partilhavam de algumas características que à primeira vista me pareciam tão estranhas quanto as excentricidades de Samuel e Brian.

Havia a oração, por exemplo. Os cristãos que eu conhecia distorciam os acontecimentos para fazê-los parecer que eram respostas de oração. Se um tio enviava um dinheiro extra para as despesas, eles abriam um sorriso largo, gritavam e marcavam uma reunião de oração para agradecer a Deus por isso. Enquanto as pessoas sensatas do campus dormiam para repor as energias do esforço extra das atividades noturnas, os supercristãos saíam de mansinho de seus quartos às seis e meia da manhã para uma reunião de oração.

Eles pareciam receber essas "respostas de oração" como uma prova final de que havia um Deus escutando-os. Eu sempre conseguia encontrar outra explicação para elas. "Talvez esse tio tenha enviado aquele dinheiro a todos os sobrinhos dele naquele mês", eu dizia. "Alguns dos sobrinhos não são cristãos. Teria sido só o seu presente resposta de oração?" Eles nunca discutiam as muitas vezes em que Deus ignorou seus pedidos específicos. A oração era para mim uma atividade tola. Do que servia falar em voz alta para as paredes?

Mas o zelo dos supercristãos me emudecia. Comecei a sair com eles, em parte por curiosidade e em parte por um desejo malicioso de destruir suas ilusões, chegando até mesmo a agir como um deles. Inventei uma história de como havia sido "salvo" quando adolescente, e a enfeitei com detalhes dramáticos, contando-a em um de seus encontros de compartilhamento. A resposta foi inacreditável. Quase todas as garotas foram às lágrimas. Todos me abraçaram, disseram "louvado seja Deus" e fizeram reuniões de oração especiais em gratidão a minha vida.
Comecei a freqüentar as reuniões de oração — mesmo as que começavam quase de madrugada — e o que de melhor os cristãos faziam eu imitava. Aprendi que o segredo da aceitação era um ritual chamado "dar seu testemunho" no qual sua voz assumia um tom suave e sincero e você contava de alguma situação na qual o Senhor o havia abençoado ou "falado a você". Descobri depois de algumas semanas que eu era um dos melhores contadores de testemunho da turma. Ao final de meus relatos, eu quase sempre levava o grupo a fazer orações de agradecimento, ou às lágrimas seus olhos famintos e sequiosos.

Enquanto isso, eu voltava correndo para o quarto e contava a meus verdadeiros amigos como eu estava conseguindo enganar por completo todos os cristãos. Em minha mente, eu havia destruído a fé deles. Eu era um naturalista, e cria que não havia nenhum Deus. O único mundo que existia para mim era o mundo onde eu vivia: rochas, árvores e ar. Não havia "seres espirituais". Era óbvio que a fé que eles demonstravam era composta de um jargão espiritual, de um sentimento caloroso de proximidade e de uma catarse de culpa, todos misturados. Embora incrédulo declarado, eu podia me passar por um santo convincente seguindo a fórmula prescrita. Não havia diferença entre a religião deles e qualquer outra religião mal orientada. Como Deus poderia ser real se tudo o que os cristãos experimentavam podia ser copiado por alguém que não cria nele?

Algo estranho aconteceu cerca de um ano depois desse experimento. Teria sido humilhante e constrangedor se não tivesse sido tão avassaladoramente agradável. Tornei-me cristão. Deus me encontrou de um modo incrível e inegável, em um momento quando eu não estava sequer procurando por ele — na verdade, enquanto eu o negava veementemente. Eu experimentei uma conversão cristã genuína. Durante uma reunião de oração rotineira (e obrigatória) com amigos, Deus fez contato comigo. Ele me mostrou seu amor e seu perdão, e eu nasci de novo.
Embora até ali eu tivesse gasto minhas energias tentando produzir rombos na fé cristã e encontrar inconsistências nos cristãos, quando Deus finalmente me encontrou, a mudança foi tão profunda que nunca duvidei dela desde então.

Como eu poderia descrever essa experiência aos amigos céticos que eu havia conseguido levar ao agnosticismo? Como você descreve um mundo de cores a um daltônico? Vi-me resmungando as mesmas frases imprecisas, coisas como "Deus transformou minha vida por completo", ou "Deus mudou inteiramente meu modo de pensar, mudou meus valores", ou "Ele me deu uma paz que nunca experimentei antes". A maioria de meus amigos olhava-me com um olhar que denunciava incompreensão, confusão, até mesmo um sentimento de traição. Eu sabia o que eles estavam pensando: "A coisa finalmente pegou o pobre homem. Depois de meses andando com esses supercristãos, imitando-os, ele pirou. Ficou maluco".

Frustrado, tentei pensar em maneiras de convencer meus amigos de que eu não havia enlouquecido, mas que, ao contrário, havia encontrado uma realidade mais profunda. Eu sabia que eles não se sentiriam atraídos pelos cristãos que eu conhecia — eu havia zombado deles com muito sucesso. Veio-me a idéia dos milagres. Será que eu poderia encontrar algum milagre absolutamente inexplicável? Isso por certo comprovaria a realidade de Deus.

Por que Deus não se fazia mais óbvio? Eu queria que ele realizasse um milagre bem orquestrado e televisionado, para que eu pudesse convidar meus amigos céticos para verem um ato de Deus que eles não teriam como negar.

O problema, como eu o enxergava, era que os atos cristãos — a oração, o amor uns aos outros, o compartilhar da fé com outros, a adoração — não eram sobrenaturais o suficiente para convencer quem quer que fosse de que o cristianismo é verdadeiro. O que precisamos de fato, eu pensava, é de uma exposição gigante, mundial e tremenda do poder de Deus. O naturalismo despencaria das alturas.

Já quando pensei nisso percebi que não funcionaria. A Bíblia registra vários exemplos de quando Deus verdadeiramente chocou o mundo. As dez pragas do Egito são um caso. Cecil B. DeMille gastou milhões para imitá-las e as seqüências de seu filme ainda parecem um truque. E o que dizer da ressurreição de Jesus? Mais de quinhentas pessoas atestaram que ele havia ressurgido dentre os mortos, mas a maioria se recusou a acreditar nelas. O próprio Deus caminhou pela terra por trinta e três anos, ensinando e realizando milagres impressionantes. Ainda assim, dentre os muitos que o ouviram, somente uma minoria creu.

Milagres — os do tipo escancarados, chamativos e sobrenaturais — serão sempre uma exceção. Ah, eu acredito que eles ocorram. Muitos de meus amigos me contam de milagres de cura, de uma mudança dramática que Deus promoveu em um viciado em drogas. Mas esses milagres que contrariam as leis da natureza por um instante — devo admitir que nunca presenciei.

Não preciso de milagres para crer; Deus tem se revelado a mim de maneira amorosa. Só me sinto incomodado quando penso em meus amigos céticos. Se Deus realmente fizesse um milagre diante de seus olhos, eles creriam? Não sei.

Ao contrário, convivo com atos cristãos simples, às vezes monótonos, de oração, compartilhamento, amor e serviço. Como eu bem sei de meus primeiros contatos com cristãos estranhos, esses atos não são suficientes para convencer um cético. Eles podem até ser habilmente reproduzidos como piada ou experimento sociológico.

Nunca consegui encontrar uma boa estratégia para convencer os céticos. Alguns vieram a crer, outros não. Alguns foram atraídos a Deus pelo amor de cristãos; outros correram para os braços dele quando seu mundo desabou. Muitos outros, no entanto, estão hoje bem longe de Deus.
Mesmo depois de tudo o que Deus fez por mim, ainda tenho dúvidas. Sempre vou acreditar que ele é real, mas muitas vezes minhas orações parecem superficiais, palavras sonolentas que batem nas paredes e não passam do teto. Outras vezes, quando ouço um cristão descrever uma experiência que teve com o Senhor, ela não soa tão diferente daquela que você poderia ouvir em um encontro de meditação transcendental ou em uma terapia de grupo. De vez em quando, ainda me é difícil crer — verdadeiramente crer — que existe outra porção do mundo lá fora. Nunca me encontro completamente livre do naturalismo, porque o único mundo que vejo todos os dias é o natural. Como me manter crente num mundo invisível?

Há um mundo evidente ao meu redor, composto de árvores, rochas, pessoas, carros e edifícios. Todo o mundo crê nesse. Mas há um mundo igualmente real de anjos e espíritos, Deus, céu e inferno. Se eu tão-somente pudesse ver esse outro mundo apenas uma vez, talvez isso esclarecesse todas minhas dúvidas.

Quando as dúvidas vêm à tona, penso em alguns dos ensinos de Jesus sobre os dois mundos. Um incidente (em Lucas 10) uniu de modo especial os dois mundos. Jesus enviou setenta de seus fiéis seguidores às cidades e aos vilarejos que ele planejava visitar depois. Ele os advertiu com firmeza de que poderiam ser ridicularizados ou até mesmo perseguidos por serem seu representante. "Vocês são como ovelhas no meio de lobos", ele disse.

Os setenta discípulos partiram, caminhando com dificuldade na areia, esperando o pior depois das advertências pessimistas de Jesus. Mas retornaram exultantes. As pessoas os haviam aceitado. Cidades estavam esperando com ansiedade pela visita de Jesus. Eles haviam curado os enfermos. "Até mesmo os demônios se submetem a nós em teu nome", eles contaram quase que sem fôlego.

Jesus, que aguardava pelo retorno deles, deu um único resumo do que havia acontecido. Ele disse: "Eu vi Satanás cair como um raio do céu!". Jesus uniu os dois mundos. O mundo dos discípulos havia sido um mundo de caminhada sobre a areia quente, pregação a multidões misturadas, visitas às casas, pedidos para ver os doentes e anúncio da vinda de Jesus. Todas suas ações ocorreram no mundo visível que se pode tocar, cheirar e ver. Mas Jesus, com percepção sobrenatural, viu que aquelas ações no mundo visível estavam tendo um impacto fenomenal no mundo invisível. Enquanto os discípulos cantavam vitória no mundo visível, Satanás estava caindo para atacá-los no mundo invisível.

Em Lucas 12, Jesus deu mais algumas dicas de que o que acontece aqui no mundo visível afeta o outro mundo. Ele disse que qualquer coisa que cochicharmos em secreto, pensando que estamos sozinhos e seguros, um dia será retransmitida no alto das casas, para que todos escutem. Nenhum ato, até mesmo um cochicho, passará despercebido no mundo. Cada um está registrando sua marca no mundo invisível. Jesus disse que quando um pecador se arrepende, os anjos no céu se alegram. Hoje você pode assistir a um pecador se arrepender. Vá a uma cruzada de um grande pregador e você verá, em cores, muitos pecadores se arrependendo. A câmera se aproxima de um homem de negócios de meia idade, cabeça abaixada, abrindo caminho por entre os assentos no estádio e que senta para conversar com um conselheiro. Ela se volta para uma garota vestida de calça jeans e uma jaqueta do exército, soluçando baixinho em um canto enquanto um amigo lhe explica a Bíblia a ela. De acordo com o que Jesus disse, enquanto esses atos visíveis estão acontecendo, alguns atos invisíveis, grandiosos, também estão ocorrendo. Os anjos estão fazendo uma verdadeira festa no céu. Os dois mundos estão funcionando como se fossem um.

Jesus continuou: "Eu lhes digo: quem me confessar diante dos homens, também o Filho do homem o confessará diante dos anjos de Deus. Mas aquele que me negar diante dos homens será negado diante dos anjos de Deus" (NVI).

O homem Jesus foi, sem dúvida, o exemplo extremo de dois mundos funcionando como um. Ele foi um homem com glândulas sudoríparas, cabelo, unhas, lábios e todas as características que definem os seres humanos. No entanto, dentro daquele corpo, Deus morava.

Todos nós que somos cristãos cremos no mundo invisível; nós simplesmente o esquecemos. Somos consumidos por nosso mundo de argumentações, relacionamentos, empregos e escola — e mesmo o mundo "religioso" da igreja e das reuniões de oração. Talvez, se Jesus estivesse em carne em nosso meio murmurando frases como "eu vi Satanás cair" sempre que Deus nos usasse, nós nos lembraríamos melhor.

O mundo em que vivemos não é um mundo ou uma coisa ou outra. As ações que tomo como cristão — oração, adoração, amor — não são exclusivamente naturais ou sobrenaturais. São ambas as coisas, funcionando ao mesmo tempo.

Como lembretes do mundo sobrenatural recebemos o Espírito de Deus, que habita permanentemente em nós. Recebemos os bons conselhos da Bíblia e de companheiros cristãos, que afirmam conosco que, sim, há outro mundo, e Deus está vivo e se importa conosco.

Além de todos estes lembretes especificamente cristãos, há no mundo muitos rumores de Deus que podem ser detectados por todos. Você quer ver uma expressão do poder de Deus? Levante cedo e assista ao nascer do Sol. Visite as praias da Califórnia durante a estação de migração das baleias e contemple-as brincando e fazendo folia.

Você se pergunta se o homem é imortal? Pensem em sua reação quando passa por um animal morto na rua. Talvez sinta uma dor aguda de lamento ou tristeza, especialmente se ama os animais; não se trata, no entanto, da reação que você teria se passasse por um corpo humano estirado ao lado da calçada. Você primeiro perderia a voz, para, no momento seguinte, gritar a plenos pulmões. A lembrança lhe ficaria gravada a fogo na mente. Você nunca esqueceria a cena. Qual é a diferença? Ambos os corpos são feitos de tendões, sangue, osso e órgãos. A diferença não é nada visível; é o fato de que a pessoa é imortal, feita à imagem de Deus.

Às vezes me lembro claramente do mundo invisível. Posso sentir sua existência tão fortemente que chega a parecer mais real que o mundo visível. O atributo da fé permite que eu creia — o atributo que a carta aos Hebreus define como "a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos" (Hb 11:1, NVI). Naqueles momentos (eu me lembro de como me senti depois de minha conversão) me pergunto como alguém poderia duvidar. Em outras ocasiões — na maioria das vezes quando estou cansado e irritado, e briguei com alguém — mal posso me lembrar do mundo invisível. Aqueles momentos, também, são sintomas da grande luta espiritual que ocorre por trás das cortinas, acompanhando todos os momentos de minha vida.

"Não há campo neutro no universo", disse C. S. Lewis. "Cada polegada, cada milésimo de segundo, é reivindicado por Deus e reivindicado por Satanás."

As vezes sou forte o suficiente para crer nisso por mim mesmo. Sinto-me como parte de uma batalha. Mas em outros momentos me esqueço, e devo ser impelido de volta a Deus, a sua Palavra, à dependência desesperada dele e de seus seguidores aqui na terra. Eles me lembram do mundo invisível e de meu papel nele. Satanás não abre mão de seu terreno com facilidade.


Fonte: Extraído do Livro de Philip Yancey & Tim Stafford "Desventuras da Vida Cristã"; Ed. Mundo Cristão - pg.11-21.

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