Como os detalhes literários e históricos contribuem
para um testemunho teológico coerente de Jesus no Evangelho de João? Um
proeminente erudito evangélico do Novo Testamento responde a essa questão
através de um novo livro lançado nos Estados Unidos (e sem previsão de
lançamento no Brasil). Este é um livro importante para todo estudante sério do
Quarto Evangelho.
Richard Bauckham, The Testimony of the Beloved
Disciple: Narrative, History, and Theology in the Gospel of John. Grand Rapids:
Baker Academic, 2007. 313 pp. ISBN 978-0-8010-3485-5.
Resenha de Craig L. Blomberg *
Tradução: Rodrigo Gonçalves de Souza **
Muitas coleções de artigos de um estudioso bíblico
publicados anteriormente sobre um tópico não parecem merecer ainda mais um
livro em uma indústria já saturada. Ninguém pode com imparcialidade, acusar
este volume de cair nesta categoria. Richard Bauckham, recentemente aposentado
da Universidade de St. Andrews, tem uma distinta carreira como um escritor
prolífico sobre uma incrível variedade de temas, sem dúvida nenhum deles mais
importantes do que suas obras sobre o Evangelho de João. Apesar de que o
oferecido neste livro [sem previsão de lançamento no Brasil] são reimpressões
ou revisões de ensaios que tenham surgido noutras ocasiões (e um é uma reformulação
de uma seção de um livro recente de Bauckham), muitos foram disponibilizados em
fontes pouco conhecidas e todos merecem a maior audiência e contexto que a sua
apresentação neste volume irá proporcionar.
[O Capítulo]“Características Historiográficas do
Evangelho de João” (Historiographical Characteristics of the Gospel of John)
apresenta elementos que ligam este documento mais com história do que
biografia, ou, pelo menos, mais do que nos Sinóticos. Estes [elementos] incluem
informações precisas de topografia e cronologia e a utilização de testemunhas
oculares e numerosos discursos ou diálogos. Nada disto faz com que o Evangelho
seja necessariamente preciso em tudo o que apresenta, mas deixa a porta aberta
para tal conclusão, dado o gênero literário resultante deste estudo.
[O capítulo] “A Audiência do Evangelho de João”
(The Audience of the Gospel of John) demonstra quão pobremente as influências
da abordagem de J..L Martyn, de uma leitura de dois níveis da narrativa
(algumas poucas coisas reais da vida de Jesus, mas mais transparecendo as
realidades do final do primeiro século) realmente funcionam. As passagens de
excomunhão podem não refletir qualquer vasto emprego da Birkath-ha-Minim[1],
numerosos personagens obviamente não representam alguém da comunidade de João
ou sua oposição, e os Pais da Igreja utilizam regularmente as imagens de João
visando a mais ampla audiência, não a mais sectária.
A comparação entre o dualismo, nos Rolos do Mar
Morto, especialmente no que diz respeito à luz e as trevas, mostra que os
paralelos com João não estão tão perto quanto às vezes se tem mantido.
Estudiosos foram certos ao balançar o pêndulo para longe do pano de fundo
greco-romano para judaicos, e nestes, para aqueles relacionados com estes
fenômenos, mas o caso de fazê-lo pode ser ainda melhor visualizado simplesmente
pelos paralelos do Antigo Testamento. Literatura rabínica e Josefo referem-se a
pelo menos dois poderosos e ricos líderes judaicos pelo nome de Nicodemos na
elite da família Gurion. Provavelmente não há nenhuma relação com o de João,
mas dada a freqüente prática do reaproveitamento de alcunhas familiares e a
raridade deste nome particular fora desta família, tudo no Quarto Evangelho
sobre Nicodemos reverbera verossimilhança.
Lázaro, Marta e Maria, por outro lado, foram nomes
judeus extremamente comuns. Portanto, o aparecimento do Lázaro ressurreto, em
João 11 não requer hipóteses dos empréstimos a partir da parábola de Lucas
16:19-31. Afinal, nenhuma ressurreição é requisitada lá, apenas uma aparição temporária
a partir do reino dos mortos.
Por outro lado, os retratos das duas irmãs que
mostram a combinação certa de semelhanças e diferenças entre Lucas 10:38-42 e
João 11-12 sugerem que João pode muito bem ser fornecer retratos historicamente
precisos sem simplesmente tomar emprestado de Lucas. Semelhante lógica apóia a
autenticidade da cena do caminhar sobre as águas em João 13 - a coerência com a
logia[2] sinótica do servo empregada sem paralelismo íntimo o suficiente para
sugerir dependência em qualquer ponto.
Em um estudo do messianismo judaico, no Quarto
Evangelho, Bauckham mostra como os vários retratos de Jesus como Cristo,
profeta como Moisés, e Filho do Homem todos refletem o justo equilíbrio da
coerência com os substratos judaicos e encaixam com “progressiva
auto-revelação” de Jesus, como para ser credível nos contextos aos quais João
atribuiu-os. Em seu enfoque sobre monoteísmo e Cristologia neste Evangelho,
Bauckham mostra como os ditos de Jesus referentes a “unidade com o Pai”, o
“Eu-Sou” e outros exemplos deste exercício das suas prerrogativas divinas nunca
são redigidas de forma a sugerir um comprometimento do monoteísmo. Na verdade,
os relevantes substratos do Antigo Testamento mostram que o que se traz de
Jesus é justamente que a sua relação com o Pai “é parte integral para que Deus
seja O Único” (p. 252).
A santidade de Jesus no Quarto Evangelho é para ser
que os discípulos a espelhem, com exceção de que ela não é absoluta para eles,
e (portanto) eles não são para expiar os pecados do mundo, como Cristo fez. Mas
os separa do mundo para que possam ser portadores de sua mensagem para o mundo.
O misterioso número 153 para a quantidade de peixes capturados em João 21:11
deve ser entendido como altamente simbólico, dada a característica prevalecente
do simbolismo algébrico judaico nos dias de João.
Além de endossar algumas sugestões anteriores,
Bauckham observa que o equivalente numérico do grego das quatro palavras-chave
no primeiro “término” do Evangelho de João 20:30-31 para “assinar”, “crer”, “Cristo”
e “vida” são 17, 98, 19 e 36, respectivamente. 153 é o “triângulo” de número 17
(a soma dos números de 1 a 17, e a soma de 98, 19 e 36 também é 153). O que
quer que tudo isso mais implica, é certamente sugestivo que a mesma pessoa por
trás capítulo 21 escreveu o restante do Evangelho[3]
Uma breve resenha dificilmente pode avaliar cada
uma destas contribuições pormenorizadamente. Pergunto-me se para Bauckham,
“João, o Ancião”, que tão estreitamente se assemelha ao filho de Zebedeu em
perfil, teria sido tão facilmente reconhecido como distinto dele, especialmente
desde que o único personagem chamado João no Quarto Evangelho é o Batista, mas
a ele nunca é dado este epíteto. Alguém que não seja João, filho de Zebedeu,
foi capaz de fazer isto sem temer ambigüidades, especialmente quando o
Evangelho circulou para muito além dos seus iniciais destinatários efésios -
como Bauckham salienta? É preciso escolher entre Bauckham e Larry Hurtado, por
exemplo, o qual salienta a segregação parcial do monoteísmo em várias vertentes
de judaísmos periféricos em binitarianismo? Apesar das notáveis coincidências
de somas numéricas, temos qualquer controle sobre tais especulações algébricas
para dar-nos alguma confiança que João realmente pretendeu isto?
Mas estas são bagatelas menores. Globalmente, este
é uma coleção de ensaios extraordináriamente meticulosa, criativa, e que mesmo
rompe paradigmas, sendo que cada um merece um estudo cuidadoso, e quase todos
merecem aceitação generalizada. Adquira este livro, maravilhe-se com ele e
digira-o. Bauckham deve ser tão mais esclarecido e lúcido na sua aposentadoria
quanto ele fora durante a sua ilustre carreira!
* Sobre o autor da resenha:
Craig L. Blomberg, Ph.D, é professor distinto do
Novo Testamento no Seminário Denver, nos Estados Unidos.
** Sobre o tradutor da resenha:
Rodrigo Gonçalves de Souza é anglicano da IEAB,
Missão Santo Agostinho de Cantuária .
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Fonte do artigo original:
http://www.denverseminary.edu/…/the-testimony-of-the-belov…/
NOTAS DO TRADUTOR
[1] Bênção dos hereges, que fora promulgada na
liturgia judaica a partir do Concílio de Jamnia – final do séc.I - para
excomungar alguns considerados hereges, como os cristãos, que até então
incluíam alguns que buscavam participar dos ritos comunais judaicos.
[2] Na erudição do Novo Testamento, o termo logia
refere-se primariamente à suposta coleção dos ditos de Jesus que se acredita
ter sido mencionada por Papias.
[3] Paul S. Minear, em “The Original Functions of
John 21”, 1985, já havia feito uma vigorosa defesa dessa posição
Fonte:
www.apologia.com.br
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