CLAUDIO ANGELO
da Folha de S.Paulo
Uma das maiores fraudes da história da ciência
chegou ao seu capítulo final. A revista britânica "Nature" publicou a
análise de tomografia computadorizada do Archaeoraptor, o fóssil forjado que
enganou paleontólogos do mundo todo e expôs ao ridículo outra revista
importante, a americana "National Geographic".
O estudo do paleontólogo Tim Rowe, da Universidade
do Texas em Austin (EUA), publicado semana passada pela revista (www.nature.com),
mostra que o fóssil é o mosaico de pedaços de uma ave e quatro dinossauros
diferentes.
O Archaeoraptor foi assunto de capa da
"National Geographic" em novembro de 99. O caso era sensacional: um
fóssil de dinossauro descoberto na China apresentava uma "combinação
dramática" de características de pássaro e de dromeossauro, um dino
carnívoro. Era, definitivamente, o elo perdido entre aves e répteis. Em outubro
do ano passado, no entanto, a revista foi forçada a admitir que havia comprado
gato por lebre. Descobriu-se que a tal "combinação dramática" não
fora moldada pela evolução, e sim por contrabandistas de fósseis chineses. Para
elevar o valor de mercado da peça, eles juntaram metade do corpo de um pássaro
fóssil com a cauda e as patas traseiras de um dromeossauro.
O fóssil foi retirado ilegalmente da China e
vendido nos EUA ao artista plástico Stephen Czerkas, por US$ 80 mil. Czerkas
chamou dois paleontólogos, o canadense Philip Currie e o chinês Xu Xing, para
descrever o animal.
A idéia de era coincidir a descrição científica do
bicho com uma matéria sobre o animal na "National Geographic". A fim
de publicar a descrição na "Nature" ou na sua rival, a
"Science", Czerkas contratou Tim Rowe para fazer uma análise de
tomografia computadorizada no fóssil. "Levou só algumas horas para
perceber que o espécime estava quebrado em muitos pedaços e que nem todos
haviam sido rearranjados corretamente", disse Rowe à Folha.
Mas Czerkas resolveu levar a publicação na
"National Geographic" à frente, mesmo depois de o trabalho ter sido
rejeitado pelas duas revistas científicas. E ameaçou Rowe de processo caso
publicasse os dados da tomografia.
A tramóia só veio abaixo um mês depois, quando Xing
Xu encontrou, na China, um fóssil de dromeossauro cuja cauda era, sem dúvida, a
do Archaeoraptor, e a "National Geographic" foi obrigada a desmentir
a capa.
Só agora, depois de resolvidas as questões legais
—o tal processo aconteceu, de fato—, o trabalho de Rowe (concluído desde
outubro de 99) aparece na "Nature". A análise mostra que a laje
contendo o Archaeoraptor foi montada a partir de 88 cacos de pedra. Parte deles
contém meio fóssil de um pássaro ainda desconhecido para a ciência, que está
sendo estudado por Xu. Outra parte tem restos de dromeossauros que não podem ser
atribuídos a um só espécime.
Para o paleontólogo, a fraude do Archaeoraptor
mostra como o comércio de fósseis atrapalha a ciência. "Qualquer espécime
que tenha uma etiqueta de preço é uma fraude em potencial", disse.
"Felizmente, um conjunto cada vez maior de técnicas pode ser aplicado
agora à análise de fósseis", afirma no estudo.
No Brasil, onde o comércio de fósseis é ilegal
(assim como na China), as fraudes têm uma origem certa: a chapada do Araripe,
no Ceará, uma das maiores minas de fósseis do planeta.
Uma dessas fraudes acabou eternizada no nome de um
dinossauro. O bicho em questão era um crânio de espinossauro (carnívoro com
focinho de crocodilo), contrabandeado para a Europa e descrito pelo
paleontólogo David Martill, da Universidade de Portsmouth (Reino Unido), em
1996.
Durante a preparação (processo em que o fóssil é
separado da rocha que o contém), a equipe de Martill descobriu que a ponta do
focinho original havia sido quebrada e alongada artificialmente, para que os
traficantes pudessem vender o restante. Martill ficou tão irado com a fraude
que batizou o bicho de Irritator.
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