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sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018
sábado, 3 de fevereiro de 2018
Livro: "Conhecimento e Crença Cristã" de Alvin Plantinga
Editora Monergismo
“O livro de Alvin Plantinga, Warranted Christian
Belief, é um marco para a discussão da racionalidade da crença cristã… Esta
esplêndida versão reduzida das propostas desse livro torna-o acessível para os
leitores e estudantes fora do campo da filosofia. É um imenso prazer dar as
boas-vindas a esta versão de uma obra seminal. As marcas da humildade e do
brilhantismo de Plantinga estão aqui presentes; ninguém pode ler este livro sem
ser espiritualmente estimulado e intelectualmente desafiado.”
— WILLIAM J. ABRAHAM
Perkins School of Theology
“Um livro notável. Ao longo dos anos, Alvin
Plantinga minou preconceitos disseminados e defendeu as crenças teístas. Este
livro contém as principais ideias da sua filosofia da religião a respeito de
Deus, da fé, da crítica histórica, do pluralismo e de outros tópicos centrais.
O que distingue este livro é a clareza com a qual Plantinga apresenta e
desenvolve os seus argumentos… Um excelente compêndio do seu pensamento.”
— FRANCIS SCHÜSSLER FIORENZA
Harvard Divinity School
“Escrito por um dos maiores filósofos de hoje, este
livro deve se tornar de imediato um clássico. Ele oferece uma apresentação
concisa e acessível de uma das suas ideias mais marcantes — que ele desenvolveu
com extremo cuidado e rigor ao longo dos últimos cinquenta anos —
especificamente, que a crença teísta e cristã atinge o conhecimento sem ser
baseada em argumentos.”
— MICHAEL BERGMANN
Purdue University
“Esta bem-vinda simplificação de Warranted
Christian Belief, a obra-prima de Plantinga de epistemologia da religião, é
fácil de ler, mesmo sendo tão erudita e filosoficamente atrativa quanto o
original — ela merece ser lida e relida tanto por sua profundidade intelectual
quanto por sua profundidade espiritual.”
— THOMAS M. CRISP
Biola University
sexta-feira, 8 de dezembro de 2017
quinta-feira, 7 de dezembro de 2017
sexta-feira, 17 de abril de 2015
sexta-feira, 26 de dezembro de 2014
Alvin Plantinga: "Evolução versus Naturalismo"
Por que eles são como óleo e água
Tradução: Daniel Brisolara
Como todos sabem, tem havido uma recente enxurrada
de livros atacando a fé cristã e a religião em geral. Alguns desses livros são
um pouco mais do que ladainhas, cheios de insultos, mas curtos em razões,
cheios de afrontas, mas curtos em competência, cheios de justas indignações,
mas curtos em bom senso; na maior parte, eles são dirigidos mais por ódio do
que pela lógica. É claro que existem outros que são intelectualmente mais
respeitáveis – por exemplo, a contribuição de Walter Sinott-Armstrong em
"God? A Debate Between a Christian and an Atheist" [1] [Deus? Um
debate entre um cristão e um ateu] e a contribuição de Michael Tooley em
"Knowledge of God" [2] [Conhecimento de Deus]. Quase todos esses
livros foram escritos por filósofos naturalistas. Eu acredito que é
extremamente importante ver que o naturalismo em si, a despeito do tom
presunçoso e arrogante dos assim chamados Novos Ateus, está numa muito séria
dificuldade filosófica: não se pode sensatamente acreditar nele.
Naturalismo é a idéia de que não há tal pessoa como
Deus ou qualquer coisa como Deus; nós podemos pensar nessa posição como ateísmo
turbinado ou talvez ateísmo plus. É possível ser ateu sem ascender a arrogantes
altitudes (ou descender até as profundezas tenebrosas) do naturalismo.
Aristóteles, os antigos Estóicos, e Hegel (ao menos em alguns estágios)
poderiam apropriadamente ser considerados ateístas, mas eles não poderiam
apropriadamente ser considerados naturalistas: cada um endossa alguma coisa
(Primeiro Motor de Aristóteles, O Nous Estóico, O Absoluto de Hegel) que nenhum
naturalista que se auto-respeite poderia tolerar.
Nos dias de hoje o naturalismo está excessivamente
na moda na academia; alguns dizem que é a ortodoxia acadêmica contemporânea.
Diante da moda de várias formas de anti-realismo e relativismo pós-moderno,
isto pode ser um pouco forte. No entanto, o naturalismo é certamente mais
difundido, e está exposto em alguns recentes livros populares como "O
Relojoeiro Cego" de Richard Dawkins, A Perigosa Idéia de Darwin, de Daniel
Dennett, e em muitos outros. Os naturalistas gostam de se agasalhar (ou de se
envolver) nos mantos da ciência, como se a ciência de alguma maneira apoiasse,
endossasse, subscrevesse, sugerisse, ou fosse de alguma maneira inabitual
amigável ao naturalismo. Particularmente, eles freqüentemente recorrem à
moderna teoria da evolução como uma razão para abraçar o naturalismo; de fato,
o subtítulo do livro de Dawkins, O Relojoeiro Cego é Por que a Evidência da
Evolução Revela um Universo sem Design. Muitos parecem pensar que a evolução é
um dos pilares do templo do naturalismo (e “templo” é a palavra certa: o
naturalismo contemporâneo tem, sem dúvida, assumido um invólucro religioso, com
um sacerdócio secular fervoroso para reprimir visões opostas como qualquer
mullah). Eu me proponho a argumentar que o naturalismo e a evolução estão em
conflito um com o outro.
Eu disse que o naturalismo está numa dificuldade
filosófica; isto é verdade em diversos aspectos, mas aqui eu quero me
concentrar sobre apenas um – aquele conectado com a idéia de que a evolução
apóia ou endossa ou é de algum modo evidência para o naturalismo. Do modo como
eu vejo, isto é um erro colossal: evolução e naturalismo não são apenas
companheiros constrangidos; eles são mais como combatentes beligerantes. Não se
pode racionalmente aceitar ambos: evolução e naturalismo; não se pode ser um
naturalista evolucionista. O problema, como muitos pensadores (C.S. Lewis, por
exemplo) têm visto, é que o naturalismo, ou o naturalismo evolucionista, parece
conduzir a um ceticismo fundo e penetrante.
Ele leva à conclusão de que nossa cognição ou
faculdades produtoras de crenças – memória, percepção, insight lógico, etc. –
são duvidosas e não se pode confiar nelas para produzir uma preponderância de
crenças verdadeiras sobre crenças falsas. O próprio Darwin teve preocupações
com esses assuntos: “Comigo”, diz Darwin, “a dúvida horrível sempre surge se as
convicções da mente do homem, as quais têm sido desenvolvidas da mente de
animais inferiores, são de qualquer valor ou dignas de confiança. Poderia
qualquer um confiar nas convicções da mente de um macaco, se houvesse qualquer
convicção em tal mente?” [3].
Claramente, esta dúvida surge para os naturalistas
ou ateus, mas não para aqueles que acreditam em Deus. Isto porque se Deus nos
criou à sua imagem, então mesmo que ele tenha nos moldado por meios
evolucionários, ele presumivelmente queria que nós parecêssemos com ele na
capacidade de conhecer; mas então a maior parte do que nós acreditamos pode ser
verdade mesmo que nossas mentes tenham se desenvolvido a partir daquelas dos
animais inferiores. Por outro lado, há um problema real aqui para o naturalista
evolucionista. Richard Dawkins certa vez declarou que a evolução tornou
possível ser um ateu intelectualmente realizado. Eu creio que ele está
fatalmente enganado: eu não creio que é possível de alguma maneira ser um ateu
intelectualmente realizado; mas de qualquer modo você não pode racionalmente
aceitar ambos, evolução e naturalismo.
Por que não? Como segue o argumento? [4] A primeira
coisa a se ver é que os naturalistas são também sempre ou quase sempre
materialistas: eles pensam que os seres humanos são objetos materiais, com
nenhuma alma imaterial ou espiritual, ou um eu (self). Nós somos apenas nossos
corpos, ou talvez algumas partes dos nossos corpos, tais como o nosso sistema
nervoso, ou cérebros, ou talvez parte de nossos cérebros (o hemisfério direito
ou esquerdo, por exemplo) ou talvez alguma parte ainda menor.
Então vamos pensar no naturalismo como incluindo o
materialismo [5]. E agora vamos pensar sobre crenças de uma perspectiva
materialista. De acordo com os materialistas, crenças, juntamente com o resto
da vida mental, são causadas ou determinadas pela neurofisiologia, pelo que
acontece no cérebro e no sistema nervoso. A neurofisiologia, além disso, também
causa o comportamento. De acordo com a história habitual, sinais elétricos
seguem via nervos aferentes dos órgãos sensoriais até o cérebro; lá alguns
processos continuam; então impulsos elétricos vão via nervos eferentes do
cérebro para outros órgãos incluindo músculos; em resposta a estes sinais,
certos músculos se contraem, assim causando movimento e comportamento.
Agora, o que a evolução nos diz (supondo que nos
diz a verdade) é que nosso comportamento (talvez mais exatamente o
comportamento de nossos ancestrais) é adaptativo; desde que os membros de nossa
espécie têm sobrevivido e se reproduzido, o comportamento de nossos ancestrais
foi conduzido, no seu meio, à sobrevivência e à reprodução. Portanto, a
neurofisiologia que causou este comportamento era também adaptativa; nós
podemos sensatamente inferir que permanece adaptativa. O que a evolução nos
diz, portanto, é que nosso tipo de neurofisiologia promove ou causa
comportamento adaptativo, o tipo de comportamento que resulta em sobrevivência
e reprodução.
Agora, esta mesma neurofisiologia, de acordo com o
materialista, também causa crenças. Mas enquanto a evolução, a seleção natural
premia o comportamento adaptativo (premia-o com sobrevivência e reprodução) e
penaliza comportamentos mal-adaptativos, ele não se importa nem um pouco a
respeito da crença verdadeira.
Como Francis Crick, o co-descobridor do código
genético, escreve no livro The Astonishing Hypothesis [A Hipótese
Deslumbrante], “Nossos cérebros altamente desenvolvidos, conseqüentemente, não
evoluíram sob a pressão da verdadeira descoberta científica, mas apenas nos
possibilitam a ser sagazes o bastante para sobreviver e deixar descendentes”.
Retomando este tema, a filósofa naturalista Patrícia Churchland declara que a
coisa mais importante sobre o cérebro humano é que ele evoluiu; portanto, ela
diz que a sua principal função é possibilitar ao organismo mover-se apropriadamente:
Resumindo o essencial, o sistema nervoso
possibilita o organismo ter êxito nos quatro aspectos: alimentação, fuga, luta
e reprodução. O cerne principal do sistema nervoso é colocar as partes do corpo
onde elas deveriam estar a fim de que o organismo possa sobreviver… .
Melhoramentos no controle sensório-motor conferem uma vantagem evolucionária:
um estilo imaginativo de representação é vantajoso na medida em que está
engrenado no modo de vida do organismo e aumenta as suas chances de sobrevivência
[ênfase de Churchland]. A verdade, o que quer que seja, definitivamente fica
para trás [6].
O que ela quer dizer é que a seleção natural não se
preocupa acerca da verdade ou da falsidade de suas crenças; preocupa-se apenas
com o comportamento adaptativo. Suas crenças podem todas ser falsas,
ridiculamente falsas; se seu comportamento é adaptativo você sobreviverá e
reproduzirá. Considere um sapo sentado sobre uma vitória régia. Uma mosca o
ignora; o sapo estende sua língua e a captura. Talvez a neurofisiologia que
causa isto dessa maneira, também cause crenças. Até onde a sobrevivência e a
reprodução sejam levadas em conta, isto não importará em absoluto o que essas
crenças são: se a neurofisiologia adaptativa causa uma crença verdadeira (por
exemplo, aquelas coisas pequenas e pretas são boas de comer), ótimo.
Mas se causa uma crença falsa (por exemplo, se eu
capturar a mosca correta, eu me transformarei em um príncipe), isto também está
ótimo. De fato, a neurofisiologia em questão pode causar crenças que não tem
nada a ver com as circunstancias presentes da criatura (como no caso de nossos
sonhos); enquanto a neurofisiologia causar comportamento adaptativo, isto
também está ótimo. Tudo que realmente importa, no que diz respeito à
sobrevivência é à reprodução, é que a neurofisiologia cause o tipo certo de
comportamento; se ela também causa crença verdadeira (em vez de crença falsa) é
irrelevante.
Em seguida, para evitar chauvinismo entre espécies,
não vamos pensar sobre nós mesmos, mas ao invés disso pensemos numa população
hipotética de criaturas muito parecidas conosco, talvez vivendo num planeta
distante. Como nós, essas criaturas desfrutam de percepção, memória, e razão;
elas formam crenças sobre muitos assuntos, eles raciocinam e mudam de crenças,
e assim por diante. Vamos supor, além disso, que a evolução naturalística vale
para eles; isto é, suponha que eles vivam num universo naturalístico e tenham
vindo à existência através dos processos postulados pela teoria evolucionista
contemporânea. O que nós sabemos sobre essas criaturas, então, é que elas têm
sobrevivido; a neurofisiologia delas tem produzido comportamento adaptativo.
Mas e à respeito da verdade das crenças delas? E sobre a confiabilidade de suas
produção de crenças ou faculdade cognitivas?
O que nós aprendemos de Crick e Churchland (e o que
é em todo caso óbvio) é isto: o fato de que nossas criaturas hipotéticas terem
sobrevivido não nos diz nada sobre a verdade de suas crenças ou sobre a
confiabilidade de suas faculdades cognitivas. O que isto nos diz é que a
neurofisiologia que produz essas crenças é adaptativa, assim como é o
comportamento causado por aquela neurofisiologia. Mas simplesmente não importa
se as crenças causadas também por aquela neurofisiologia são verdadeiras ou
não.
Se elas são verdadeiras, excelente; mas se elas são
falsas, isto está bem também, desde que a neurofisiologia produza comportamento
adaptativo.
Então considere qualquer crença particular da uma
parte de uma dessas criaturas: qual é a probabilidade que esta seja verdade?
Bem, o que nós sabemos é que a crença em questão foi produzida pela
neurofisiologia adaptativa, neurofisiologia que produz comportamento
adaptativo. Mas como nós temos visto, isto não nos dá nenhuma razão para pensar
que essa crença seja verdadeira (e nenhuma para pensar que seja falsa). Nós
devemos supor, portanto, que a crença em questão tem tanta probabilidade de ser
falsa quanto de ser verdadeira; a probabilidade de qualquer crença particular
ser verdadeira está perto de 1/2. Mas então é solidamente improvável que as
faculdades cognitivas dessas criaturas produzam preponderantemente crenças
verdadeiras sobre falsas conforme exigido pela confiabilidade. Se eu tenho
1.000 crenças independentes, por exemplo, e a probabilidade de qualquer crença
particular ser verdadeira é 1/2, então a probabilidade de que 3/4 ou mais
dessas crenças são verdadeiras (certamente uma exigência modesta o bastante
para confiabilidade) será pouco menos do que 10(-58). E mesmo se eu estivesse
trabalhando com um modesto sistema epistêmico de apenas 100 crenças, a
probabilidade de que 3/4 delas sejam verdadeiras, dado que a probabilidade de
qualquer um seja verdadeira é de 1/2, é muito baixa, alguma coisa como
0,000001[7]. Então as chances de que as crenças verdadeiras dessas criaturas
substancialmente sobrepujem suas falsas crenças (mesmo numa área particular)
são pequenas. A conclusão retirada é que é extremamente improvável que suas
faculdades cognitivas sejam confiáveis.
Mas é claro que este mesmo argumento poderá também
ser destinado a nós. Se o naturalismo evolucionista é verdadeiro, então a
probabilidade de que nossas faculdades cognitivas sejam confiáveis é também
muito baixa.
E isto significa que alguém que aceite o
naturalismo evolucionista tem um obstáculo para a crença de que as faculdades
cognitivas dela são confiáveis: uma razão para desistir daquela crença, para
rejeitá-la, para não mais sustentá-la. Se não existir um obstáculo para aquele
obstáculo – um obstáculo-obstáculo, poderíamos dizer – ela não poderia
racionalmente acreditar que as faculdades cognitivas dela são confiáveis. Sem
dúvida que ela não poderia deixar de acreditar que elas são; sem dúvida ela de
fato continuaria a acreditar nisso; mas a crença seria irracional. E se ela
possui um obstáculo para a confiabilidade de suas faculdades cognitivas, ela
também tem um obstáculo para qualquer crença que sejam produzidas por estas
faculdades – as quais, é claro, são todas as suas crenças. Se ela não pode
confiar nas suas faculdades cognitivas, ela tem uma razão, à respeito de cada
uma de suas crenças, para desistir delas. Ela está, portanto, enredada num
ceticismo profundo e abismal. Uma de suas crenças, contudo, é a sua crença no
próprio naturalismo evolucionista; de modo que ela também tem um obstáculo para
esta crença. O naturalismo evolucionista, portanto – a crença numa combinação
de naturalismo e evolução – é auto-refutante, auto-destrutivo e atira no seu
próprio pé. Portanto você não pode racionalmente aceita-lo. Por todos estes
argumentos apresentados, ele pode ser verdadeiro; mas é irracional sustentá-lo.
Assim o argumento não é um argumento para a falsidade do naturalismo
evolucionista; ao invés disso, para a conclusão de que não se pode
racionalmente acreditar naquela proposição. A evolução, portanto, longe de
sustentar o naturalismo, é incompatível com ele, nesse sentido que você não
pode racionalmente acreditar em ambos.
Que tipo de aceitação este argumento tem tido? Como
você pode esperar, naturalistas tendem a ser menos do que inteiramente
entusiastas acerca dele, e muitas objeções têm sido trazidas contra ele.
Em minha opinião (a qual é claro algumas pessoas
podem considerar tendenciosa), nenhuma dessas objeções é bem-sucedida[8].
Talvez a objeção mais importante e intuitiva seja como se segue. Retornando à
população hipotética de alguns parágrafos atrás. Considerando, poderia ser que
o comportamento deles fosse adaptativo mesmo que suas crenças fossem falsas;
mas não seria muito mais provável que seus comportamentos fossem adaptativos se
suas crenças fossem verdadeiras? E isto não significa que, desde que seus
comportamentos são de fato adaptativos, suas crenças provavelmente verdadeiras
e suas faculdades cognitivas provavelmente confiáveis?
Isto é na verdade uma objeção natural,
particularmente dado o modo como nós pensamos sobre nossa própria vida mental.
É claro que vocês são melhores candidatos a atingir seus objetivos, e é claro
que vocês são melhores candidatos a sobreviver e a reproduzir se suas crenças
são na sua maioria verdadeiras. Vocês são hominídeos pré-históricos vivendo
sobre as planícies de Serengeti; claramente vocês não durarão muito se vocês
acreditarem que os leões são gatinhos crescidos que gostam nada menos do que
serem acariciados; Assim, se nós supomos que estas criaturas hipotéticas estão
no mesmo tipo de situação cognitiva que nós ordinariamente pensamos que
estamos, então certamente eles teriam muito mais provavelmente sobrevivido se
suas faculdades cognitivas fossem confiáveis do que se elas não fossem.
Mas é claro que nós não podemos supor que eles
estão na mesma situação cognitiva que nós pensamos que estamos. Por exemplo,
nós supomos que nossas faculdades cognitivas são confiáveis. Nós não podemos
sensatamente supor isto acerca dessa população; afinal de contas, o ponto
principal do argumento é mostrar que se o naturalismo evolucionista é
verdadeiro, então muito provavelmente nós e nossas faculdades cognitivas não
são confiáveis. Assim refletindo uma vez mais sobre o que nós sabemos acerca
dessas criaturas.
Eles vivem num mundo no qual o naturalismo
evolucionista é verdadeiro. Portanto, desde que eles tenham sobrevivido e
reproduzido, os seus comportamentos têm sido adaptativos. Isto significa que a
neurofisiologia que causa ou produz este comportamento tem também sido
adaptativa: isto tem possibilitado a eles sobreviver e reproduzir. Mas e quanto
às suas crenças? Estas crenças têm sido produzidas ou causadas pela
neurofisiologia adaptativa; com certeza. Mas isto não nos dá nenhuma razão para
supor estas crenças como verdadeiras. Até onde for a adaptatividade de seus
comportamentos, não importa se tais crenças são verdadeiras ou falsas.
Suponha que a neurofisiologia adaptativa produza
crenças verdadeiras: ótimo; ela também produz comportamento adaptativo, e que
isto é o que importa para sobrevivência e reprodução. Suponha, por outro lado,
que a neurofisiologia produza crenças falsas: novamente ótimo: ela produz
falsas crenças, mas comportamento adaptativo. Realmente não importa que tipo de
crenças a neurofisiologia produz; o que importa é o que causa o comportamento
adaptativo; e isto ela claramente faz, não importa que tipo de crenças ela
também produz. Portanto não há razão para pensar que se o comportamento deles é
adaptativo, então é provável que suas faculdades cognitivas são confiáveis.
A conclusão óbvia, como assim me parece, é que o
naturalismo evolucionista não pode sensatamente ser aceito. Os altos sacerdotes
do naturalismo evolucionista proclamam em altas vozes que o cristianismo e
mesmo a crença teísta está falida e que é ridícula. O fato, entretanto, é que a
mesa virou. É o naturalismo evolucionista, e não a crença cristã, que não pode
ser racionalmente aceito.
Bibliografia:
[1] Resenhado por Douglas Groothuis, em um texto
onde quatro livros que lidam com o ateísmo de uma forma ou de outra são
examinados [http://www.christianitytoday.com/bc/2008/004/12.39.html]. Nota do
tradutor: O livro não possui tradução para o português.
[2] Escrito em co-autoria com Alvin Plantinga na
série Blackwell’s Great Debates in Philosoph (Blackwell, 2008). Nota do
tradutor: O livro não possui tradução para o português.
[3] Carta a William Graham (Down, 3 de Julho,
1881), em The Life and Letters of Charles Darwin, ed. Francis Darwin (London:
John Murray, 1887), Volume 1, pp. 315-16.
[4] Aqui eu vou fornecer apenas a essência do
argumento; para uma descrição mais completa veja o meu Warranted Christian
Belief (Oxford Univ. Press, 2000), cap. 7; ou minha contribuição para Knowledge
of God (Blackwell, 2008); ou Natural Selection and the Problem of Evil (The
Great Debate), editado por Paul
Draper,www.infidels.org/library/modern/paul_draper/evil.html.
[5] Se você não pensa que o naturalismo inclui o
materialismo, então pense no meu argumento como a conclusão de que não se pode
sensatamente aceitar a conjunção tripartite do naturalismo, evolução e
materialismo.
[6] “Epistemology in the Age of Neuroscience,”
Journal of Philosophy, Vol. 84 (October 1987), pp. 548-49.
[7] Agradeço a Paul Zwier, que realizou os
cálculos.
[8] Veja, por exemplo, Naturalism Defeated?, ed.
James Beilby (Cornell Univ. Press, 2002), que contém dez artigos por críticos
do argumento, junto com minhas respostas às suas objeções.
Fonte:
segunda-feira, 17 de novembro de 2014
Livro: "Deus, a liberdade e o mal" de Alvin Plantinga
Editora: Vida Nova
Deus, a liberdade e o mal é, sem
sombra de dúvida, uma das principais obras de filosofia da religião escritas no
século XX. Neste livro, Plantinga analisa os principais argumentos a favor da
existência de Deus, bem como a sua relação com o problema do mal e do
livre-arbítrio. Vale a pena mencionar que esta é a primeira obra de Plantinga
publicada em português.
Embora seja um texto de filosofia
da religião, o livro que o leitor tem em mãos não é direcionado apenas a
filósofos da religião. Como o próprio autor faz questão de mencionar, esta obra
foi escrita principalmente para o leitor comum, o teólogo e o principiante em
filosofia. A intenção de Plantinga é mostrar, da forma mais clara e didática
possível, que a existência de Deus e do mal não implicam uma contradição.
sábado, 13 de julho de 2013
Sofisticação Intelectual e Crença Básica em Deus
Alvin Plantinga
Tradução: Vitor Grando
"Em “Reason and Belief in God” [Razão e Crença
em Deus], eu sugeri que proposições como:
1. Deus está falando comigo.
2. Deus desaprova o que eu fiz, e
3. Deus me perdoa pelo que eu fiz.
São propriamente básicas para pelo menos alguns
crentes em Deus; existe um vasto conjunto de condições, eu sugeri, nas quais
tais proposições são, de fato, propriamente básicas. E quando eu disse que
essas crenças são propriamente básicas, eu tinha mente o que Quinn chama de
concepção estreita da relação de base[1]. Eu estava presumindo que uma pessoa S
aceita uma crença A sobre a base de uma crença B somente se (aproximadamente) S
acredita tanto em A e B e possa corretamente alegar (se refletir) que B é parte
de sua evidência para A. A Crença de S de que há um erro em algum argumento
contra P não será tipicamente uma crença sobre as bases das quais ela aceita P
e não será parte de sua evidência para P[2].
Isso é importante pela seguinte razão. Ao
argumentar que a crença em Deus é propriamente básica, eu pretendo refutar a
alegação feita pelo opositor evidencialista: a alegação de que o teísta que não
tem nenhuma evidência para o teísmo é, de alguma forma, irracional. O que o
opositor evidencialista objeta contra, entretanto, não é somente à crença em
Deus quando não se tem uma resposta para objeções ao teísmo tais como o
argumento do mal. Ele admite que o teísta pode perfeitamente ter uma resposta
para essa objeção e para outras; mas enquanto ele não tiver nenhuma evidência
para a existência de Deus, ele diz, o teísta não pode crer racionalmente. Da
forma como o opositor evidencialista pensa em relação à evidência, então, você
não tem evidência para uma crença simplesmente refutando objeções contra esta;
você deve ter também algo como um argumento a favor da crença, ou algum
raciocíonio positivo para pensar que a crença é verdadeira.
Eu penso que essa concepção de evidência é uma
concepção apropriada; mas em todo caso é a concepção relevante, visto ser a
concepção de evidência que o opositor evidencialista tem em mente ao alegar que
o teísta sem evidências é irracional.
Da forma que eu vejo isso, então proposições como
(1) - (3) são propriamente básicas para muitas pessoas, incluindo adultos
intelectualmente sofisticados como eu e você. Quinn discorda: “…eu concluo que
muitos, talvez a maioria, dos teístas adultos intelectualmente sofisticados da
nossa cultura estejam pouco, se sequer alguma vez, em condições de estarem
certos de que proposições como as expressas por (1) - (3) sejam propriamente
básicas para eles.”[3] Por que isso? Eu acredito que Quinn tende a concordar,
primeiro, que existem condições nas quais tais crenças são propriamente básicas
para uma pessoa; tais condições podem ser tais como uma criança que foi criada
por pais crentes, ou talvez um adulto numa cultura na qual céticos não
produziram os tipos de razões para rejeitar a crença teísta que estão na moda
hoje. O problema para adultos intelectualmente sofisticados na nossa cultura,
ele diz, é que existem muitos possíveis invalidadores da crença teísta
disponíveis; e temos razões substanciais para pensarmos que tais invalidadores
são verdadeiros. Um tipo de invalidador para uma crença (do tipo que Quinn se
ocupa aqui) é uma proposição imcompatível com a crença; Quinn cita
4. Deus não existe
como um possível invalidador do teísmo. E o
problema para o teísta adulto intelectualmente sofisticado da nossa cultura,
afirma Quinn, é que foram produzidas muitas razões para se acreditar na
proposição (4).
Existem invalidadores para a crença teísta, então;
na presença de invalidadores, uma crença que, em outras circunstâncias, seria
propriamente básicas pode não mais ser uma crença propriamente básica. Para ser
mais exato, de acordo com Quinn:
parece plausível supor que as condições estão
certas para proposições como aqueles expressas por (1) - (3) serem…
propriamente básicas para mim somente se (i) ou eu não tenho razão substancial
suficiente para pensar que qualquer desses possíveis invalidadores são verdadeiros,
ou eu tenho tal razão, mas para cada razão eu tenho uma razão ainda melhor para
pensar que os invalidadores são falsos, e (ii) em ambos os casos minha situação
não envolve nenhuma negligência epistêmica de minha parte.[4]
Quinn avança e diz que ele não está nessa condição
bem-aventurada em relação à crença teísta; ele conhece razões substanciais, ele
diz, para acreditar que (4) é verdade, e não tem uma razão ainda melhor para
supor que as razões que ele tem para acreditar em (4) sejam falsas. Então (por
Q*) a crença em Deus não é propriamente básica para ele; e ele suspeita que o
mesmo vale para o resto de nós.
Nisso eu estou em desacordo profundamente.
Precisamos primeiro perguntar quais são essas “razões muito substanciais” para
pensar que o que (4) expressa é verdade.[5] Quais seriam alguns exemplos de
tais razões substanciais para o ateísmo? Quinn responde: “razões ateológicas
não-triviais, variando desde vários problemas em relação ao mal até teorias
naturalistas de acordo com as quais a crença teísta é ilusória ou simplesmente
projetiva, são um componente universal da porção racional da nossa herança
intelectual.”[6] Então tais razões substanciais para pensar que o teísmo é
falso seriam o argumento do mal junto com teorias de acordo com as quais a crença
teísta é ilusória ou simplesmente projetiva; aqui talvez Quinn tenha em mente
as teorias Marxistas e Freudianas em relação à crença religiosa.
Eu deveria observar imediatamente que as teorias
Marxistas e Freudianas que ele faz alusão não parecem ser nem mesmo
razoavelmente convincentes se tomadas como razões para acreditar em (4), ou
como evidência da não-existência de Deus, ou como razões para rejeitar a crença
em Deus. As insignificantes especulações de Freud sobre a origem psicológica da
religião e as alegações descuidadas de Marx sobre o papel social da religião
não podem ser tomadas como razão ou argumento para (4), isto é, para a
não-existência de Deus; tomadas desta forma elas nada mais são do que exemplos
da simplória falácia genética. Se tais especulações e alegações tem um papel
respeitável a realizar, pode até exercer tal papel como explicação naturalista
para a ampla aceitação da crença religiosa, ou talvez tentar desacreditar uma
crença religiosa traçando-a em direção à uma fonte desonrosa. Mas é claro que
isso não constitui nada como evidência para (4) ou uma razão para pensar que o
teísmo é falso. Alguém pode citar isso como evidência para a existência de
Deus, São Paulo alega (Romanos 1) que a falha em crer em Deus é resultado do
pecado e da rebeldia contra Deus. Nenhuma das teorias naturalistas de acordo
com as quais o teísmo é ilusório ou simplesmente projetivo parece ter alguma
força como argumento ou evidência para a não-existência de Deus - embora elas
possam ser interessantes de outras formas.
Isso nos deixa com o argumento ateológico do mal
como a única razão substancial para pensar que(4) é verdade. E inicialmente
esse argumento parece ser muito forte como razão para rejeitar a crença teísta.
Mas será realmente? Até recentemente, a maioria dos ateólogos que insistiam num
argumento do mal afirmavam que
5. Deus existe e é onisciente, onipotente, e
totalmente bom.
é logicamente incompatível com a proposição
6. existe uma quantidade 10x¹³ de mau.
(onde (6) é só uma maneira de se referir a todo o
mal que o mundo apresenta). Hoje em dia, acredito que os ateólogos já
desistiram de alegar que (5) e (6) são imcompatíveis [7]. O que eles agora
dizem é que (5) é improvável em relação a (6); e Quinn (ele próprio, é claro,
não é ateólogo) diz, “O que eu sei, parcialmente pela minha experiência e
parcialmente por testemunho, sobre a quantidade e variedade da mal não-moral no
universo confirma fortemente para mim a proposição expressa por(4).”[8] Mas
será realmente verdade? Será que o que Quinn e o resto de nós sabe sobre a
quantidade e variedade do mal não-moral no mundo confirma fortemente a
não-existência de Deus? Esse não é o lugar para entrar numa discussão sobre
esse difícil e complicado problema (difícil e complicado ao menos em parte
devido ao caráter difícil e confuso da noção da confirmação); para o que é
importante, entretanto, eu não vejo que esse argumento é bem sucedido. Até onde
eu posso ver, nenhum ateólogo proveu uma forma bem sucedida e persuasiva de
desenvolver um argumento ateológico do mal probabilístico; e eu acredito que há
boas razões para pensar que isso não pode ser feito [9] Eu estou, portanto,
bastante inclinado a duvidar que (6) “invalida fortemente” (5) para Quinn. No
mínimo o que precisamos aqui é alguma explicação para mostrar como (ou até
aproximadamente como) essa invalidação deve prosseguir.
Então primeiro, essas alegadas razões substanciais
para rejeitar o teísmo exigem uma boa dose de ceticismo. Mas em segundo, até
mesmo se admitirmos que há tais razões, a conclusão de Quinn não seguiria a
partir daí; isso é porque (Q*), como é colocado, é claramente falso. A sugestão
é que se eu tiver uma razão substancial para pensar que algum invalidador de
uma proposição (por exemplo, sua negação) é verdadeiro, então eu não posso tomar
apropriadamente a proposição como básica a menos que eu tenha uma razão ainda
maior para pensar que o invalidador em questão é falso.
Mas certamente isso é exigir muito. Supomos que um
ateólogo me dê um argumento inicialmente convincente para pensar que (5) é, de
fato, extremamente improvável em relação a (6). Mas para derrotar esse
invalidador em potencial, eu não preciso saber ou ter razões muito boas para
pensar que é falso que (5) seja improvável em relação à (6); bastaria mostrar
que o argumento do ateólogo (para a alegação de que (5) é improvável em relação
à (6) é mau sucedido. Para derrotar esse invalidador em potencial, tudo que eu
preciso fazer é refutar esse argumento; eu não estou obrigado a ir além e
produzir um argumento para a negação de sua conclusão. Quinn encara
(4) Deus não existe
como um invalidador potencial para as proposições
(1) - (3); mas para invalidar o invalidador potencial oferecido por um
argumento para (4) eu não preciso necessariamente ter algum argumento a favor
da existência de Deus. Existem invalidadores defensivos como também
invalidadores ofensivos.[10]
Há um outro e mais sutil ponto aqui. Quinn parece
estar pensando nas seguintes linhas: supomos que eu tome alguma proposição como
básica, mas tenha evidência substancial, a partir de outras coisas que eu
creio, para a existência de algum invalidador dessa proposição - uma proposição
com a qual seja incompatível. Então (de acordo com Q*) eu sou irracional se eu
continuar a aceitar a proposição em questão, a menos que eu tenha boas
evidências para a falseabilidade do invalidador. Então se eu aceito uma
proposição P, mas acredite ou saiba de outras coisas que constituem uma forte
evidência a favor de um invalidador Q de P, então, diz Q*, se eu não quiser ser
irracional em continuar a aceitar P como básico, eu tenho que ter uma razão
para pensar que Q é falso, uma razão que seja mais forte do que as razões que
eu tenho para pensar que Q é verdadeiro.
Agora, minha pergunta é: poderia o próprio P ser
minha razão para pensar que Q é falso? Ou essa razão deve ser alguma proposição
distinta de P? Considere um exemplo. Eu estou tentando conseguir uma membresia
no National Endowment for the Humanities; eu escrevo uma carta para um membro,
tentando suborná-lo à escrever para o Endowment uma carta me elogiando; ele se
recusa indignado e manda uma carta para o meu diretor. A carta desaparece
misteriosamente do escritório do diretor. Eu tenho um motivo para roubar a
carta; eu tenho uma oportunidade para fazê-lo; eles sabem que eu já fiz esse
tipo de coisa no passado. Além do mais, um membro bastante confiável do
departamento alega ter me visto entrando no escritório do diretor na hora que a
carta provavelmente foi roubada. A evidência contra mim é muito forte; meus
colegas me repreendem por tal comportamento e me tratando com um desgosto
evidente. Mas a verdade, entretanto, é que eu não roubei a carta e, de fato, eu
passei toda a tarde em questão numa caminhada solitária pela floresta; além do
mais eu me lembro claramente ter passado tal tarde caminhando pela floresta.
Assim eu acredito de forma básica em
(7). Eu estava sozinho na floresta naquela tarde, e
eu não roubei a carta.
Mas eu tenho forte evidências para a negação de
(7). Por eu ter as mesmas evidências que todos os outros de que eu estava no
escritório do diretor e tenha pego a carta; e essa evidência é suficiente para
convencer meus colegas (que são justos e inicialmente bem dispostos em relação
à mim) da minha culpa. Eles estão convencidos de que eu peguei a carta baseado
no que eles sabem, e eu sei tudo que eles sabem. Então eu tomo (7) como básico;
mas eu tenho uma razão substancial para acreditar num invalidador de (7). De
acordo com Q*, se eu afirmar que sou racional nessa situação, eu devo ter uma
razão ainda melhor para crer que esse invalidador em potencial seja falso. Mas
eu tenho?
Bem, a única razão que eu tenho para pensar que
esse invalidador em potencial é falso é somente o próprio (7); eu não tenho
nenhuma razão independente para pensar que o invalidador é falso (A garantia
que eu tenho para (7) é garantia não-proposicional; essa garantia não é
conferida à (7) em virtude de crer nessa proposição devido a alguma outra
proposição, pois não é me baseando em alguma outra proposição que eu acredito
em (7)
Nessa situação é óbvio que eu sou perfeitamente
racional em continuar a acreditar em (7) de forma básica. A razão é que nessa
situação o status epistêmico positivo ou garantia que (7) tem para mim (por
virtude de memória) é maior do que aquela conferida ao invalidador em potencial
pelas evidências que eu compartilho com meus colegas. Nós poderíamos dizer que
o próprio (7) invalida o invalidador em potencial; nenhuma razão além dessa é
necessária para negar o invalidador para que, então, eu possa ser racional.
Supomos que nós disséssemos que nesse tipo de situação uma proposição como (7)
é um invalidador intrínseco do invalidador em potencial. Quando uma crença
básica P tem mais garantia do que um invalidador potencial Q de P, então P é um
invalidador intrínseco do invalidador Q - um invalidador intrínseco de um outro
invalidador, poderíamos dizer. (Uma crença R é um invalidador extrínseco de um
outro invalidador se ela invalida um invalidador Q de uma crença P distinta de
R)
Então minha questão aqui é essa: como Quinn está
pensando em relação a essas razões para pensar que a proposição invalidadora é
falsa? Eu tendo a crer que ele quer que Q* seja lido de tal forma que essas
razões tenham que ser invalidadores extrínsecos de invalidadores; mas se for
assim, então seu princípio, eu penso, é claramente falso. Por outro lado,
talvez deva ser entendido como dizendo algo como:
Q** se você crê em P de forma básica e você tem
razão para acreditar num invalidador Q de P, então se você quer ser racional em
continuar a crer em P dessa forma, P deve ter mais garantia para você do que Q.
Não estou certo se esse princípio é correto, mas eu
também não quero debatê-lo. O ponto central, entretanto, é que se uma crença P
é propriamente básica em certas circunstâncias, então tem garantia ou status
epistêmico positivo naquelas cirscunstâncias nas quais é propriamente
básica-garantida, mesmo quando não é crida baseando-se em evidências de outras
proposições. (Por hipótese ela não é crida sobre as bases de evidências de
outras proposições). Para ser bem-sucedido, um invalidador em potencial para P
deve ter tanto ou mais garantia quanto P tem. E P pode suportar o desafio feito
por um determinado invalidador mesmo se não existirem evidências independentes
que sirvam para refutar o invalidador em questão; talvez a garantia
não-proposicional que P usufrui seja suficiente em si mesma (como acima no caso
da carta perdida) para resistir ao desafio.
Mas como isso se aplica ao caso em questão, o caso
da crença em Deus e os alegados invalidadores que Quinn menciona? Como segue.
Se há circunstâncias nas quais a crença em Deus seja propriamente básica, então
nessas circunstâncias tal crença tem um certo grau de garantia ou status
epistêmico positivo. Agora suponha que um invalidador em potencial surja:
alguém alega que a existencia de 10x¹³ de mau torna o teísmo improvável, ou ele
alega que a crença teísta surge a partir de nada mais honrado do que um tipo de
neurose humana comum. Duas questões surgem. Primeiro, como o grau de garantia
não-proposicional usufruída pela sua crença em Deus está em comparação com a
garantia possuída pelo alegado invalidador em potencial? Poderia ser que sua
crença, mesmo se aceita como básica, tenha mais garantia do que o invalidador
proposto e dessa forma constitui um invalidador intrínseco de um invalidador.
Quando Deus falou à Moisés do meio da sarça
ardente, a crença de que Deus estava falando à ele, eu me atrevo a dizer, tinha
mais garantia para ele do que teria a garantia oferecida por sua negação
proposta por um antigo Freudiano que passava por ali e propôs a tese de que a
crença em Deus é uma questão de satisfação de desejo neurótica. E segundo,
existem qualquer invalidador extrínseco para esses invalidadores? Alguém
argumenta que a existência de uma quantidade 10x¹³ de mal é inconsistente com a
existência de Deus; eu talvez tenha aí um invalidador extrínseco para esse
invalidador em potencial. Esse invalidador-invalidador não precisa ter a forma
de uma prova de que essas proposições são, de fato, consistentes; se eu ver que
o argumento não é razoável, então eu também tenho um invalidador para ele. Mas
eu sequer precisava ter um invalidador. Talvez eu não seja nenhum expert nesses
assuntos mas aprenda a partir de fontes confiáveis que alguém tenha mostrado
que o argumento não é razoável, ou que os experts estão divididos em relação à
sua razoabilidade. Então, também, eu tenho ou posso ter um invalidador para o
invalidador em potencial em questão, e posso continuar a aceitar a crença
teísta como básica sem irracionalidade.
Para concluir: Quinn alega que adultos teístas
intelectualmente sofisticados da nossa cultura raramente estão em
circunstâncias epistêmicas nas quais a crença em Deus seja propriamente básica;
pois eles tem razão substancial para pensar que algum invalidador do teísmo
seja verdadeiro, e não tem, para cada um desses invalidadores, uma razão ainda
maior para pensar que são falsos. Mas primeiro, não é necessário que eles
tenham razões independentes de sua crença em Deus para a falseabilidade e tais
invalidadores. Talvez a garantia não-proposicional usufruída pela sua crença em
Deus é, em si mesma, suficiente para devolver os desafios oferecidos pelos
invalidadores, então minha crença teísta é um invalidador intrínseco de outros
invalidadores.
E segundo, invalidadores extrínsecos dos alegados
invalidadores não precisam ser evidência para a falseabilidade de tais
invalidadores; ao invés disso, eles podem ser enfraquecedores de tais
invalidadores; eles podem ser, por exemplo, refutações de argumentos
ateológicos (E aqui os filósofos Cristãos podem servir muito bem ao resto da
comunidade Cristã). Minha opinião é que para muitos teístas, a garantia
não-proposicional que a crença em Deus tem para eles é, de fato, maior do que
os alegados invalidadores da crença teísta - por exemplo, as teorias Freudianas
e Marxistas sobre religião. Além do mais, existem poderosos invalidadores
extrínsecos para esse tipo de invalidadores do teísmo que Quinn sugere. O
argumento ateólogico do mau, por exemplo, é formidável; mas existem
invalidadores igualmente formidáveis para esse invalidador em potencial. Logo,
eu estou inclinado a acreditar que a crença em Deus é propriamente básica para
a maioria dos teístas - mesmo os adultos teístas intelectualmente sofisticados.
Notas
[1]Philip Quinn, “In Search of the Foundations of
Theism,” Faith and Philosophy 2 (October 1985): 20-1.
[2]Faith and Rationality, ed. A. Plantinga and N.
Wolterstorff (South Bend: The University of Notre Dame Press, 1983), pp. 84-5.
[3]Quinn, “Search,” p. 481.
[4]Ibid., p. 483.
[5]Ibid., p. 481.
[6]Ibid.
[7]Veja, por exemplo, o Capítulo IX do meu livro
The Nature of the Necessity (Oxford: The Clarendon Press, 1974).
[8]Quinn, “Search,” p. 481.
[9]Veja meu artigo “The Probabilistic Argument from
Evil,” Philosophical Studies (1980): 1-53.
[10]Devo esses termos à John Pollock. A distinção
entre invalidadores defensivos e ofensivos é de central importâncial para a
apologética. Se a propriedade da crença básica em Deus é ameaçada por
invalidadores, existem duas maneiras de responder. Primeiro, existe a
apologética negativa: a tentativa de refutar os argumentos contra o teísmo (o
argumento ateológico do mal, a alegação de que o conceito de Deus é incoerente,
e por aí vai). Segundo, existe existe a apologética positiva: a tentativa de
desenvolver argumentos a favor da existência de Deus. Ambas são disciplinas
importantes; mas somente a primeira é necessária para invalidar os
invalidadores.
Fonte: http://www.leaderu.com/truth/3truth03.html
Fonte: http://www.apologia.com.br/
quarta-feira, 26 de junho de 2013
O Argumento Evolucionista Contra o Naturalismo
Alvin Plantinga é um filósofo considerado pela
revista Time, como a figura central em uma revolução silenciosa que trouxe a
respeitabilidade da crença em Deus entre filósofos acadêmicos. Plantinga é
Ph.D. em filosofia pela Universidade de Yale e atual ocupante da cadeira John
A. O’Brien de filosofia na Universidade de Notre Dame. Esse artigo, na verdade,
é um esboço de uma preleção dele na BIOLA University onde ele mostra que a
incompatibilidade do evolucionismo não é com o teísmo mas sim com o naturalismo
(uma espécie de ateísmo extremado), já que o propósito da seleção natural é
produzir sobrevivência e não crenças verdadeiras. Portanto, no contexto
naturalista não temos a menor garantia de que nossas crenças correspondam à
realidade. Plantinga também escreveu um artigo menos técnico sobre o assunto
para a revista Christianity Today.
Tradução: Vitor Grando
A. O PROBLEMA
Teísmo: Nós seres humanos fomos criados por um ser
totalmente bom, onipotente e onisciente; um ser que tem conhecimento,
propósitos e intenções e age de modo que venha a alcançá-los. Deus e criação.
Naturalismo: A descrição teísta excluindo Deus.
Carl Sagan, Stephen Jay Gould, David Armstrong, Darwin, John Dewey, Bertrand
Russell.
Faculdades cognitivas: os poderes ou faculdades de
capacidades através das quais nós adquirimos conhecimento ou formamos uma
crença: memória, percepção, razão, talvez outros.
Teísmo e a confiabilidade de nossas faculdades
cognitivas:
Tómas de
Aquino:
Já que os seres humanos foram criados à imagem de
Deus, em virtude de terem uma natureza que inclui um intelecto, tal natureza é
à imagem de Deus em virtude de ter alguma capacidade de imitar à Deus (ST Ia q.
93 a. 4);
E,
Somente em criaturas racionas encontramos uma
semelhança de Deus que conta como uma imagem… Pensando sobre a semelhança da
natureza divina, criaturas racionais parecem, de alguma forma, obter uma
representação desse tipo de virtude de imitar a Deus não somente no ato de ser
e viver, mas especialmente no ato de compreender (ST Ia Q.93 a.6).
A maioria de nós pensamos (ou pensaríamos, se
fossemos refletir) que pelo menos uma função ou propósito de nossas faculdades
cognitivas é nos prover crenças verdadeiras. Mais do que isso, vamos além e
pensamos que quando elas funcionam apropriadamente, de acordo com a maneira que
fomos projetados, então na maioria das vezes elas fazem exatamente isso.
Faculdades muito mais adaptadas para alcançar a
verdade em algumas áreas do que outras; aritmética elementar e lógica, e a
percepção de objetos de tamanho médio em condições comuns. Lembrando alguns
tipos de coisas:
As coisas ficam mais difíceis, entretanto, quando o
assunto é uma reconstrução precisa do que seria ser, por exemplo, um grego do
quinto século antes de Cristo (para não mencionar [ser] um morcego). E
trabalhando no limite dos nossos poderes: cosmologia contemporânea, por
exemplo.
Mas não há um problema aqui, para o naturalista? Em
qualquer nível para o naturalista que pensa que nós e nossas faculdades
cognitivas chegaram até aqui após bilhões de anos de evolução (por seleção
natural, mutações genéticas, e outros processos cegos trabalhando em fontes de
variação genética tais como mutação genética randômica)?
Richard Dawkins (de acordo com Peter Medawar, “um
dos mais brilhantes da recente geração de biólogos”) uma vez confessou e
afirmou para A.J. Ayer em um daqueles elegantes e beberrões jantares à luz de
velas dos acadêmicos de Oxford que ele não poderia imaginar ser ateu antes de
1859 (o ano em que foi publicado A Origem das Espécies de Darwin); “… embora o
ateísmo pudesse ser sustentável antes de Darwin”, ele disse, “Darwin tornou
possível ser um ateu intelectualmente completo.” O Relojoeiro Cego Dawkins
continua:
Contra todas as aparências contrárias, o único
relojoeiro na natureza são as forças cegas da física, ainda que organizadas de
uma maneira muito especial. Um verdadeiro relojoeiro tem presciência: ele
desenha as engrenagens, as molas, e planeja suas interconexões, com um
propósito futuro em mente. A seleção natural, o processo cego e inconsciente
que Darwin descobriu, e o qual nós agora sabemos que é a explicação para a
existência e o propósito aparente de toda a forma de vida, não tem propósito
algum. Se há um relojoeiro, certamente é um relojoeiro cego.
Agora, Dawkins acha que Darwin tornou possível se
tornar um ateu intelectualmente satisfeito. Mas talvez Dawkins esteja
completamente errado aqui. Talvez a verdade esteja na direção oposta. O
propósito último da evolução é sobrevivência e não a produção de crenças
verdadeiras.
Patricia
Churchland:
Essencialmente, um sistema nervoso permite ao
organismo funcionar nos quatro F’s: alimentação (feeding), fuga (fleeing), luta
(fighting), e reprodução. A principal incumbência dos sistemas nervosos é
ajustar as partes do corpo onde elas devem estar para que o organismo
sobreviva… Avanços no controle sensório-motor conferiu uma vantagem evolutiva:
um exorbitante estilo de representação é vantajosa apenas quando é dirigida à
forma de vida do organismo e aumenta as chances de sobrevivência (Ênfase da
autora). A verdade, seja lá o que ela for, fica por último.
W. v. O. Quine e Karl Popper, Popper: Visto termos
evoluídos e sobrevividos, nós podemos estar bastante certos de que nossas
hipóteses e conjeturas em relação a como o mundo realmente é são em sua maioria
corretas. Como diz Quine, ele encontra encorajamento em Darwin:
Há algum encorajamento em Darwin. Se o espaçamento
inato de qualidade é um traço ligado geneticamente, então o espaçamento que fez
as induções mais bem sucedidas teve a tendência de predominar através da
seleção natural. As criaturas equivocadas em suas induções tem uma patética,
mas louvável tendência de morrer antes de reproduzir sua espécie.
Quine encontra ainda mais encorajamento em Darwin
do que o próprio Darwin:
“Uma terrível dúvida sempre surge em mim, qual
seja, se as convicções da mente do homem, que se desenvolveram a partir da
mente de animais inferiores, são de algum valor ou confiáveis. Qualquer um
confiaria nas convicções da mente de um macaco, se é que há quaisquer
convicções em tal mente?”
Quine e Popper por um lado e Darwin e Churchland de
outro. Quem está certo? Mas será que podemos estreitar a pergunta? Sobre o que,
precisamente, fala o argumento? Darwin e Churchland pareciam acreditar que a
evolução (naturalista) é uma razão para duvidar de que nossas faculdades
cognitivas são confiáveis (produzindo crenças verdadeiras em sua maioria):
Chame isso de “A Dúvida de Darwin”. Quine e Popper, por outro lado,
aparentemente pensavam que a evolução nos dá uma razão para crer que nossas
faculdades cognitivas de fato produzem crenças verdadeiras ou verossímeis na
maior parte das vezes. Como devermos entender essa briga?
B. A DÚVIDA DE DARWIN
Uma possibilidade: talvez Darwin e Churchland
queriam propor que uma certa probabilidade condicional é baixa: a probabilidade
das faculdades cognitivas humanas serem “confiáveis, visto que as faculdades
cognitivas humanas foram produzidas pela evolução (A evolução cega de Dawkins,
não dirigida por Deus ou qualquer outra pessoa). Se a evolução (naturalista) é
verdadeira, então nossas faculdades cognitivas são resultado de mecanismos
cegos como a seleção natural, trabalhando em fontes de variação genética tais
como mutação genética randômica. E o propósito último ou função (a
‘incumbência’ de Churchland) de nossas faculdades cognitivas, se de fato
tiverem um propósito ou função, este é a sobrevivência - do indivíduo, espécie,
gene, ou genótipo. Mas então é improvável que elas tenham a produção de crenças
verdadeiras como função. Então a probabilidade de nossas faculdades serem
confiáveis, dada a evolução naturalista, seria muito baixa. Popper e Quine, por
outro lado, pensam que probabilidade é bastante alta.
P(R/N&E)
N é naturalismo metafísico. (Crucial para o
naturalismo metafísico, é claro, é a visão de que não há nenhuma pessoa como o
Deus do teísmo tradicional). E: faculdades cognitivas humanas surgiram pela
evolução (como concebida pela ciência evolucionista contemporânea). R: a
alegação de que nossas faculdades cognitivas são confiáveis. E a pergunta é:
Qual é a probabilidade de R, visto N&E? Darwin e Churchland propuseram que
essa probabilidade seria relativamente baixa. Enquanto Quine e Popper pensaram
que é bastante alta.
1. DESENVOLVENDO A DÚVIDA.
Vamos supor que pensássemos, primeiro, não sobre
nós mesmos e nossos ancestrais, mas sobre uma população hipotética de criaturas
um tanto parecidas conosco num planeta similar a Terra. (Darwin propôs que
pensássemos sobre uma outra espécie, como macacos.) Vamos supor que essas
criaturas tenham faculdades cognitivas, tenham crenças, mudem de crenças, façam
inferências, e por ai vai; e suponha que essas criaturas tenham surgido por
processos de seleção endossados pelo pensamento evolutivo contemporâneo. Qual é
a probabilidade de as crenças deles serem confiáveis? O que é P(R/N&E),
especificado, não para nós, mas para eles? De acordo com Quine e Popper, bem
alta: crença é conectada com ação de tal forma que as crenças falsas levariam a
comportamentos não adaptados, o que é provável que os ancestrais desses
criaturas tenham apresentado essa patética mas louvável tendência que Quine
menciona.
Mas: primeiro, talvez seja provável que o
comportamento deles seja (ou tenha sido) adaptativo; mas nada segue daí em
relação as suas crenças. Tudo depende de como o comportamento deles está
relacionado com suas crenças.
(a) Talvez as crenças deles não eram a causa do
comportamento (Epifenomenalismo: T.H. Huxley). Se for assim, então elas seriam
invisíveis à evolução; e então o fato de que elas surgiram durante a história
evolutiva desses seres não conferiria nenhuma probabilidade da maioria das
crenças serem verdadeiras, ou quase todas quase verdadeiras, ao invés de
amplamente falsas. De fato, a probabilidade de elas serem verdadeiras em sua
maioria teria que ser estimada como muito baixa; a probabilidade de que um
conjunto amplo de proposições escolhidos pelo acaso conter muito mais crenças
verdadeiras do que falsas é baixo. (Poderia ser que uma dessas criaturas
acredite que está no elegante jantar de Oxford, quando de fato ele está nadando
num pântano primitivo, lutando desesperadamente contra crocodilos famintos.)
J.M. Smith: “Poucos anos atrás, ele escreveu que nunca tinha entendido porque
organismos tinham sentimentos.
Biólogos ortodoxos acreditam que o comportamento,
embora seja complexo, é governado puramente por bioquímica e que as sensações
criadas - medo, dor, admiração, amor - são apenas sombras dessa bioquímica, não
vitais para o comportamento do organismo…
Time De. ‘92
(b) crenças, de fato, causam comportamento, mas
simplesmente em virtude de suas propriedades eletro-químicas, não por virtude
de seu conteúdo. Essa possibilidade é dita como sendo a “opinião recebida” por
Rob Cummins (Representação Mental e de Sentido); se você aceitar o materialismo
da mente, é difícil ver uma alternativa.
(c) uma terceira possibilidade: poderia ser que a
crença cause o comportamento pelo conteúdo, mas seja inadequada à adaptação.
Novamente, possibilidade baixa.
(d) as crenças de nossas criaturas hipotéticas
causam seu comportamento e também adaptativo. Probabilidade (dessa
possibilidade junto com N&E) de que suas faculdades cognitivas são
confiáveis?
Não tão alta quanto você pode imaginar. Crenças
geralmente não produzem comportamento por si mesmas; são crenças, desejos, e
outros fatores que juntos levam ao comportamento. Então o problema é que
claramente haveriam um número de padrões diferentes de crença e desejo que
iriam resultar na mesma ação; junto com esses haveriam muitos nos quais essas
crenças são amplamente falsas. Paulo é um hominídeo pré-histórico; as
exigências de sobrevivência exigem dele um comportamento que evite a
aproximação de tigres. Haverão muitos comportamentos que são apropriados:
fugir, por exemplo, ou escalar uma rocha íngreme, ou pular num buraco pequeno
demais para que o tigre entre, ou pular num lago. Pegue qualquer um desses
comportamentos apropriados B. Paulo se engaja em B, nós pensamos, por ser um
cara sensível ele tem aversão a ser comido e acredita que B é uma forma
apropriada de frustrar as intenções do tigre.
Mas claramente esse comportamento de escape poderia
resultar de milhares de outras combinações crença-desejo: indefinidamente
muitos outros sistemas crença-desejo se encaixam perfeitamente em B da mesma
forma. Talvez Paulo goste muito da ideia de ser comido, mas quando vê um tigre,
ele sempre se desloca para um lugar melhor, pois ele acha que é improvável que
o tigre que ele vê vá comê-lo. Isso colocará as partes do corpo nos lugares
certos em relação a sobrevivência, sem envolver muito a crença. Ou talvez ele
ache que o tigre é um gatinho grande, fofo e amistoso e queira brincar com ele;
mas ele também crê que a melhor maneira de brincar com ele é correr do tigre.
Ou talvez ele confunda correr em direção ao tigre com correr para longe do
tigre, crendo que a ação de correr do tigre, seja na verdade, correr em direção
ao tigre; ou talvez ele ache que o tigre seja uma ilusão recorrente, e com a
intenção de manter a forma, resolve correr uma milha sempre que se depara com
tal ilusão; ou talvez ele ache que está prestes a começar uma corrida de 1600
metros e quer vencer, e crê que a aparição do tigre seja o sinal para começar a
prova; ou talvez…
Certamente existem um sem-número de sistemas
crença-desejo que igualmente se encaixem em um determinado comportamento.
Tentando combinar essas probabilidades numa forma apropriada, então, seria
razoável supor que a probabilidade de R, do sistema cognitivo dessas criaturas
ser confiável, é relativamente baixa, algo menos do que a metade.
Agora voltemos para a dúvida de Darwin. O
raciocínio que se aplica a essas criaturas hipotéticas, é claro, também se
aplica a nós; então se nós pensarmos que a probabilidade de R em relação à eles
é relativamente baixa em N&E, nós deveríamos pensar a mesma coisa sobre a
probabilidade de R em relação a nós. Algo similar a esse raciocínio, talvez,
seja o que está por trás da dúvida de Darwin. Então deveríamos pensar que
P(R/N&E) para nós é bem baixo.
E se aceitarmos N&E, isso nos dá um invalidador
para nossa crença em R: uma razão para duvidar, para ser agnóstico em relação a
isso. Se R é improvável dada a forma que nossas faculdades se desenvolveram,
então temos uma razão para rejeitar R.
C. O ARGUMENTO CONTRA O NATURALISMO
1. A DÚVIDA DESENVOLVIDA NOVAMENTE
Claro que o argumento para uma baixa estimativa de
P(R/N&E) é meio fraco. Em particular, nossas estimativas de várias
probabilidades envolvidas em estimar P(R/N&E) em relação à população
hipotética foram fracas. Então talvez o melhor caminho seja simplesmente o
agnosticismo: essa probabilidade é inescrutável; nós simplesmente não podemos
dizer qual é.
Isso também parece sensato. Qual seria, então, a
atitude apropriada em relação a R (especificamente em relação a essa população
hipotética)? Alguém que aceite N&E e também acredita que a atitude
apropriada em relação à P(R/N&E) seja de agnosticismo, certamente, tem boas
razões para ser agnóstico em relação à R também.
Agora, suponha que aplicássemos o mesmo tipo de
raciocínio a nós mesmos e a nossa condição. Supomos que pensássemos que N&E
seja verdadeiro: nós também evoluímos de acordo com os mecanismos sugeridos
pela teoria evolucionista contemporânea, não dirigida e não orquestrada por
Deus ou outro alguém. Supomos que nós pensássemos, mais além, que não há
nenhuma forma de determinar P(R/N&E) (especificado a nós). Qual seria a
atitude apropriada a ser tomada em relação a R? Bem, se nós não tivermos
nenhuma informação mais avançada, então a atitude apropriada aqui não seria,
assim como em relação a população hipotética, a do agnosticismo, rejeitando a
crença? Se essa probabilidade é inescrutável, então nós temos um invalidador
para R, assim como no caso onde a probabilidade é baixa.
Então P(R/N&E) é tanto baixo ou inescrutável; e
se aceitarmos N&E, então em ambos os casos temos um invalidador para R.
2. ALGUMAS ANALOGIAS
(a) Um crente em Deus vem a crer que tal crença é
produzida por satisfação de um desejo (wish fulfillment - freud). Supomos que
ele creia que a probabilidade objetiva da confiabilidade da satisfação de um
desejo, como um mecanismo produtor de crenças: [seja] baixa ou inescrutável:
tal que nós não podemos dizer qual é. Em ambos os casos ele tem um invalidador
para qualquer crença que venha a ser produzida pelo mecanismo em questão. Razão
para rejeitá-lo, para não afirmá-lo, para negá-lo.
(b) as coisas no plano da linha de montagem: o
segundo de tipo de coisa: aqui ele não vem a crer que a probabilidade da coisa
ser vermelha, visto que parece vermelho, é baixa. De fato, ele é agnóstico em
relação a probabilidade.
(c) você vem a crer que foi criado por um demônio
Cartesiano maléfico que tem prazer em enganar aqueles que ele cria: A maioria
das crenças de suas criaturas são falsas.
Então, você tem um invalidador para qualquer crença
que tiver. E o mesmo vale quando você pensa que a probabilidade em questão é
baixa ou inescrutável.
Agora supomos que nós voltemos para a pessoa
convencida de N&E que é agnóstica em relação a P(R/N&E): algo similar
vale para ele. Ele está na mesma posição em relação a qualquer crença B sua,
como está o crente em Deus acima. Ele está na mesma posição que a pessoa que
vem a pensar que foi criada pelo demônio Cartesiano maligno. Então ele também
tem um invalidador para B, e uma boa razão para ser agnóstico em relação a
isso.
3. O ARGUMENTO
Agora, o argumento de que é irracional crer em
N&E: P(R/N&E) é ou baixo ou inescrutável; em ambos os casos (se você
aceitar N&E) você tem um invalidador para R, e portanto para qualquer outra
crença B que você possa ter; mas B pode ser o próprio N&E; então alguém que
aceita N&E tem um invalidador para N&E, uma razão para duvidar ou ser
agnóstico em relação a isso. Se ele não tem nenhuma evidência independente,
N&E é auto-refutável e, portanto, irracional.
Poderia ele arranjar um invalidador que destruisse
esse invaliadador - um invaliador-invalidador? Talvez fazendo alguma ciência,
por exemplo, determinando por métodos cientificos que suas faculdades são
confiáveis?
Mas é claro, isso teria que pressupor que suas
faculdades são confiáveis. Thomas Reid (Essays on the Intellectual Powers of
Man):
Se a honestidade de um homem fosse colocada em
questão, seria ridículo se referir a própria palavra do homem, sendo ele
honesto ou não. O mesmo absurdo existe em tentar provar, por qualquer tipo de
raciocínio, provável ou demonstrativo, que nossa razão não é falaciosa, visto
que o ponto em questão é exatamente se a nossa razão pode ser confiada. (276)
Existe alguma forma sensata de se argumentar em
favor de R? Qualquer argumento que for produzido terá premissa; e essas
premissas, alega-se, provêm boas razões para crer em R. Mas, é claro, ele tem o
mesmo invalidador para cada uma dessas premissas que ele tem para R. Então essa
invalidador não pode ser invalidado.
Nós poderíamos colocar desta forma: qualquer
argumento oferecido, para R, é circular ou uma petição de principio. A evolução
naturalista provê aos seus adeptos uma razão para duvidar de que nossas crenças
são em sua maioria verdadeiras; talvez elas estejam na sua maioria erradas;
pois a mesma razão para não confiar nossas faculdades cognitivas geralmente,
será uma razão para não confiar nas faculdades que produzem crença para o bem
de um argumento.
Assim, o devoto de N&E tem um invalidador D
para N&E - um invalidador que não pode ser invalidado. Então N&E é
auto-refutável, e não pode ser racionalmente aceito.
Alguém que cogita aceitar N, e está preso, vamos
dizer, entre N e o teísmo, raciocinaria da seguinte forma: Se eu fosse aceitar
N, eu teria boas razões para ser agnóstico em relação a N; então eu não deveria
aceitar isso. (Um argumento para a irracionalidade de N, não para sua
falseabilidade)
O teísta tradicional, por outro lado, não tem
nenhuma razão correspondente para duvidar de que é um propósito de nossos
sistemas cognitivos a produção de crenças verdadeiras, nem nenhuma razão para
pensar que a probabilidade de uma crença ser verdadeira, dada que é uma
produção de suas faculdades cognitivas, seja baixa ou inescrutável. Ele pode,
de fato, endossar alguma forma de evolução; mas se o fizer, será uma forma de
evolução dirigida e orquestrada por Deus. E como teísta tradicional - seja
Judeu, Muçulmano, ou Cristão - ele crê que Deus é o conhecedor primário e que
nos criou à sua imagem, uma parte importante disso envolve o dom que é
necessário para ter conhecimento, assim como Ele tem.
A conclusão que devemos tirar disso, portanto, é
que a junção de naturalismo com teoria evolucionista é auto-refutável: provê
para si mesma um invalidador-invalidável. É, portanto, inaceitável e
irracional.
Fonte: http://www.apologia.com.br/
segunda-feira, 3 de junho de 2013
sábado, 1 de junho de 2013
Alvin Plantinga: Teísmo, Ateísmo e Racionalidade
Alvin
Plantinga
Alvin Plantinga é o filósofo da religião mais
importante da atualidade. Nesse artigo, Plantinga combate a idéia de que o
teísta que não tem sua crença apoiada sobre evidências seria, de alguma forma,
irracional ou estaria violando seus deveres epistêmicos. Para Plantinga, tal
objeção é infundada, podendo ser perfeitamente revertida contra o ateísmo.
Tradução: Vitor Grando
Objeções ateológicas à crença de que há uma pessoa
como Deus existem em muitas variedades. Existem, por exemplo, as objeções, que
já nos são familiares, de que o teísmo é de alguma forma incoerente, que é
inconsistente com a existência do mal, que é uma hipótese pouco corroborada ou
até refutada pelas evidências, que a ciência moderna, de alguma forma, lançou
dúvidas sobre essa crença, e por aí vai.
Outro tipo de objetor alega, não que o teísmo é
incoerente ou falso ou provavelmente falso (até por que, há pouco há ser dito
sobre isso de forma irrefutável com argumentos) mas que, de alguma forma, não é
razoável ou é irracional, mesmo se tal crença for verdadeira. Aqui nós temos,
como peça central, a objeção evidencialista à crença teísta. A alegação é que
nenhum dos argumentos teístas - dedutivos, indutivos ou abdutivos - são bem
sucedidos; assim há no máximo evidências insuficientes para a existência de
Deus. Mas então a crença de que há tal pessoa como Deus é, de alguma forma,
intelectualmente imprópria - tola ou irracional. Uma pessoa que acredita sem
evidências que existe um número par de patos estaria crendo de maneira tola ou
irracional.; o mesmo vale para a pessoa que acredita em Deus sem evidências.
Nessa visão, alguém que aceita a crença em Deus, mas não tem nenhuma evidência
para tal crença não está, intelectualmente falando, apto para o debate.
Entre aqueles que apresentaram essa objeção estão
Antony Flew, Brand Blanshard e Michael Scriven. Talvez mais importante seja a
enorme tradição oral: encontra-se essa objeção ao teísmo espalhada por todos os
grandes campus universitários do mundo.
A objeção em questão também foi endossada por Bertrand
Russell, que uma vez após ser perguntado o que diria se, após a morte, ele se
deparasse com Deus e este o perguntasse por que ele não acreditou. Russell
respondeu “Eu diria, não há evidências suficientes, Deus! Não há evidências
suficientes!” Eu não sei como essa resposta seria recebida; mas meu ponto é
somente que Russell, como muitos outros, endossaram a objeção evidencialista à
crença teísta.
Agora, qual é, exatamente, a alegação do objetor
aqui? Ele afirma que o teísta sem evidências é irracional ou não é razoável.
qual é a propriedade com a qual ele está creditando tal teísta quando ele assim
o descreve? O que, exatamente, ou aproximadamente, ele quer dizer quando diz
que o teísta sem evidências é irracional? Qual é, na visão dele, o problema com
tal teísta? A objeção pode ser vista tomando pelo menos duas formas; e há pelo
menos dois sentidos ou concepções correspondentes de racionalidade envolvidas.
De acordo com a primeira, o teísta que não tem
evidências violou um dever intelectual ou cognitivo de algum tipo. Ele
contrariou uma obrigação colocada sobre ele pela sociedade ou talvez pela sua
própria natureza como criatura capaz de compreender proposições e ter crenças.
Há uma obrigação ou algo como uma obrigação para proporcionar à crença de alguém
a força da evidência. Assim, de acordo com John Locke, a marca de uma pessoa
racional é “não aceitar uma proposição com mais segurança do que a prova sobre
a qual ela está apoiada pode garantir,” e de acordo com David Hume, “Um homem
sábio conforma suas crenças às evidências.”
No século dezenove nós temos W.K. Clifford, o
“adorável enfant terrible” como William James o chamou, insistindo que é
monstruoso, imoral, e talvez até indelicado aceitar uma crença para a qual você
tem insuficientes evidências:
Qualquer um que merecer o bem de seu companheiro
neste assunto irá guardar a pureza de suas crenças com um fanatismo de zeloso
cuidado, para que não se apóiem, a qualquer momento, em um objeto indigno, e
peguem uma mancha que não poderá ser limpada nunca. [1]
Ele acrescenta que se uma Crença foi aceita sobre
evidências insuficientes, o prazer é roubado. Não apenas isso nos engana nos
dando um sentimento de poder que na verdade nós não temos, mas é pecaminoso,
roubando em rebeldia nosso dever para com a raça humana. Esse dever é de
guardar nós mesmos de tais crenças como de uma pestilência, que pode
rapidamente se espalhar pelos nossos corpos e pelo resto da cidade [2]
E finalmente:
Somando tudo: é sempre errado, a todo lugar, para
qualquer um acreditar em algo com insuficientes evidências [3]
(Não é difícil detectar, nessas citações, o “tom de
robusta simpatia” com a qual James credita à Clifford.) Nessa visão os teístas
sem evidências - minha falecida avó, por exemplo - estão desobedecendo seus
deveres epistêmicos e merecem nossa desaprovação. Madre Teresa, por exemplo, se
ela não teve argumentos para sua crença em Deus, então ela é algum tipo de
libertina intelectual - alguém que contrariou suas obrigações intelectuais e
merece desaprovação ou até ação disciplinadora.
Agora a idéia de que existem deveres ou obrigações
intelectuais é complicada, mas não implausível, e eu não quero questionar isso
aqui. É menos plausível, entretanto, sugerir que eu estaria ou poderia estar
contrariando meus deveres intelectuais em acreditar, sem evidência, que há tal
pessoa como Deus. Primeiro, minhas crenças não estão, na sua maior parte, sob o
meu controle.
Se, por exemplo, você me oferece $1.000.000 para
deixar de acreditar que Marte é menor do que Vênus, não há nenhuma forma de que
isso aconteça. Mas o mesmo vale para minha crença em Deus: mesmo se eu
quisesse, eu não poderia - sem medidas heróicas como drogas que induzem ao coma
- simplesmente abandonar tal crença. (Não há nada que eu possa fazer
diretamente; talvez haja algum tipo de regime que se seguido religiosamente
resulte, a longo prazo, no abandono da minha crença em Deus). Mas, segundo, não
parece haver nenhuma razão para pensar que eu tenho tal obrigação. Claramente
eu não estou sob obrigação de ter evidências para tudo que eu creio; isso seria
impossível. Mas porque, então, supor que eu tenho uma obrigação de aceitar
minha crença em Deus somente se eu aceitar outras proposições que sirvam de
evidências para isso? Isso de maneira alguma é auto-evidente ou simplesmente óbvio,
e é extremamente difícil encontrar um argumento persuasivo para isso.
Em qualquer evento, eu penso que o objetor
evidencialista pode seguir uma linha mais promissora. Ele pode afirmar, não que
o teísta sem evidência violou algum dever epistêmico - afinal, talvez ele não
possa ajudar a si mesmo - mas que ele é de alguma forma intelectualmente falho
ou desfigurado. Considere alguém que crê que Vênus é menor do que Mercúrio -
não porque ele tem evidência, mas porque ele leu numa revista em quadrinhos e sempre
acredita em tudo que lê em revistas em quadrinhos - ou considere alguém que
afirma uma crença sobre as bases de um argumento totalmente ruim. Talvez não
haja nenhuma obrigação que ele tenha falhado em cumprir; todavia sua condição
intelectual é defeituosa de alguma forma. Ele apresenta algum tipo de
deficiência, falha, uma disfunção intelectual de algum tipo. Talvez ele é como
alguém que tem astigmatismo, ou é excessivamente desajeitado, ou sofre de
artrite.
E talvez a objeção do evidenciaista deve ser
construída, não como a alegação de que o teísta sem evidências violou alguma
obrigação intelectual, mas que ele sofre de algum tipo de deficiência
intelectual. O teísta sem evidência, poderíamos dizer, é um manco intelectual.
Alternativamente, mas similarmente, a idéia pode
ser que o teísta sem evidência está sob algum tipo de ilusão, um tipo de ilusão
difundida que aflige a maior parte da raça humana a maior parte do tempo até
então. Dessa formaFreud via a crença religiosa como “ilusões, satisfação dos mais
antigos, fortes, e insistentes desejos da raça humana.”[4] Ele vê a crença
teísta como uma questão de satisfação de desejo. Os homens estão paralisados e
aterrorizados pelo espetáculo das imponentes e impessoais forças que controlam
nosso destino, mas não se dão conta disso, não compreendem a nós e nossos
desejos e necessidades; eles, portanto, inventam um pai celeste de proporções
cósmicas, que excede nosso pai terreno em bondade e amor como também em poder.
A religião, diz Freud, é “a neurose obsessiva universal da humanidade”, e está
destinada a desaparecer quando os seres humanos encararem a realidade como ela
é, resistindo à tendência de editá-la para comportar nossos anseios.
Um sentimento similar é apresentado por Karl Marx:
Religião… é a auto-consciência e o auto-sentimento
do homem que ou ainda não se encontrou, ou (após ter se encontrado) se perdeu
novamente. Mas o homem não é um ser abstrato… O Homem é o mundo dos homens, o
Estado, a sociedade. Esse Estado, essa sociedade, produzem religião, produzem
uma consciência mundial pervertida, porque eles são um mundo pervertido… A
religião é o suspiro da criatura oprimida, os sentimentos de um mundo sem
coração, assim como é o espírito de condições não espirituais. É o ópio do
povo. A abolição da religião como felicidade ilusória do povo é necessária para
sua felicidade real. A necessidade de abrir mão das ilusões sobre sua condição
é a necessidade de abrir mão de uma condição que precisa de ilusões [5]
Observe que Marx fala de uma consciência mundial pervertida
produzida por um mundo pervertido. Essa é uma perversão de uma condição
natural, direita ou correta, trazida à tona por uma ordem social pervertida e
doente. Do ponto de vista de Marx e Freud, o teísta está sujeito à um tipo de
disfunção cognitiva, uma certa falta de saúde cognitiva e emocional. Poderíamos
colocar dessa forma: o teísta acredita como acredita somente devido ao poder
dessa ilusão, dessa condição neurótica pervertida. Ele é insano, no sentido
etimológico do termo: ele não é saudável. Seu equipamento cognitivo, pode-se
dizer, não funciona apropriadamente; não funciona como deveria. Se seu
equipamento cognitivo estivesse funcionando apropriadamente, funcionando da
forma que deveria funcionar, ele não deveria estar sob o encanto de tal ilusão.
Ao invés, ele encararia o mundo com a noção de que estamos sozinhos aqui, e que
qualquer conforto e ajuda que ele tiver deve partir de nós mesmos. Não há
nenhum Pai no céu para nos confortar, e nenhuma perspectiva de nada, depois da
morte, apenas dissolução. (”Quando morremos, apodrecemos”, diz Michael Scriven,
em uma de suas falas memoráveis.)
Agora é claro que o teísta não mostrará muito
entusiasmo com a idéia de que sofre de uma deficiência cognitiva, está sob
algum tipo de ilusão coletiva endêmica à condição humana. É no máximo um ou
dois teólogos liberais, interessados em novidades e ansiosos em se abrir tanto
quanto possível ao secularismo contemporâneo, que abraçariam tal idéia. O
teísta não se vê sofrendo de uma deficiência cognitiva. De fato, ele pode estar
propenso a ver a coisa de maneira inversa; ele pode estar propenso a ver o ateu
como quem está sofrendo de alguma ilusão, de algum defeito noético, de uma
condição não natural, infeliz e desgraçada com consequências noéticas
deploráveis. Ele verá o ateu como, de alguma forma, vitíma do pecado desse
mundo - seu próprio pecado ou o pecado dos outros. De acordo com o livro de
Romanos, a descrença é resultado do pecado; ela se origina num esforço de
“suprimir a verdade em injustiça”. De acordo com João Calvino, Deus nos criou
com uma tendência a ver Sua mão no mundo ao nosso redor; “um sentimento de
divindade”, ele diz, “está escrito no coração de todos”. Ele continua:
De fato, a perversidade do ímpio, que embora se
debata furiosamente não consegue se livrar do temor de Deus, é testemunho
abundante de sua convicção de que há um Deus, essa convicção é inata a todos e
fixada profundamente em nós, como se estivesse na nossa essência… Disso nós
concluímos que isso não é uma doutrina que deve ser primeiro aprendida no
colégio, mas uma que cada um de nós traz desde o ventre materno e que a
natureza não permite com que esqueçamos. [6]
Se não fosse pela existência do pecado no mundo,
diz Calvino, os seres humanos acreditariam em Deus todos da mesma forma e com a
mesma espontaneidade natural demonstrada na nossa crença na existência de
outras pessoas, ou de um mundo externo, ou do passado. Essa é a condição
natural do homem; é devido a nossa presente condição pecaminosa não natural que
muitos de nós achamos a crença em Deus difícil ou absurda.
O fato é, Calvino acredita, que alguém que não crê
em Deus está numa posição epistemicamente defeituosa - como alguém que não
acredita que sua esposa existe, ou pensa que ela é um robô construído que não
tem pensamentos, sentimentos, ou consciência. Assim o crente reverte Freud e
Marx, alegando que o que eles vêm como doença na verdade é saúde e o que eles
vêm como saúde na verdade é doença.
Obviamente, a disputa aqui é ultimamente
ontológica, ou teológica, ou metafísica; aqui vemos as raízes religiosas e
ontológicas de discussões epistemológicas sobre a realidade. O que você crê ser
racional depende de sua posição metafísica e religiosa. Depende de sua
antropologia filosófica. Sua visão sobre que tipo de criatura é um ser humano
vai determinar, no todo ou em parte, suas visões sobre o que é racional ou
irracional para os seres humanos crerem; essa visão vai determinar o que você
acha ser natural ou normal ou saudável em relação à crença. Então a disputa
sobre quem é racional e quem é irracional aqui não pode ser resolvida com
considerações epistemológicas; não é uma disputa fundamentalmente
epistemológica, mas sim ontológica ou teológica. Como podemos dizer o que é
saudável para os seres humanos crerem a menos que saibamos ou tenhamos alguma
idéia sobre que tipo de criatura nós somos? Se você acha que ele é criado por
Deus à imagem de Deus, e criado com uma tendência natural de ver a mão de Deus
no mundo ao nosso redor, uma tendência natural de reconhecer que ele foi criado
e é observado pelo seu criador, devendo à Ele adoração e obediência, então é
claro que você não vai ver a crença em Deus como manifestação de satisfação de
desejo ou como algum tipo de defeito. É muito mais como memória ou percepção
sensorial, embora de algumas formas muito mais importantes.
Por outro lado, se você vê os seres humanos como
produto de forças evolucionistas cegas, se você acha que não há Deus e que os
seres humanos são parte de um universo sem divindade, então você estará
propenso a aceitar a visão de acordo com a qual a crença em Deus é algum tipo
de doença ou disfunção, devido talvez, à algum tipo de problema cerebral.
Então a disputa sobre quem é saudável e quem é
doente tem raízes teológicas ou ontológicas, e deve ser estabelecida nesse
nível. E aqui eu gostaria de apresentar uma consideração que, eu penso que
favorece a forma teísta de encarar a questão. Como eu tenho falado, tanto
teístas quanto ateístas falam de alguma forma de disfunção, de faculdades
cognitivas ou equipamentos cognitivos que não funcionam apropriadamente, não
funcionam como deveriam. Mas como deveríamos entender isso? O que é funcionar
apropriadamente? Não é um tanto quanto problemática essa idéia de funcionamento
apropriado? O que é para as faculdades cognitivas um funcionamento apropriado?
O que é para um organismo natural - uma árvore, por exemplo - funcionamento
apropriado? Funcionamento apropriado não é algo relativo aos nossos objetivos e
interesses? Uma vaca está funcionando apropriadamente quando dá leite; um
jardim está como deve estar quando apresenta uma preponderância exuberante do
tipo de vegetação que nós nos propomos a desenvolver. Mas então parece evidente
que o que constitui funcionamento apropriado depende de nossos objetivos e
interesses. Até onde a natureza em si segue o seu curso, um peixe que se
decompõe em uma montanha de salmoura não está funcionando tão apropriadamente,
de maneira tão excelente, quanto um peixe que esteja nadando feliz ao redor
caçando peixinhos? Mas então o que significa falar de “funcionamento
apropriado” em relação às nossas faculdades cognitivas?
Uma parte da realidade - um organismo, parte de um
organismo, um ecossistema, um jardim - “funciona apropriadamente” somente em
relação à algum tipo de regra que nós impomos sobre a natureza - uma regra que
incorpora nossos objetivos e desejos.
Mas de um ponto de vista teísta, a idéia de
funcionamento apropriado, aplicada à nós e ao nosso equipamento cognitivo, não
é mais problemática do que, vamos dizer, a idéia do funcionamento apropriado de
um Boeing 747. Algo que construímos - um sistema de aquecimento, uma corda, um
acelerador linear - está funcionando apropriadamente quando está funcionando na
maneira que foi projetado para funcionar. Meu carro funciona apropriadamente se
funciona do jeito que foi projetado para funcionar. Meu refrigerador está
funcionando apropriadamente quando refrigera, se faz o que um refrigerador foi
projetado para fazer. Isso, eu penso, é a raiz da idéia de funcionamento
apropriado. Mas de acordo com o teísmo, os seres humanos, como cordas e
aceleradores lineares, foram projetados; eles foram criados e projetados por
Deus. Assim, ele tem uma resposta fácil para um conjunto relevante de
perguntas: O que é funcionamento apropriado? O que é para minhas faculdades
cognitivas o funcionamento apropriado? O que é disfunção cognitiva? O que é
funcionamento natural? Minhas faculdades cognitivas estão funcionando
naturalmente, quando estão funcionando da maneira que Deus as projetou para
funcionar.
Por outro lado, se o objetor evidencialista
ateológico alega que o teísta sem evidência é irracional, e se ele constrói a
irracionalidade em termos de defeito ou disfunção, então ele nos deve uma
explicação dessa noção. Por que ele alega que o teísta é disfuncional, pelo
menos nessa área da vida? Mais importante, como ele compreende a disfunção?
Como ele vê a disfunção e seu oposto? Como ele explica a idéia do funcionamento
apropriado de um organismo, ou de algum sistema orgânico ou parte de um
organismo? Que explicação ele dá?
Presumivelmente, ele não pode ver o funcionamento
apropriado do meu equipamento noético como este foi projetado para funcionar;
então como ele pode dizer que é disfuncional?
Duas
possibilidades vêm à mente.
Primeiro, ele pode estar pensando o funcionamento
apropriado como funcionamento na maneira que nos ajuda a alcançar nossos fins.
Dessa forma, ele pode dizer, nós pensamos que nossos corpos estão funcionando
apropriadamente e sendo saudáveis quando eles funcionam de uma maneira tal que
nos permita fazer o tipo de coisas que queremos fazer. Mas, é claro, isso não
será muito promissor no contexto presente; pois apesar de o objetor ateológico
preferir ver o funcionamento de nossas faculdades cognitivas de uma maneira que
não produza a crença em Deus, o mesmo não pode ser dito, naturalmente, para o
teísta. Encarada desta forma, a objeção ateológica do evidencialista não passa
da sugestão de que o ateólogo preferiria que as pessoas não acreditassem em
Deus sem evidências. Isso seria uma observação autobiográfica da parte dele,
tendo o interesse que tais observações têm em contextos filosóficos.
Uma segunda possibilidade: funcionamento apropriado
e noções similares devem ser explicadas em termos de aptidão para promover
sobrevivência, seja no nível individual ou de espécies. Não há tempo para dizer
muito sobre isso aqui; mas é no mínimo e imediatamente evidente que o objetor
ateológico nos deveria um argumento para a conclusão de que a crença em Deus é,
de fato, menos adequada para contribuir à nossa sobrevivência individual, ou à
sobrevivência de nossas espécies do que é o ateísmo ou agnosticismo. Mas como
seria tal argumento?
Certamente a expectativa de um argumento
não-circular é, de fato, desanimadora. Pois se o teísmo - teísmo Cristão, por
exemplo - é verdadeiro, então parece totalmente implausível pensar que a
disseminação do ateísmo, por exemplo, seria mais adequada para promover a
sobrevivência de nossa raça do que a disseminação do teísmo.
Conclusão:
Para concluir: uma forma natural de compreender
tais noções como racionalidade e irracionalidade é em termos de funcionamento
apropriado do equipamento cognitivo relevante. Visto desta perspectiva, a
questão de se é racional acreditar em Deus sem suporte evidencialista de outras
proposições é uma disputa metafísica ou teológica. O teísta tem facilidade em
explicar a noção de funcionamento apropriado de nosso equipamento cognitivo:
nosso equipamento cognitivo funciona apropriadamente quando funciona da maneira
que Deus projetou para funcionar. O objetor evidencialista ateísta, entretanto,
nos deve uma explicação dessa noção. O que ele quer dizer quando reclama que o
teísta sem evidência apresenta um defeito cognitivo de algum tipo? Como ele
entende a noção de mal funcionamento cognitivo?
NOTAS
[1]W.K. Clifford, “The Ethics of Belief,” in
Lectures and Essays (London: Macmillan, 1879), p. 183.
[2]Ibid, p. 184.
[3]Ibid, p. 186.
[4]Sigmund Freud, The Future of an Illusion (New
York: Norton, 1961), p. 30.
[5]K. Marx and F. Engels, Collected Works, vol. 3:
Introduction to a Critique of the Hegelian Philosophy of Right, by Karl Marx
(London: Lawrence & Wishart, 1975).
[6]John Calvin, Institutes of the Christian
Religion, trans. Ford Lewis Battles (Philadelphia: Westminster Press, 1960),
1.3 (p. 43- 44).
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