domingo, 6 de setembro de 2015

O ABSURDO DA VIDA SEM DEUS

Willian Lane craig
O ser humano, escreve Loren Eisley, é o órfão cósmico. Ele é a única criatura no universo que pergunta: “Por quê?” Os outros animais têm instintos para guiá-los, mas o ser humano aprendeu a fazer perguntas.
“Quem sou eu”, pergunta o ser humano. “Por que estou aqui? Para onde estou indo?” Desde o iluminismo, quando se desvencilhou das amarras da religião, o ser humano tentou responder a essas perguntas sem fazer referência a Deus. Só que as respostas que vieram não foram alegres, mas escuras e terríveis. “Você é o subproduto acidental da natureza, um resultado de matéria mais tempo mais mudança. Não há razão para a sua existência. A morte é tudo o que você tem pela frente.”
O homem moderno pensou que, depois que se livrou de Deus, tinha ficado livre de tudo o que o reprimia e sufocava. Em vez disso, descobriu que, ao matar Deus, matara também a si próprio. Isso porque, se não há Deus, a vida humana é um absurdo.
Se Deus não existe, tanto o ser humano quanto o universo estão inevitavelmente condenados à morte. O ser humano, como todos os organismos biológicos tem de morrer. Sem esperança de imortalidade, sua vida apenas caminha para o túmulo. Sua vida não passa de uma faísca na escuridão infinita, uma fagulha que aparece, reluz e morre para sempre. Comparada com a extensão infinita do tempo, a duração da vida do ser humano é apenas um momento infinitesimal; mesmo assim, isso é tudo da vida que ele jamais conhecerá. Por isso, cada um tem de defrontar-se com o que o teólogo Paul Tilich chamou de “a ameaça de não ser”. Pois apesar de eu saber que existo, que estou vivo, também sei que algum dia não existirei mais, que não serei mais, que morrerei. Esse pensamento é assustador e ameaçador: pensar que a pessoa que chamo de “eu” deixará de existir, que eu não serei mais!
Recordo perfeitamente a primeira vez que meu pai me disse que um dia eu haveria de morrer. De algum modo, quando criança esse pensamento nunca me havia ocorrido. Quando ele o disse, fiquei cheio de temor e de tristeza insuportável. E apesar de ele tentar várias vezes garantir-me que isso ainda estava muito distante, isso não me parecia importar. Mais cedo ou mais tarde, o fato inegável era que eu morreria e não existiria mais, e esse pensamento tomou conta de mim. Depois de algum tempo, como todos nós, cresci e simplesmente aceitei o fato. Aprendemos a conviver com o que é inevitável. Mas as impressões da crianças continuam verdadeiras. Como observou o existencialista francês Jean-Paul Sartre, algumas horas ou alguns anos não fazem diferença, uma vez que você perdeu a eternidade.
Venha cedo ou tarde, a perspectiva de morte e a ameaça de não ser é um horror terrível. Contudo, certa vez encontrei um estudante que não sentia essa ameaça. Ele disse que fora criado numa fazenda e estava acostumado a ver os animais nascer e morrer. A morte para ele era simplesmente natural – parte da vida, por assim dizer. Fiquei perplexo com nossas diferentes perspectivas da morte e tive dificuldades para compreender por que ele não sentia a ameaça de não ser. Anos mais tarde, creio que encontrei a resposta lendo Sartre. Ele observou que a morte não é ameaçadora enquanto a vemos como a morte do outro, de certo modo da perspectiva da terceira pessoa. É somente quando a interiorizamos e olhamos do ponto de vista de primeira pessoa – “minha morte; eu vou morrer” – que a ameaça de não ser se torna real. Sartre mostra que muitas pessoas nunca assumem essa perspectiva de primeira pessoa em meio à vida; pode-se até olhar para a própria morte da perspectiva da terceira pessoa, como se fosse a morte de outro ou até de um animal, como fez o meu amigo estudante. O significado existencial verdadeiro da minha morte, contudo, só pode ser entendido do ponto de vista de primeira pessoa, quando compreendo que vou morrer e deixar de existir para sempre. Minha vida é apenas uma transição momentânea entre um esquecimento e outro.
O universo também encara a morte. Os cientistas nos dizem que o universo está em expansão, e que tudo que há nele está ficando cada vez mais distante. Com isso ele fica cada vez mais frio, e sua energia vai se gastando. Um dia todas as estrelas perderão seu calor e toda matéria se tornará em estrelas mortas e buracos negros. Não haverá mais luz, não haverá mais calor, não haverá mais vida, apenas estrelas e galáxias mortas, sempre se expandindo em trevas sem fim e extremidades frias do espaço – um universo em ruínas. Todo o universo se encaminha de modo irreversível para o túmulo. Assim, não só a vida de cada pessoa está condenada; toda a raça humana está condenada. O universo está se precipitando em direção à extinção inevitável – a morte está encravada em toda a sua estrutura. Não há escapatória. Não há esperança.
O ABSURDO DA VIDA SEM DEUS E SEM IMORTALIDADE
Se não há Deus, o ser humano e o universo estão condenados. Como prisioneiros condenados à morte, esperamos nossa execução inevitável. Não há Deus, e não há imortalidade. E qual a conseqüência disso? Significa que a própria vida é um absurdo. Significa que a vida que temos não tem sentido fundamental, valor ou propósito. Vejamos esses três conceitos mais de perto.
Não há sentido fundamental sem imortalidade e sem Deus
Se cada pessoa deixa de existir quando morre, que sentido fundamental pode ser dado à sua vida? Realmente faz diferença se ela existiu? Pode ser dito que sua vida foi importante porque influenciou outros ou afetou o curso da história. Mas isso mostra apenas um significado relativo da sua vida, não um sentido fundamental. Sua vida pode ter importância relativa a certos acontecimentos, mas qual é o sentido fundamental desses acontecimentos? Se todos os acontecimentos não têm sentido, então que sentido fundamental pode haver em influenciá-los? No final das contas, não faz diferença.
Olhe para isso de outro ponto de vista: os cientistas dizem que o universo se originou de uma explosão que chamam de “Big Bang”, há mais ou menos 15 bilhões de anos. Imagine que o “Big Bang” nunca tenha ocorrido. Imagine que o universo nunca tenha existido. Que diferença fundamental isso faria? O universo está mesmo fadado a morrer. No fim, não faz diferença se ele realmente existiu ou não. Por isso ele não tem sentido fundamental.
O mesmo vale para a raça humana. A humanidade está condenada em um universo moribundo. Uma vez que um dia deixará de existir, não faz diferença fundamental se ela alguma vez existiu. A humanidade, assim, não tem mais importância do que um enxame de mosquitos ou uma vara de porcos, pois seu fim é idêntico. O mesmo processo cósmico cego que a vomitou no início um dia acabará por engoli-la.
O mesmo se aplica a cada pessoa. As contribuições dos cientistas para o avanço do conhecimento humano, as pesquisas dos médicos para aliviar dor e sofrimento, os esforços dos diplomatas para promover a paz no mundo, os sacrifícios de pessoas boas para melhorar a sorte da raça humana – tudo isso não dá em nada. No fim, não farão nenhuma diferença, nem um pouquinho. A vida de cada pessoa, portanto, não tem sentido fundamental. E se, no final das contas, nossa vida não tem sentido, as atividades com que a preenchemos também não têm sentido. As longas horas gastas em estudo na universidade, os empregos, os interesses, as amizades – tudo isso é, em última análise, totalmente sem sentido. É isto que apavora o homem moderno: já que ele acaba em nada, ele é nada.
Contudo, é importante perceber que o ser humano não precisa apenas de imortalidade para que sua vida faça sentido. A mera continuação da existência não dá sentido a essa existência. Se o ser humano e o universo pudessem existir para sempre, mas não houvesse Deus, sua existência ainda não teria sentido fundamental. Certa vez li uma história de ficção científica em que um astronauta foi abandonado em uma rocha deserta perdida no espaço sideral. Ele levava consigo dois frascos, um contendo veneno e outro, uma poção que o faria viver para sempre. Compreendendo seu predicamento, ele engoliu o veneno. Mas então, para seu horror, descobriu que abrira o frasco errado – bebera a poção da imortalidade. E isso significava que ele estava condenado a existir para sempre – numa vida sem sentido e sem fim. Muito bem; se Deus não existe, nossa vida é como a desse astronauta. Ela pode durar para sempre, e mesmo assim não ter sentido. Ainda poderíamos perguntar à vida: “E daí?” Portanto, o ser humano não precisa apenas de imortalidade para que sua vida tenha sentido fundamental; ele necessita de Deus e de imortalidade. E se Deus não existe, ele não tem nenhum dos dois.
O homem do século vinte veio a compreender isso. Leia Á espera de Godot, de Samuel Beckett. Durante toda essa peça, dois homens estão ocupados numa conversa trivial, enquanto esperam um terceiro que nunca aparece. Nossa vida é assim, Beckett está dizendo: simplesmente matamos o tempo esperando – o quê, não sabemos. Num trágico retrato do ser humano, Beckett escreveu outra peça em que a cortina se abre para mostrar o palco cheio de lixo. Por trinta longo segundos, a platéia olha atônita, em silêncio, para aquele lixo. Então a cortina se fecha. Isso é tudo.
Um dos romances mais devastadores que já li foi O lobo da estepe, de Hermann Hesse. No fim do romance, Harry Haller fica olhando para si mesmo em um espelho. No curso da sua vida ele experimentara tudo o que o mundo oferece. E agora está olhando para si mesmo, e resmunga: “Ah, o sabor amargo da vida!” Ele cospe em si mesmo no espelho e, depois o estilhaça com chutes. Sua vida foi fútil e sem sentido.
Os existencialistas franceses Jean-Paul Sartre e Albert Camus também compreenderam isso. Sartre retratou a vida em sua peça Sem saída como o inferno – a última linha da peça são as palavras resignadas: “Bem, continuemos com isso”. Por isso Sartre escreve em outro texto sobre a “náusea” da existência. Camus também considerava a vida absurda. No fim do seu curto romance O estranho, o herói de Camus descobre num lampejo de compreensão que o universo não tem sentido e que não existe um Deus que lhe dê sentido. O bioquímico francês Jacques Monod pareceu refletir os mesmos sentimentos quando escreveu em sua obra Acaso e necessidade: “O ser humano finalmente sabe que está sozinho na imensidão indiferente do universo”.
Portanto, se Deus não existe, a própria vida se torna sem sentido. O ser humano e o universo não têm sentido fundamental.

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