domingo, 1 de novembro de 2015

A Bacia do Paraná e o Dilúvio:

Por Marcos Natal de Souza Costa
Introdução:
A Bacia do Paraná constitui-se numa espessa seqüência sedimentar que, segundo a geologia convencional, teria se estabelecido sobre a Plataforma Sul-Americana a partir do Devoniano Inferior ou mesmo Siluriano. De acordo com a interpretação criacionista, estes sedimentos teriam se acumulado por ocasião do dilúvio bíblico narrado no livro de Gênesis a poucos milhares de anos atrás. Cobre uma extensa área envolvendo os estados brasileiros de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, sul de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás além de porções do Uruguai, Paraguai e
Argentina. A constante subsidência da bacia permitiu a acumulação de grande espessura de sedimentos, lavas basálticas e sills de diabásio, atingindo na região mais profunda mais de cinco mil metros.
No final do 4o Encontro Nacional de Criacionistas realizado em janeiro de 2002 no Centro Universitário Adventista de São Paulo, Brasil, foi realizada uma excursão geológica na Bacia do Paraná com o objetivo de observar em campo alguns dos conceitos apresentados durante o evento além do reconhecimento de feições geológicas relacionadas ao dilúvio de Noé. Na ocasião, foram visitadas seis localidades com características peculiares de processos que teriam ocorrido durante o dilúvio e que permitiriam hoje sua reconstituição. A seguir, será apresentada uma síntese dos pontos visitados durante a excursão com ênfase numa interpretação geológica baseada em modelos catastrofistas.
Ponto 1: Embasamento Cristalino – Quilômetro 64 da Rodovia Castelo Branco
Neste local as rochas representam o substrato da Bacia do Paraná e, portanto seriam mais antigas (Pré-Cambriano). Normalmente, são rochas de natureza granítica, especificamente gnaisses migmatíticos de estrutura variada, metamorfisados em grau elevado, com temperaturas que teriam atingido cerca de 500o a 800o C. Os minerais mais comuns são o quartzo, o feldspato potássico, o plagioclásio (um grupos de feldspatos sódico-cálcicos) e a biotita. Contém intercalações de xisto, anfibolito e rochas alcossilicáticas.
As rochas pré-cambrianas podem ser interpretadas de duas maneiras pela visão criacionista sem ferir a revelação bíblica. Se considerarmos um tempo indeterminado entre Gn 1:1 e Gn 1:2, estas rochas poderiam ser muito antigas, com idade até mesmo semelhante aquela proposta pela geologia convencional, ou seja, acima de 550 milhões de anos. Se considerarmos que entre Gn. 1:1 e Gn. 1:2 não houve lapso significativo de tempo e que Deus criou a vida sobre a Terra em seguida à criação do cosmo, estas rochas seriam bem mais recentes e teriam se formado na semana da criação. Seja como for, elas já existiam nos tempos pré-diluvianos e não foram afetadas substancialmente pela grande catástrofe.
Ponto 2: Parque das Monções
O Parque das Monções está situado na cidade de Porto Feliz, cerca de 100 quilômetros de São Paulo. Trata-se de um espesso pacote de arenitos e arenitos conglomeráticos de granulação heterogênea, formando camadas delgadas a bancos cuja espessura pode alcançar várias dezenas de metros. São maciços ou mostram estratificação plano-paralela, podendo ocorrer também marcas de onda, estratificação cruzada e acamamento gradacional. Segundo a geologia convencional suas características indicariam uma sedimentação do tipo fluvial/deltáica. Os deltas são sedimentos depositados na desembocadura dos rios em um corpo aquoso como lagos ou oceanos.
As rochas do Parque das Monções estão incluídas na Formação tararé, uma unidade litológica da Bacia do Paraná de idade presumidamente carbonífera. Estas rochas apresentam uma complexa associação de fácies, quase todas detríticas, sucedendo vertical e horizontalmente de maneira mais ou menos rápida podendo atingir 1300 metros de espessura. Predominam arenitos de granulação heterogênea, mineralogicamente imaturos, passando a arenitos feldspáticos e mesmo a arcósios. Embora constituída quase inteiramente de sedimentos clásticos (pequenos fragmentos de rocha erodidos de uma fonte externa), localmente podem ocorrer delgadas camadas de carvão e calcário(1) . São encontrados fósseis de braquiópodes, pelecípodes, gastrópodes e crinóides indicando, portanto, um ambiente marinho. Restos vegetais também são muito comuns destacando-se a presença de Glossopteris, uma variedade extinta de plantas do grupo das Pteridospermas. Segundo a interpretação criacionista, as rochas da Formação Itararé estariam relacionadas às fases iniciais do dilúvio num momento de sedimentação clástica bastante ativa quando da invasão do mar sobre os continentes (fase transgressiva).
Estes sedimentos seriam produzidos pela ação de fortes correntes sobre áreas mais elevadas, os quais seriam depositados nas porções mais deprimidas ocupadas pelos mares epicontinentais. A presença de
sedimentos imaturos como arenitos feldspáticos e arcósios indicam um transporte rápido em direção à bacia de sedimentação não havendo tempo suficiente para a maturação e classificação da fração terrígena.
Ponto 3: Parque do Varvito
O Parque do Varvito é um parque ecológico situado na cidade de Itú, cerca de 25 quilômetros de Porto Feliz/SP. Trata-se de um local muito conhecido pelos geólogos uma vez que suas rochas são interpretadas como sedimentos depositados em um lago periglacial de idade carbonífera a permiana, cuja superfície esteve periodicamente congelada.
Estas rochas também pertencem à Formação Itararé e são formadas por sedimentos rítmicos, em que se alternam em delicada estratificação plano-paralela, arenitos finos, siltitos cinza-claro e folhelhos cinza-escuro (Figura 1). As estruturas sedimentares mais comumente observadas são uma nítida intercalação entre sedimentos finos (arenitos e siltitos) a muito finos (folhelhos) e marcas de onda cuja assimetria permite o reconhecimento do sentido da corrente (Figura 2).
A alternância de sedimentos finos com sedimentos muito finos é interpretada pela geologia a partir de um modelo de deposição sazonal, ou seja, um ciclo de deposição controlado por variações climáticas. Assim, a fração mais grossa se depositaria no verão a partir do degelo das porções basal e lateral das geleiras, denominadas morenas basais e laterais, respectivamente. No inverno, a fração mais fina se depositaria por decantação das partículas em suspensão no corpo aquoso do lago uma vez que a retração e o recuo da geleira impediria o degelo e o conseqüente aporte da fração grosseira.
Considerando que existem centenas de pares de sedimento fino e grosso, isto implicaria em centenas de invernos e verões para a formação de toda a seqüência, o que não se ajusta adequadamente a uma interpretação criacionista. Entretanto, existem modelos alternativos que podem explicar a sedimentação rítmica observada no Parque do Varvito e que não envolvem um tempo demasiadamente longo. A atuação de correntes de turbidez em locais compartimentados da bacia, sujeitos à circulação restrita, por exemplo, poderia proporcionar feições semelhantes às observadas em um tempo consideravelmente menor. Correntes de turbidez são um tipo de corrente de densidade(2) no qual um fluido mais denso formado por sedimentos em suspensão escoa de forma individualizada num meio aquoso. Elas são importantes pois permitem a deposição de grandes quantidades de sedimentos em questão de dias ou mesmo horas.
A presença de eventos glaciais episódicos por ocasião do dilúvio também não parece incompatível com o modelo criacionista. Um aspecto marcante das fases iniciais do dilúvio seria, sem dúvida, as erupções vulcânicas. Um vulcanismo de tais proporções teria emitido quantidades enormes de cinzas e poeira vulcânica para a atmosfera criando uma densa camada que impediria a radiação solar de atingir a superfície, resultando no abaixamento gradual, mas rápido da temperatura. A combinação de fatores como queda de temperatura, altitude e latitude proporcionariam as condições ideais para a formação de maciços isolados de gelo, que se deslocariam sobre as áreas ainda expostas da superfície.
Ponto 4: Parque da Rocha Moutonnée
O Parque da Rocha Moutonnée está situado na cidade de Salto, cerca de 15 quilômetros de Itú. Da mesma forma que o Parque do Varvito, é também um local muito conhecido pelos geólogos pois suas rochas apresentariam indícios da ação pretérita de geleiras. Aflora no local um corpo granítico denominado Granito de Itú cujas feições mais significativas são o polimento, a abrasão e o estriamento.
Estas feições não seriam formadas propriamente pela ação do gelo, mas sim pelo “esmagamento” sobre o granito de fragmentos de rocha (clastos) acumulados na base da geleira, produzindo superfícies arredondadas com sulcos bem definidos.
É possível observar a presença de tilito compactado bordejando o corpo granítico. O tilitos são sedimentos transportados pelas geleiras e no local está representado por uma rocha de matriz arenosa contendo seixos angulosos a subangulosos de quartzo, arenito, gnaisse, xisto e anfibolito. Todo este material seria carreado e acumulado na base e nas laterais da geleira à medida que esta se deslocava sobre o substrato rochoso.
Segundo a geologia convencional, as feições observadas no Parque da Rocha Moutonnée estão conjugadas com aquelas do Parque do Varvito formando um paleoambiente periglacial. Assim, a fonte de detritos para a região lagunar durante o verão (Itú) seria o degelo da porção basal de grandes blocos de gelo estacionados a certa distancia, nos pontos mais elevados (Salto). Entretanto, segundo a visão criacionista, o aspecto rítmico observado nos varvitos não seria o produto de uma sedimentação sazonal, mas sim o resultado da ação de correntes de turbidez na região lagunar, o que não impede que houvesse contribuição, até mesmo significativa, de sedimentos glaciais. Por outro lado, deve-se considerar que, a prevalecer o regime sazonal, a taxa de sedimentação da fração argila demandaria um tempo bem mais longo do que o presumido inverno para a deposição da fração fina (hoje lâminas de folhelho com até vários cm esp.).
Ponto 5: Pedreira Togan
A Pedreira Togan está situada entre as cidades de Tietê e Piracicaba. Trata-se de uma lavra de calcário maciço, dolomítico, contendo na base uma seqüência rítmica formada pela alternância de siltito e folhelho pirobetuminoso (Formação Irati) e no topo uma seqüência de argilito esbranquiçado com estratificação plano-paralela pertencente à Formação Corumbataí (Figura 3).
Segundo a geologia convencional, a Formação Irati seria de idade permiana. Em São Paulo é formada por folhelhos pirobetuminosos, folhelhos pretos, dolomitos, calcários, siltitos e arenitos finos, cuja espessura varia em torno de oitenta metros. Arenitos mais grossos a conglomeráticos ocorrem na base da formação. Ainda de acordo com a geologia, a deposição da Formação Irati parece ter ocorrido em ambiente marinho de águas rasas, em bacias grandemente confinadas, em clima adequado à precipitação de calcários e condições químico-físicas favoráveis à acumulação de matéria orgânica geradora dos pirobetumes(3).
De acordo com a visão criacionista, os sedimentos Irati realmente apresentam características de deposição em bacias confinadas de mares epicontinentais, em ambientes adequados à precipitação de calcários e ao acúmulo de matéria orgânica. Contudo, este evento teria se processado num momento de maior quietude, subseqüente às fases iniciais do dilúvio e se prolongado até o recuo das águas
de sobre a face da Terra. Acredita-se que os regimes de turbulência e de atividade crustal mais intensa foram característicos somente das fases iniciais do dilúvio (talvez nos primeiros quarenta dias de chuva) e que, paulatinamente, cederam lugar a condições de calmaria e de ajustes isostáticos, momento que propiciou a deposição destes sedimentos.
Outro aspecto importante da Formação Irati é o seu conteúdo fossilífero. Dentre os fósseis encontrados merecem destaque os répteis anápsidas do grupo dos mesossaurídeos representados pelos gêneros Mesosaurus, Stereosterum e Brasileosaurus(4). A distribuição destes répteis foi, desde há muito, utilizada por geólogos e paleontólogos como evidência a favor da deriva dos continentes e da existência do grande continente Gondwana durante a Era Paleozóica. Isto porque estes fósseis estão restritos unicamente aos continentes da América do Sul e África. Estes dados são importantes, pois corroboram o relato bíblico da criação em que Deus reuniu toda a porção seca em um único lugar, um megacontinente, o qual denominou "Terra”.
Ponto 6: Corte de estrada da Rodovia entre Charqueada e São Pedro
Afloram no local arenitos de granulação fina a média, avermelhados, com fração argilosa e estratificação cruzada de porte médio a grande, sendo atribuídos à Formação Piramboia. Pode ocorrer ainda estratificação plano-paralela e marcas de onda.
A Formação Piramboia caracteriza-se por uma sucessão de camadas arenosas que pode alcançar em superfície cerca de 350 metros. Por suas características litológicas e estruturais representaria depósitos de ambiente continental úmido, oxidante, predominantemente fluvial, em canais meandrantes e planícies de inundação, com pequenas lagoas esparsas. Alguns autores interpretam como ambiente transicional com sedimentação fluvial na base passando para sedimentos eólicos no topo. São atribuídos a esta formação fósseis de conchostráceos, ostracódes, escamas de peixe e raros restos vegetais(5).
Um dos aspectos discutidos sobre a Formação Piramboia é a natureza eólica dos seus sedimentos. Dentre os indicadores reconhecidos têm-se a estratificação cruzada tangencial de grande porte, depósitos de avalanche e delgados níveis micáceos. Estratificações cruzadas de grande porte não são indícios definitivos de ambientes eólicos e os depósitos de avalanche podem estar associados a regimes de desestabilização de encosta tanto em ambientes subaéreos quanto subaquosos.
Considerando que, a partir da Formação Piramboia, todos os sedimentos sobrepostos são de natureza continental (Formação Botucatu e as formações Caiuá, Santo Anatásio, Adamantina e Marília, do Grupo Bauru) é possível supor que estes sedimentos teriam se formado nas fases finais do dilúvio, em ambientes transicionais, quando do recuo das águas dos mares epicontinentais (fase regressiva) e estabilização das áreas de domínio continental. Os processos sedimentares teriam sido controlados principalmente por reajustes nos sistemas fluviais, restauração dos ambientes costeiros (lagoas e lagunas) e retomada da sedimentação eólica, muito característica destes ambientes.
Conclusões
A excursão geológica à Bacia do Paraná no Estado de São Paulo permitiu o reconhecimento de feições sedimentares relacionadas a uma grande inundação que, segundo a interpretação criacionista, seria atribuída ao dilúvio bíblico de Noé. De maneira geral, quando se sobe na estratigrafia é possível reconhecer uma fase transgressiva indicativa do avanço do mar sobre os continentes, seguida de uma fase de calmaria e finalmente de uma fase regressiva marcada por sistemas deposicionais característicos de áreas continentais.
A presença de depósitos glaciais não é incompatível com um dilúvio universal uma vez que a quantidade de poeira vulcânica emitida para a atmosfera em função da intensa atividade vulcânica criaria as condições para quedas bruscas de temperatura e a formação localizada de grandes blocos de gelo.
A persistência da natureza continental dos sedimentos acumulados sobre a Formação Piramboia indica que esta unidade teria marcado, nesta porção da Bacia do Paraná, o recuo das águas da face da terra e a retomada dos processos sedimentares de natureza continental.
Mesmo considerando que muitas das feições observadas favorecem os modelos catastrofistas para a deposição dos sedimentos da Bacia do Paraná, cabe ressaltar que estas interpretações são de caráter parcial, necessitando-se ainda inúmeros trabalhos nas áreas da estratigrafia e da sedimentologia para a corroboração final destes modelos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
(1) Mapa Geológico do Estado de São Paulo. Programa de Desenvolvimento de Recursos Minerais – Pró-Minério, 1981.
(2) Simpson, J. E. 1982 – Gravity currents in the laboratory atmosphere and ocean. Ann. Rev. Fluid Mech., 14:213-234.
(3) Mapa Geológico do Estado de São Paulo. Programa de Desenvolvimento de Recursos Minerais – Pró-Minério, 1981.
(4) Paleontologia. Editora Interciências, Rio de Janeiro, 2000.
(5) Mapa Geológico do Estado de São Paulo. Programa de Desenvolvimento de Recursos Minerais – Pró-Minério, 1981.

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